Arquivo da Categoria: Ópera Rock

Jeff Wayne – “Spartacus” + Emerson, Lake & Palmer – “Live At The Royal Albert Hall”

pop rock >> quarta-feira, 17.02.1993


JEFF WAYNE
Spartacus (0)
CD Columbia, distri. Sony Music
EMERSON, LAKE & PALMER
Live At The Royal Albert Hall (0)
CD Victory, distri. Polygram



Como é possível fazerem-se e gravarem-se álbuns deste quilate, em 1993? Dizer que são maus não chega. São atrasos de vida. Cadáveres adiados. “Zombies” sugadores de divisas que se alimentam da estupidez do mundo. “Spartacus” é uma ópera rock, como o era o anterior “War of the Worlds”, do mesmo autor, com tudo o que de pior o género tem: a pompa balofa sem circunstância, o mau gosto absoluto disfarçado por uma produção ao estilo Alan Parsons Project. Até a estética da capa e do livrete interior dá vómitos, fazendo as imagens típicas dos discos de “heavy metal” parecerem obras-primas.
Os vocalistas são abaixo de cão (sem ofensa para os cães), no género épico-histérico-patético-FM. Ao pé deles, Roberto Leal e Clemente são Pavarottis e Carusos. Anthony Hopkins, o actor, perdeu a vergonha e fez um bocado de narração. Os Ladysmith Black Mambazo idem, ao imitarem as vozes do exército de Spartacus. Fish compreende-se que esteja presente. Agora David Sinclair (Caravan, Hatfield and the North)… David, se estavas desabonado, tinhas vindo cá e falavas com a nossa televisão! Temos que ser uns para os outros. Adiante.
Os Emerson, Lake & and Palmer não conseguiram melhor. Incluem-se na mesma linhagem decaída dos que se arrastam em busca da juventude perdida. Parece mentira, mas em 1993 os ELP soam exactamente como em 1970. Tocam as mesmas canções, os mesmos solos, é tudo igual. O que antes podia fazer algum sentido em prol do então nascente rock sinfónico, surge agora regurgitado em papa putrefacta. Cá estão “Knife edge”, excertos de “Tarkus”, “Karnevil 9”, “Lucky Man” (o solo de Moog que fez escola foi trocado por uns zumbidos de aparelhos mais siofisticados) e até relíquias dos Nice (grupo de Keith Emerson, anterior à formação do trio), “Rondo” e “America”
Dá para o Fantasporto. Secção aberrações.

Philip Glass, Bob Wilson – “Philip Glass Em Lisboa – Um dia Na Ópera” (ópera | descobrimentos | artigo de opinião)

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 28 SETEMBRO 1990 >> Cultura


Philip Glass em Lisboa

Um dia na Ópera


Philip Glass e Bob Wilson encontram-se desde há duas semanas no nosso país, a preparar uma ópera dedicada aos Descobrimentos portugueses. Dentro de dois anos será de novo a conquista de mares nunca antes navegados.



“Through the Eye of the Raven” é o título escolhido para a obra composta por Philip Glass, encenada por Bob Wilson e com “libretto” de Luísa Costa Gomes, inspirada nos Descobrimentos portugueses e com estreia mundial marcada para 28 de junho de 1992, no Teatro Nacional de S. Carlos.
Em encontro informal com a imprensa, num dos camarins do teatro e em plena atividade de ensaios, o compositor americano, autor de outras obras importantes no mesmo domínio, como “Einstein on the Beach”, “Satyagraha” e “Akhnaten” e o seu colaborador de longa data Bob Wilson, levantaram algumas pontas do véu. A ópera será inovadora a vários níveis: música (Philip Glass ainda não escreveu uma única nota, mas tudo está previsto até ao décimo de segundo…), coreografia e texto funcionarão como entidades autónomas, cujo sentido global caberá em grande parte à intuição do auditor unificar e apreender. Haverá momentos em que, aparentemente, “a música, o texto e as movimentações sobre o palco não terão nada a ver umas com as outras”. A vanguarda é assim mesmo.
Na prática, a estrutura final vai sendo progressivamente construída, partindo de um trabalho em regime de “Workshop”, por ambos considerado como “ideal”, com o aspeto criativo fruto de uma colaboração constante entre a totalidade das partes envolvidas. Bob Wilson chega ao ponto de afirmar “ser possível compor uma ópera a partir do vestuário ou da iluminação…”. Mas acalmem-se os mais tradicionalistas que, neste caso e ainda segundo Wilson, “a ópera é, do ponto de vista formal, extremamente tradicional, dividida em cinco atos, com uma abertura e um prólogo, para além de várias ‘Knee plays’, espécie de interlúdios musicais fazendo a ligação entre as partes principais”.

