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Ani Di Franco – “Evolve”

(público >> y >> pop/rock >> crítica de discos)
28 Março 2003


ANI DI FRANCO
Evolve
Righteous Babe, distri. Megamúsica
8|10



Verifica-se na extensa discografia a solo de Ani Di Franco um desequilíbrio axial que, se por um lado, tende a traduzir-se numa sobrecarga de produtividade e em padrões de qualidade variáveis, a distingue, por outro, da concorrência. Ani Di Franco não é nem a “singer songwriter” ideologicamente empenhada nem a biógrafa sentimental, embora estas duas facetas se cruzem e, por vezes, se digladiem, na sua escrita musical, convocando estilos vocais e instrumentais díspares. “Evolve” contraria esta tendência. É um álbum que tira o máximo partido da banda que nos últimos tempos a tem acompanhado nos concertos ao vivo. Predominam as sonoridades jazzísticas, o swing a cavalo em vagas de sopros, um balanço menos tenso do habitual em discos anteriores. Ani percute as teclas do jazz, as feridas mas também as flores e frutos latinos (“Here for now”), mantendo um equilíbrio e um nível de composição e interpretação de extrema sofisticação, como se a rebelde de outrora tivesse cedido o lugar a uma diva toda ela classe, segundo um processo de transformação semelhante ao de Suzanne Vega. O lado mais cru e confessional encontramo-lo em “Serpentine” e aí Ani despe o “vison” para se confrontar com a sua imagem no espelho, mas também com a “mafia da indústria musical”, em dez minutos de golpes de guitarra, declamação e exorcismo que – confessa – a levaram às lágrimas.



Ani Di Franco – “Educated Guess”

13.02.2004

Ani Di Franco
Educated Guess
Righteous Babe, distri. Megamúsica
8/10

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Declaração de Independência

O caso de Ani Di Franco faz pensar. Com alma educada na folk e corpo tatuado no punk, a cantora de 34 anos, natural de Buffalo, é a lutadora por excelência contra o sistema, a “workaholic” infatigável, adepta do “faça você mesmo”, mas também a compositora inspirada e uma “true original” que, álbum após álbum (e já lá vão 17), vem traçando uma obra ímpar no panorama dos “singer songwriters” norte-americanos. Se longe vão os tempos em que Ani percorria os EUA de costa a costa no seu Volkswagen de molde a satisfazer os compromissos de um calendário de 200 concertos por ano, a verdade é que, nem por isso se aproximou mais do que quis ou que devia do “mainstream”.
“Educated Guest” é tão marginal ao sistema como qualquer dos seus discos anteriores, ao ponto de assegurar, sozinha, a composição, interpretação, gravação e misturas das 14 canções. Mas Ani foi mais longe desta vez. Além do prodigioso trabalho de som que torna sonicamente fascinante um álbum quase exclusivamente elaborado com a voz e uma guitarra acústica, com esporádicas pontuações de piano eléctrico ou de “wind chimes”, é a própria música que evidencia uma riqueza e complexidade que neste álbum conseguem ser tão ou mais cativante do que alguns dos seus trabalhos mais “produzidos”, como “Little Plastic Castle” ou “Up Up Up Up Up Up”. Ani declama, examina-se ao espelho em “overdubs” vocais, tira da guitarra refracções e reflexos de electrónica artesanal ou aumenta a ressonância até às dimensões de uma caverna.
Depois, o seu sentido de ritmo e de dinâmica contradizem tudo o que a indústria musical exige actualmente das “divas” pop. Ao invés de fórmulas adocicantes e “groove” sintético, a música de “Educated Guest” elimina tudo o que não tenha a luminosidade do espírito e a textura sanguínea e musculada da carne. Implosões e explosões de palavras e frases de guitarra que tanto bebem no “blues” e no “jazz” como numa “folk” espectral ilustram um sentido intricado do tempo e o desejo de experimentação, a par de uma elegância que jamais se dilui no novelo de canções psicológica e socialmente empenhadas. Ani apenas terá como concorrentes Joni Mitchell e, no caso de “Educated Guest”, o álbum mais “difícil” da cantora canadiana, “The Hissing of Summer Lawns”, sem os sintetizadores e as percussões africanas; e, esporadicamente, Annette Peacock, com quem partilha o gosto pela “spoken word” “swingante”, em que a acutilância e a ternura se confundem, em poemas apontados a alvos precisos, como “Grand Canyon” – uma raspagem ao relevo emocional e social da América e um retrato cruel dos seus habitantes, tão carregados de sarcasmo como de esperança – como ela, “born of the greatest pain/into a grand canyon of loght”.
Ani canta e “scata” como uma criança magoada, um sádico em busca de vítimas, uma “blueswoman” (por vezes mais próxima do misticismo descarnado de um John Fahey) em transe, uma sonhadora, uma guerreira. “Educated Guest” é a primeira grande declaração de independência da pop deste ano.

Ani Di Franco – “Evolve”

28.03.2003

Ani Di Franco
Evolve
Righteous Babe, distri. Megamúsica
8/10

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Verifica-se na extensa discografia a solo de Ani Di Franco um desequilíbrio axial que, se por um lado, tende a traduzir-se numa sobrecarga de produtividade e em padrões de qualidade variáveis, a distingue, por outro, da concorrência. Ani Di Franco não é nem a “singer songwriter” ideologicamente empenhada nem a biógrafa sentimental, embora estas duas facetas se cruzem e, por vezes, se digladiem, na sua escrita musical, convocando estilos vocais e instrumentais díspares. “Evolve” contraria esta tendência. É um álbum que tira o máximo partido da banda que nos últimos tempos a tem acompanhado nos concertos ao vivo. Predominam as sonoridades jazzísticas, o swing a cavalo em vagas de sopros, um balanço menos tenso do habitual em discos anteriores. Ani percute as teclas do jazz, as feridas mas também as flores e frutos latinos (“Here for now”), mantendo um equilíbrio e um nível de composição e interpretação de extrema sofisticação, como se a rebelde de outrora tivesse cedido o lugar a uma diva toda ela classe, segundo um processo de transformação semelhante ao de Suzanne Vega. O lado mais cru e confessional encontramo-lo em “Serpentine” e aí Ani despe o “vison” para se confrontar com a sua imagem no espelho, mas também com a “mafia da indústria musical”, em dez minutos de golpes de guitarra, declamação e exorcismo que – confessa – a levaram às lágrimas.