A palavra ocupa lugar central na produção artística de Anne Clark. No seu caso não faz sentido falar de cantora, no sentido tradicional do termo. Ela é antes uma declamadora, uma voz que manipula os sons e o significado das palavras. Poetisa da idade cibernética, talvez.
“The law is na Anagram of Wealth”, assim se chama o seu mais recente álbum gráfico, denota desde logo pelo título esse gosto pela manipulação semântica e fonética. A música funciona como suporte de um discurso desapaixonado, musicalmente apoiado nas sequências repetitivas dos sequenciadores. Tem sido assim até agora. Este novo trabalho, gravado ao vivo, desvia-seporém no sentido de um maior classicismo. Na primeira meia dúzia de temas, o violoncelo constitui o único apoio instrumental dos textos, o que lhe confere outra intensidade dramática e um maior humanismo.
Anne Clark começou a trabalhar em Londres, em 1980, pelos livros, fundando nesse ano, com Paul Weller (The Jam, Style Council), a editora Riot Stories, vocacionada para a divulgação dos novos poetas ingleses, ao mesmo tempo que lançava um fanzine de nova poesia. Seguiram-se a realização de um documentário, “Something else”, sobre o insucesso e dificuldades das editoras livreiras em Inglaterra, que levou à posterior publicação da antologia “Hard Lines”.
Realiza em Croydon, no Warehouse Theatre, espectáculos de música e teatro “new wave”. Em 1982, escreve para o Channel 4 o filme “Isolation – a Sketch for Someone”. O primeiro álbum, “The Sitting Room”, sai nesse mesmo ano. “Changing Places”, o álbum seguinte, inclui o “hit” de culto “Sleeper in Metropolis”. Colabora com Vini Reily, dos Durtti Column. “Joined Up Writing” conta com a colaboração de Virginia Astley. John Foxx (fundador dos Ultravox) participa no álbum número quatro, “Pressure Points”. “Hopeless Cases”, “R.S.V.P.” (ao vivo) e “Unstill Life” procedem o novo álbum “The law is na Anagram of Wealth”, com Martyn Bates e Peter Becker, dois ex-Eyless in Gaza, entre os convidados.
A banda que acompanha Anne Clark a Lisboa (e Porto, no dia seguinte) é formada por Bates, guitarra, Michelle Chowrimmootoo, percussão, Ida Baalsrud, viola de arco, saxofone, Andy Bell, teclados, Gordon Reany, guitarra, e Paul Downing, violoncelo. No Teatro de São Luiz será montada uma banca Greenpeace, organização de que a artista faz parte. DIA 9, TEATRO S. LUIZ, 22H00
A palavra ocupa lugar central na produção artística de Anne Clark. No seu caso não faz sentido falar de cantora, no sentido tradicional do termo. Ela é antes uma declamadora, uma voz que manipula os sons e o significado das palavras. Poetisa da idade cibernética, talvez.
“The law is na Anagram of Wealth”, assim se chama o seu mais recente álbum gráfico, denota desde logo pelo título esse gosto pela manipulação semântica e fonética. A música funciona como suporte de um discurso desapaixonado, musicalmente apoiado nas sequências repetitivas dos sequenciadores. Tem sido assim até agora. Este novo trabalho, gravado ao vivo, desvia-seporém no sentido de um maior classicismo. Na primeira meia dúzia de temas, o violoncelo constitui o único apoio instrumental dos textos, o que lhe confere outra intensidade dramática e um maior humanismo.
Anne Clark começou a trabalhar em Londres, em 1980, pelos livros, fundando nesse ano, com Paul Weller (The Jam, Style Council), a editora Riot Stories, vocacionada para a divulgação dos novos poetas ingleses, ao mesmo tempo que lançava um fanzine de nova poesia. Seguiram-se a realização de um documentário, “Something else”, sobre o insucesso e dificuldades das editoras livreiras em Inglaterra, que levou à posterior publicação da antologia “Hard Lines”.