Ditosa pátria minha amada…

No capítulo da encenação Bob Wilson promete algumas surpresas espetaculares: Vasco da Gama, o Rei e a Rainha, um escritor, uma freira, três cientistas, Miss Universo e outras personagens saídas da História e da imaginação dos autores, vão fazer mil tropelias, em locais tão diversos como o mar (incluindo uma deslumbrante cidade de cristal oculta nas suas profundezas), o espaço cósmico, “buracos negros” por todo o lado, a selva brasileira, os exotismos do Oriente, na Corte de D. Manuel, e outros, menos facilmente catalogáveis. Haverá terríveis naufrágios, terramotos, monstros de toda a espécie (alguns nascidos de delírios de Jorge Luís Borges), cabeças de cão e patas de elefante, aviões e foguetões, um telescópio gigantesco girando ameaçador sobre a cabeça dos atores, uma “troupe” de dançarinos japoneses, viagens para além da morte, enfim, como diz Glass – “não se pretende dar uma lição de história, trata-se antes de uma abordagem poética, de caráter universalista, em que Passado, Presente e Futuro se confundem numa nova Realidade. Quem quiser receber lições deve procurar nos compêndios…”.
Luísa Costa Gomes, autora do “libretto” (que incluirá excertos de “Os Lusíadas” e da “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto) é de opinião que o tom geral dá uma “visão extremamente elogiosa, destacando o seu papel pioneiro, na transição da mentalidade e imaginário medievais para os renascentistas, dos Descobrimentos portugueses”, designação geral para uma gesta que, para si, se reveste inevitavelmente de um caráter simbólico, procurando na parte que lhe compete, evitar o “kitsch” e que os textos (inteiramente falados e cantados em português) reflitam essa mesma preocupação, para tal recorrendo a uma linguagem frequentemente metafórica, a começar pelo corvo mencionado no título, numa alusão às aves que equilibram a nau lisboeta. Viagens pelo mundo e pela alma humana adentro. Terra de Preste João, a Ilha dos Amores… “Gostava que a frase final, entoada pelo coro, fosse muito simples – ‘esta é a ditosa pátria minha amada’ – ‘mais nada”.

… à conquista do mundo

Quanto à partitura de “Through the Eye of the Raven” (encomendada especialmente pela Comissão dos Descobrimentos) será exclusivamente para orquestra e coro, este último aparecendo em cena somente na apoteose final do quinto e derradeiro ato. Nada foi ainda escrito mas ideias parece que não faltam a Philip Glass, um dos “papas” da música minimalista dos anos Sessenta, que hoje recusa a conotação exclusiva com a escola que ajudou a construir e presentemente considerada ultrapassada, chegando ao ponto de afirmar que – “se tivesse hoje 20 anos jamais faria música minimal”.
Para já adiantou que o terceiro ato será uma dança coreografada por um japonês (única sem a responsabilidade direta de Bob Wilson) e a totalidade do trabalho composicional realizada previamente ao piano.
Teoria terminada, foram mostrados e explicados por Bob Wilson, vários esboços referentes aos “décors” de cada um dos cinco atos, uns em branco (para as cenas mais despojadas…) outro com uma mancha negra (o promontório de Sagres…) ou uns rabiscos confusos (a selva amazónica…). Elucidados e siderados pelo aparato visual do futuro evento, passou-se para o grande auditório, para uma demonstração coreográfica provisória do primeiro ato, sem música e com Luísa Costa Gomes soletrando o texto palavra por palavra. Nada a ver com o “Barbeiro de Sevilha”. Quando se ligar o som, que se desiludam os amantes do “Bel Canto”…
A dois anos da sua apresentação oficial, “Through the Eye of the Raven”, provoca desde já interesse por parte dos meios culturais estrangeiros (fala-se inclusive num possível “sponsor” americano, para suportar os elevados custos da produção), na apresentação local da ópera, nomeadamente os japoneses, aos quais a problemática dos Descobrimentos diz obviamente respeito. Para além dos americanos, também os alemães se mostram interessados. Em Espanha, o “Olhar do Corvo” passará na Expo-92. Philip Glass e Bob Wilson não fazem a coisa por menos: “Com este trabalho tencionamos conquistar o mundo da ópera”. Daqui a sensivelmente dois anos se verá… Para já a certeza de que, em termos operáticos, depois destes descobrimentos, nada ficará como dantes.

