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Holger Hiller – “Expresso” (dossier | biografia |discografia)

LP


11 DE MAIO DE 1989
EXPRESSO

HOLGER HILLER




Ao falarmos hoje em vanguarda teremos forçosamente de referir o nome de HOLGER HILLER. Desconhecido de quase todos, um génio para quem conhece a sua música. Para os primeiros, um conselho: Escutem os sons que este senhor faz e pasmem. Depois, já refeitos do choque, podem deitar fora os 80% dos vossos discos, cuja posse vos fará corar de vergonha. Mas antes leiam este artigo e vão aguçando o apetite.
Comecemos por uma breve biografia musical. Depois de uma educação e treino musicais que abrangeram campos tão diversos como a música improvisada, música terapêutica e pesquisa musical com crianças, HILLER começou a sair da casca e a aventurar-se por áreas de mais fácil acesso. Assim, após a tempestade de punk, trabalho com músicos de grupos tornados lendários na cena underground alemã, como os DER PLAN, D.A.F. e EINSTURZENDE NEUBAUTEN. Algumas experiências bizarras desta altura incluem uma banda sonora para o clássico do Expressionismo alemão, o filme “Dr. Caligari” de MURNAU, composta ao vivo durante a projecção pública do mesmo e em que as imagens serviram de estímulo directo para a feitura da música.
Já na década de 80 fundou os PALAIS SCHAUMBURG que rapidamente abandonou para se dedicar de novo a actividades menos ortodoxas: Um “12” com a participação de barqueiros Vietnamitas ou uma nova versão para uma ópera para crianças originalmente composta pelo erudito PAUL HINDEMITH. Este período culmina com a sua própria ópera “Guten Morgen Hose” (“Bom dia, calças”) em que HILLER utiliza exclusivamente vozes de pessoas da rua, trazidas directamente para o estúdio e instadas a improvisarem as partes vocais, para além de samples de outros discos. Dificilmente imagino o resultado, mais facilmente imagino as caras dos eventuais auditores.
Finalmente os álbuns a solo que o impõem definitivamente junto das minorias esclarecidas: “Eins Bundel Faulnis in der Grube” e mais recentemente, “Oben im Eck”. Ambos constituindo a bíblia do sampling inteligente. E se o primeiro é excepcional, o mais recente é definitivamente uma obra-prima. Estes dois discos vão aparecendo, de quando em quando, em número reduzido de exemplares, por algumas discotecas, mais atentas da capital. Ficam a saber.
Desde há cinco anos para cá, HOLGER HILLER tem trabalhado como produtor e participado em espectáculos e bienais por essa Europa fora. Para além de projectos relacionados com a Rádio e o Cinema, HILLER é o inventor do “Scratch-Video”(!). Contada resumidamente a sua história, passemos à música propriamente dita. Em qualquer dos dois álbuns o sampler é definitivamente privilegiado. HILLER é seu rei e senhor, revelando uma mestria total e um absoluto rigor na utilização desta técnica, propensa a certo tipo de facilidades. O resultado sonoro situa-se algures entre a música de cabaré e a música concreta do ano 2000, com “Nursery rhymes” para crianças à mistura. Se BRECHT ou K. WEILL compusessem a meias com os E. NEUBAUTEN e com DIAMANDA GALAS a cantar, o resultado seria talvez semelhante a qualquer destes discos. Ou então definamo-lo como “Sample-Operas” para esquizofrénicos esclarecidos.
Só para despistar, refira-se ainda a presença, em “Oben im Eck”, de MIMI IZUMI KOBAYASHI, a japonesa que toca piano e produz o último de MATHILDE SANTING. Amantes do Novo, pesquisadores das regiões mais longínquas da Música, estes dois discos foram feitos especialmente para vocês. Ouçam e rendam-se. Como eu.
P.S. A fotografia que acompanha este artigo é a de um ouvinte que não resistiu ao choque e à comoção provocados pela audição destes dois discos. São precisas pois certas cautelas!…

