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sexta-feira, 18 Julho 2003
O CONCERTO
Jazz viaja por África em Serralves
Louis Sclavis, francês, multi-instrumentista. Voz plural do jazz mais inclassificável que nasceu da fusão entre a tradição e o pós-free e a música clássica e contemporânea, a compor estranhas evasões para outros mundos. Um álbum para nos espantarmos: “Les Violences de Rameau”. Henri Texier, francês, contrabaixista. Ouvi-lo é como passear por um parque de diversões. Um álbum para sorrirmos e nos perdermos: “Izlaz”. Aldo Romano, italiano “parisiense”, baterista, sobrevivente nobre do “free jazz”. Vão tocar juntos no Porto, no concerto de encerramento do festival Jazz no Parque. Um trio de luxo para dar forma a um projeto inusitado, “Carnet de Routes”, inspirado em viagens musicais e visuais pela África Central. “Suite Africaine” prolongou a aventura. A viagem não parou entretanto, da mesma forma que o músico e a música de jazz não param, mesmo quando as regiões que alcançam parecem distantes do lugar original. Duke Ellington já estivera lá, em 1971, quando gravou “The Afro-Eurasian Eclipse”. Estes três europeus de imaginação fértil e mochila de invenções às costas, exploram o que foi dito e o que falta desbravar.
Louis Sclavis/Henri Texier/Aldo Romano
PORTO Pq. Serralves. Tel.: 226156500.
Às 18h. Bilhetes a 10 euros.
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sábado, 25 Janeiro 2003
Reedições da editora francesa Owl dão a conhecer o melhor e o pior do jazz moderno. Realce para uma grande voz feminina pouco conhecida, Jeanne Lee, e para o duo Romano/Lovano.
Afinidades naturais
Ran Blake
Wende
8/10
Com inclinações e formação “third stream” (Stravinsky, Bartok e Ives contam-se entre as suas influências) mas permeável ao espírito de Monk e ao conceptualismo “futurista” de George Russell, Blake é o típico pianista multifacetado que toca como se realizasse um filme. A sua música, aqui no formato de piano solo, recorrente na sua obra, evoca sentimentos, épocas e visões, num sobressalto anímico em que, sem paroxismos, os sons desenrolam-se com a naturalidade da vida, com todos os seus contrastes, passando do lirismo mais depurado para uma frase de “blues”, desta para um ataque às teclas de uma violência extrema, para logo a seguir sussurrar em “pianíssimos” de recorte fantasmático. Entre a música clássica e o jazz, Blake apenas se preocupa com a lógica interna das suas motivações. “Conhece-te a ti mesmo” sempre foi uma máxima seguida pelos grandes músicos.
Beaver Harris
African Drums
7/10
Ao invés da grande tribo de tambores reunida por Max Roach no clássico “M’Boom”, ou da selvajaria ritual de Kahil El’Zabar, “African Drums” (1977) é uma celebração mais contida das pulsações rítmicas africanas. É seu autor o baterista Beaver Harris, homem de largo passado e reconhecidas apetências “free”, nos anos 60, ao lado de Archie Shepp e Albert Ayler, mas que na década seguinte se aproximou progressivamente da tradição. “African Drums” é uma sucessão ininterrupta de solos, ou um único e prolongado solo, de bateria que, no título-tema, funciona como base para uma intervenção no sax tenor de David S. Ware, avatar da “free music” atual. Convulsão de fogo a sublimar as respirações da terra. Harris é África, Ware um outro mundo.
Aldo Romano
Alma Latina
3/10
Chamar a “Alma Latina” jazzrock ou fusão é ofender um género cultivado por Miles ou pelos Weather Report. Philip Catherine toca guitarra como se fizesse um frete, Benoit Wideman, com ligações ao rock progressivo, limita-se a teclar para efeitos de decoração e Romano chega a ser básico. Coisas como “Santa Maria Novella”, “Alma latina” e “La derniére chanson” (pop de variedades francesa do piorio) deviam ser proibidas. O que é que lhes deu?