The Who – “Hoje Às 21h25 Na RTP 2 – ‘Tommy’: A Ópera De Quem?”

PÚBLICO SÁBADO, 11 AGOSTO 1990 >> Cultura

Hoje às 21h25 na RTP 2


“Tommy”: a ópera de quem?

A ópera-rock “Tommy”, de Pete Townshend, volta de novo à cena, comemorando o 25º aniversário dos The Who. À semelhança de “The Wall”, de Roger Waters, é a grande atração pelo espetáculo megalómano, celebrando a ressurreição dos dinossauros.



Eles prometem mas não cumprem. Roger Waters afirmara a pés juntos que o caso “The Wall” estava definitivamente encerrado e arquivado. Onze anos depois, em Berlim, foi o que se viu. Que se saiba, Pete Townshend não se mostrou tão radical no renegar do seu herói ceguinho e ás dos “flippers”. Mas foi preciso esperar 21 anos e fracos resultados em termos de vendas discográficas, para que o guitarrista resolvesse também optar pela fórmula “obra magistral – mal compreendida na época – transformada, pelo menos uma década depois, em mega-concerto cheio de artistas amigalhaços convidados, de preferência com Phil Collins, se puder ser”, que tão bons resultados deu com Roger Waters. Que nunca se diga, pois, “desta água não beberei”.

Obra conceptual

“Tommy”, o disco, inaugurou a era das óperas-rock. Nestas, narra-se geralmente a história do herói desvalido a quem a vida não poupou, desde os martírios da infância até ao triunfo final. Seja nos traumas provocados pela educação, pais, instituições, enfim, pela sociedade inteira (como os de Pink, em “The Wall”) ou nas enfermidades físicas. Como nos filmes, há sempre um princípio infeliz, cheio de contrariedades e incompreensões; um “intermezzo” em que o herói luta contra inimigos, consigo próprio e o destino, e finalmente a vitória e os louros de um “happy end” afagador das consciências intranquilas. Tommy é cego, surdo e mudo, mas possui um dom inato: é um génio dos “flippers”, dominando a máquina sem fazer “tilt” e elevado pela concorrência ao estatuto de profeta. Pelo meio aparecem uns vilões para dar sal à narrativa, antes do epílogo feliz. Retenham-se do disco a música e canções que o tempo entronizou em clássicos como “See Me, Feel Me”, “Pinball Wizard” ou “I’m Free”.
Curiosamente, tanto “Tommy” como “The Wall” começaram por ser duplos-álbuns conceptuais, passados para o cinema e editados nos anos derradeiros das respetivas décadas – 1969 e 1979, e finalmente reabilitados este ano, através da realização de mega-concertos.

Desfile de vedetas

Ken Russell pegou na história e a partir dela cozinhou um espetáculo espampanante, pretexto para treinar os habituais exageros visuais e fazer desfilar pela tela um cortejo de celebridades pouco à vontade nas respetivas personagens, como Roger Daltrey (no papel principal), Ann-Margret (a mãe ruim – a propósito, para quando o ensaio sobre o papel da mãe castradora, na geração das estrelas de rock?), Oliver Reed (o padrasto), Elton John (o jogador das botas gigantescas), Eric Clapton, Keith Moon (o lendário e já falecido baterista dos The Who, para quem divertir-se consistia em emborcar quilolitros de álcool misturados com tranquilizantes para cavalo, ou em destruir hotéis), Robert Powell, Tina Turner (a “acid Queen”) e Jack Nicholson.
A história do novo Pinball Wizard volta agora à cena, comemorando os 25 anos do atual trio constituído por Pete Townshend, Roger Daltrey e John Entwistle, num espetáculo com a duração de três horas que conta com a participação de Phil Collins (quem mais?), Billy Idol, Elton John (o único do “cast” original além de Roger Daltrey), Patti LaBelle e Stevie Winwood. Será interpretada a totalidade da ópera-rock, a par de outros êxitos da banda. Prestes a atingir-se o ano 2000, o rock transformou-se na música da terceira idade.