Realiza em Croydon, no Warehouse Theatre, espectáculos de música e teatro “new wave”. Em 1982, escreve para o Channel 4 o filme “Isolation – a Sketch for Someone”. O primeiro álbum, “The Sitting Room”, sai nesse mesmo ano. “Changing Places”, o álbum seguinte, inclui o “hit” de culto “Sleeper in Metropolis”. Colabora com Vini Reily, dos Durtti Column. “Joined Up Writing” conta com a colaboração de Virginia Astley. John Foxx (fundador dos Ultravox) participa no álbum número quatro, “Pressure Points”. “Hopeless Cases”, “R.S.V.P.” (ao vivo) e “Unstill Life” procedem o novo álbum “The law is na Anagram of Wealth”, com Martyn Bates e Peter Becker, dois ex-Eyless in Gaza, entre os convidados.
A banda que acompanha Anne Clark a Lisboa (e Porto, no dia seguinte) é formada por Bates, guitarra, Michelle Chowrimmootoo, percussão, Ida Baalsrud, viola de arco, saxofone, Andy Bell, teclados, Gordon Reany, guitarra, e Paul Downing, violoncelo. No Teatro de São Luiz será montada uma banca Greenpeace, organização de que a artista faz parte. DIA 9, TEATRO S. LUIZ, 22H00
No novo álbum, “Word Processing”, Anne Clark entregou os seus textos nas mãos de gente como Global Youth, Sleepers Revenge ou Juno Reactor. Uma série de remisturas tecno que oblitera o lado poético desta autora que se apresentará, amanhã, ao vivo, na Aula Magna, com um espectáculo acústico.
“A anarquia criativa” é o método de composição seguido por Anne Clark, com o qual tem procurado estruturar um novo papel para a linguagem poética. Entre o niilismo punk, o romantismo acústico e o processamento electrónico.
FM – Nos anos 80 esteve ligada ao projecto Psychic TV, cujos métodos de trabalho passavam por processos de manipulação através do som e da palavra. Já fez alguma coisa semelhante?
AC – Hoje em dia o meu trabalho tem mais a ver com um combate contra a manipulação das imagens do que com a linguagem propriamente dita, que está a sofrer. Afastei-me do tipo de trabalho efectuado pelos Psychic TV ou, antes, pelos Throbbing Gristle. De uma forma ou de outra toda a gente usa a linguagem como uma forma de manipulação. Comunicação é manipulação. Tanto pode ser negativa como positiva.
FM – “Word Processing” assenta numa base lectrónica tecno. Não acha que, a este nível, se pode falar ainda de manipulação através do som?
AC – Há um lado ritual, quando milhares de pessoas se juntam a dançar ao som de música tecno. É um regresso ao tribalismo, algo necessário, agora que deixou de existir segurança e se estão a perder os valores religiosos. Não penso que seja negativo o facto de uma quantidade de pessoas ficarem ligadas pela música.
FM – Qual é o lado positivo?
AC – As pessoas sentirem que fazem parte de uma tribo, sentirem-se confortáveis. Há como que uma libertação e uma partilha. Acontece o mesmo com um livro, a pintura, o cinema ou a televisão. As pessoas lêem um livro para saberem se há mais alguém a pensar como elas.
FM – Concorda com a utilização de drogas como o “ecstasy” para reforçar esse estado de espírito?
AC – Não, nem dessa nem de outra droga qualquer. Já há tantas maneiras para sair da realidade que não são necessários os químicos. Mas as pessoas que sentem essa necessidade não devem ser proibidas de o fazer.
FM – O que pensa da utilização de textos subliminares?
AC – Interessei-me bastante por técnicas desse tipo, no passado, mas acabei por achá-las lamentáveis. Eram algo de ameaçador.