Aldo Romano & Joe Lovano
Ten Tales
9/10
Nunca o saberemos. Mas podemos perdoar o baterista pelo que, ao lado do saxofonista Joe Lovano, nos oferece em “Tem Tales”, gravado em 1989 ao vivo e em direto no estúdio para um gravador de duas pistas. “A auto-análise esconde surpresas”, diz Romano, considerando ainda que neste desafio a dois, raro desde os anos 60, e na senda de “Interstellar Space”, de 1967, de Coltrane com o percussionista Rashied Ali, foi mesmo necessário “ir ao fundo de si mesmo”. Improvisação, comunicação, provocação, suspensa do instante e da eternidade, da energia e da dinâmica interativa. Lovano nunca terá sido tão Coltraniano, na intensidade, articulação e liberdade de discurso, como aqui. Romano cria, combate e descobre a cada passo, em constante metamorfose. Essencial.
Dave Liebman
Homage to John Coltrane
7/10
“Hot”, sério, mas nem sempre para ser levado a sério. Eis Dave Liebman, discípulo de Charles Lloyd e “sideman” de Miles, um dos muitos saxofonistas de costela coltraniana a homenagear a figura e a música do mestre. “Crescent” e “Love” sobem em agudos vertiginosos no soprano (o tenor fora entretanto posto de lado). Na balada, no “hard bop” ou no “free”, o grupo, onde não faltam um sintetizador e oboés, escala quanto pode as escalas do autor de “Ascension”, mas é Liebman quem segura a corda e trepa até aos extremos. “India”, embora transformado em solo de sintetizador jazzroqueiro, não envergonha o jazz, mas tem consciência de que o público do rock está ali mesmo ao lado, atento, a olhar. E, depois, Coltrane não era apenas drama nem tragédia.
Michel Petrucciani, Jean François Jenny-Clark, Aldo Romano
7/10
O pianista Michel Petrucciani, o contrabaixista Jean François Jenny-Clark e o baterista Aldo Romano dispensam outra apresentação para além dos seus nomes nesta gravação de 1981. Como Bill Evans, Petrucciani é um pianista “miniatural”, de ângulos e arestas pouco pronunciados e de melodias rendilhadas. Jenny Clark e Romano estão lá para pontuar, sustentar ou contrapor. Nenhum dos três fala do que tem medo mas este é um jazz que procura esconjurar dores e apaziguar-se nas águas de um lago. Sugestões de bossanova, de “Chiado Terrace”, momentos em que a melancolia sabe bem.
Jeanne Lee
Natural Affinities
9/10
Começa com um monólogo-citação de Mingus sobre a alma e os seus caminhos. Início de uma viagem de afinidades várias, da música e dos músicos, da palavra e dos sons que magicamente as formam, conduzidas pela voz de Jeanne Lee. Uma grande voz diferente das outras grandes vozes do jazz. Cantou com Ran Blake, Archie Shepp, Gunter Hampel (com quem casou e integrou a Galaxie Dream Band), Anthony Braxton, Sunny Murray, Marion Brown, Carla Bley, Andrew Cyrille, Roland Kirk e Lauren Newton. E John Cage. Em “Natural Affinities” (1992), tem a companhia de Hampel (vibrafone e flauta), Dave Holland (baixo), Amina Claudine Meyers (piano e voz) e Wadada Leo Smith (trompete) entre outros. O tom da sua voz é grave, declamativo, timbre de veludo e camurça, “scat” e poesia disponíveis para a descoberta, a sensualidade e o risco. Surgem vozes de vozes, em “reverse” e em sonhos. Nos vários “Peace Chorale”, o jazz penetra em territórios inóspitos, desmultiplicando-se em camadas harmónicas sobrepostas, avançando em uníssonos com os saxofones, quebrando as notas e os compassos para finalmente desaguar numa praia do Brasil, na “Celebration of a state of grace”.
Bob Mintzer & Gil Goldstein
(Longing)
8/10
Bob Mintzer (sax tenor e clarinete baixo) e Gil Goldstein (piano e acordeão) fecham em duo o voo do mocho. Ambos arranjadores, resolveram experimentar a difícil arte do diálogo. Ouvem-se na perfeição um ao outro, o que é meio caminho andado para espantar a conversa fiada. Percebe-se que se admiram mutuamente pelo teor e incisão das palavras e porque nenhum deles levanta a voz mais do que o necessário para se fazer compreender. Jazz de intimismos, exige que se lhe peça licença para nos intrometermos. “Comotion” é um título que tem dentro a compreensão da corrente que por aqui passa em ambos os sentidos. Riso, luz, plenitude.
O mocho piou 8 vezes. Com som remasterizado, embalagens digipak e distribuição pela Universal.