FM – No fundo da caixa do seu novo CD está impresso um texto com informação técnica detalhada relativa à gravação, um jargão saturado que acaba por esconde rmais do que revelar…
AC – Todo este projecto tem a ver com levar o meu material até aos seus limites, através da tecnologia. Precisamente o “word processing” do título. Não coloquei quaisquer reservas ou limitações aos diversos autores das remisturas, tiveram inteira liberdade para fazer o que quisessem. Nalguns casos processaram as minhas palavras de maneiras bastantes estranhas… Gosto bastante das faixas remisturadas pelos Mouse On Mars, e de “Nida”, pelos Saafi Bros.
FM – “A linguagem é um vírus” como escreveu uma vez “William Burroughs?
AC – “Do espaço exterior”, não é? Parece que os incas também vieram de lá… um vírus? Não creio. A linguagem, no seu todo, enquanto fonte imediata de imagens, está a desaparecer.
FM – Com a substituição da linguagem por outras formas de comunicação electrónica, como a realidade virtual, os poetas correm o risco de ficar sem emprego?
AC – Penso que sim [risos]. A informação está a tornar-se cada dia que passa mais sensacionalista, mais tablóide. Tudo se reduz ao superficial, deixou de haver profundidade. Há milhões de revistas e jornais a falarem de todas as coisas, enquanto os livros a sério são cada vez menos.
FM – No romance de George Orwell “1984”, o governo apagava sucessivamente as palavras, como forma de aumento de poder e de controlo. Sem palavras não há pensamento.
AC – Penso que a situação actual tem mais a ver com as formas de poder de Aldous Huxley do “Admirável Mundo Novo”, do que com George Orwell. Em Orwell é o controlo através do medo. No “Admirável Mundo Novo” é o controlo através do prazer e do consumo. A única forma de resitência a isto é tentar modificar o estilo de vida, não comprar um carro novo todos os anos ou trocar de mulher de três em três meses…
FM – Acredita na existÊncia da alma humana?
AC – Acredito na energia humana. Quanto à alma, gostaria realmente que ela existisse.
FM – Costuma referir-se a um “anarquia criativa” que determina os seus métodos de trabalho.
AC – O que tento fazer é atravessar o mundo e procurar compreendê-lo, as coisas que fazemos uns aos outros. As pessoas vêm ter comigo para me mostrar novos sons e novos textos.
FM – Procura fazer passar nos seus textos alguma forma de mensagem explícita, como fazia na altura em que fazia parte da cena punk dos anos 70?
AC – Limito-me a mostrar, enquanto indivíduo, as minhas reflexões sobre o mundo que me rodeia. Na altura do punk aconteceram uma quantidade de coisas malucas ao mesmo tempo; as pessoas juntavam-se para tocar sem nunca terem pegado num instrumento antes. Eu gostava de poesia e de música. Por que não reunir as duas?
FM – As palavras tanto podem ferir como curar. Qual o efeito das suas?
AC – Como toda a gente, provoco as duas coisas. Espero que os meus textos ajudem a curar, mas sei que já feri as pessoas – faz parte da natureza humana.
FM – O que pensa de uma cantora como Diamanda Galas? É alguém que pode deixar marcas profundas…
AC – Adoro-a. Gostaria de um dia trabalhar com ela. Lembro-me de assistir a um concerto dela, há alguns anos, em Londres, e de ver pessoas a sentirem um sofrimento físico. É uma “performer” que desafia realmente a audiência e que se pode tornar assustadora.
FM – Vai fazer algum tipo de “perfomance” no concerto de Lisboa?
AC – Vou trazer uma banda de seis pessoas e um dançarino. Música gerada exclusivamente por meios electrónicos corre o risco de se tornar muito aborrecida de se ver, com uma quantidade de máquinas e apenas uma pessoa.
FM – A seguir a este disco já está a preparar outro, sobre a poesia de Rilke.
AC – Gosto de experimentar diferentes estilos e ambientes. Como ser humano que sou, posso acordar numa manhã com um determinado estado de espírito e mudar ao longo do dia para outro. É um “work in progress” constante. Num dia posso estar voltada para a música electrónica e no seguinte preferir uma linguagem acústica, mais intimista.