Holger Hiller

LP

11 DE MAIO DE 1989
EXPRESSO

HOLGER HILLER

holger-hiller

Ao falarmos hoje em vanguarda teremos forçosamente de referir o nome de HOLGER HILLER. Desconhecido de quase todos, um génio para quem conhece a sua música. Para os primeiros, um conselho: Escutem os sons que este senhor faz e pasmem. Depois, já refeitos do choque, podem deitar fora os 80% dos vossos discos, cuja posse vos fará corar de vergonha. Mas antes leiam este artigo e vão aguçando o apetite.
Comecemos por uma breve biografia musical. Depois de uma educação e treino musicais que abrangeram campos tão diversos como a música improvisada, música terapêutica e pesquisa musical com crianças, HILLER começou a sair da casca e a aventurar-se por áreas de mais fácil acesso. Assim, após a tempestade de punk, trabalho com músicos de grupos tornados lendários na cena underground alemã, como os DER PLAN, D.A.F. e EINSTURZENDE NEUBAUTEN. Algumas experiências bizarras desta altura incluem uma banda sonora para o clássico do Expressionismo alemão, o filme “Dr. Caligari” de MURNAU, composta ao vivo durante a projecção pública do mesmo e em que as imagens serviram de estímulo directo para a feitura da música.
Já na década de 80 fundou os PALAIS SCHAUMBURG que rapidamente abandonou para se dedicar de novo a actividades menos ortodoxas: Um “12” com a participação de barqueiros Vietnamitas ou uma nova versão para uma ópera para crianças originalmente composta pelo erudito PAUL HINDEMITH. Este período culmina com a sua própria ópera “Guten Morgen Hose” (“Bom dia, calças”) em que HILLER utiliza exclusivamente vozes de pessoas da rua, trazidas directamente para o estúdio e instadas a improvisarem as partes vocais, para além de samples de outros discos. Dificilmente imagino o resultado, mais facilmente imagino as caras dos eventuais auditores.
Finalmente os álbuns a solo que o impõem definitivamente junto das minorias esclarecidas: “Eins Bundel Faulnis in der Grube” e mais recentemente, “Oben im Eck”. Ambos constituindo a bíblia do sampling inteligente. E se o primeiro é excepcional, o mais recente é definitivamente uma obra-prima. Estes dois discos vão aparecendo, de quando em quando, em número reduzido de exemplares, por algumas discotecas, mais atentas da capital. Ficam a saber.
Desde há cinco anos para cá, HOLGER HILLER tem trabalhado como produtor e participado em espectáculos e bienais por essa Europa fora. Para além de projectos relacionados com a Rádio e o Cinema, HILLER é o inventor do “Scratch-Video”(!). Contada resumidamente a sua história, passemos à música propriamente dita. Em qualquer dos dois álbuns o sampler é definitivamente privilegiado. HILLER é seu rei e senhor, revelando uma mestria total e um absoluto rigor na utilização desta técnica, propensa a certo tipo de facilidades. O resultado sonoro situa-se algures entre a música de cabaré e a música concreta do ano 2000, com “Nursery rhymes” para crianças à mistura. Se BRECHT ou K. WEILL compusessem a meias com os E. NEUBAUTEN e com DIAMANDA GALAS a cantar, o resultado seria talvez semelhante a qualquer destes discos. Ou então definamo-lo como “Sample-Operas” para esquizofrénicos esclarecidos.
Só para despistar, refira-se ainda a presença, em “Oben im Eck”, de MIMI IZUMI KOBAYASHI, a japonesa que toca piano e produz o último de MATHILDE SANTING. Amantes do Novo, pesquisadores das regiões mais longínquas da Música, estes dois discos foram feitos especialmente para vocês. Ouçam e rendam-se. Como eu.
P.S. A fotografia que acompanha este artigo é a de um ouvinte que não resistiu ao choque e à comoção provocados pela audição destes dois discos. São precisas pois certas cautelas!…

Holger Hiller – Oben Im Eck (1986): aqui



Biota + Mnemonists – Discografia de Álbuns

LP

9 DE MARÇO DE 1989
EXPRESSO

BIOTA/MNEMONISTS

DISCOGRAFIA DE ÁLBUNS

BIOTA
– VAGABONES & RACKABONES (duplo)
– BELOWING ROOM
– TINCT

rackabones

MNEMONISTS
– HORDE
– GYROMANCY
– NAILED

horde

Há música e músicos deveras estranhos. Os BIOTA exageram na estranheza. Não fazem música, na acepção usual do termo; os sons produzidos em cada disco deste grupo são a manifestação primeira, emergente do caos primordial. Com os BIOTA assistimos ao próprio nascimento da música, à formação das formas originais, anteriores a qualquer separação de géneros ou estilos. Ou então, dependendo da perspectiva em que nos colocarmos, trata-se da síntese definitiva. A unificação de todos os sons, todos os ritmos e melodias. O ruído final. Uma nova noção de harmonia.
Se quisermos pôr a questão em termos de energia, os BIOTA são a convergência de todas as energias telúricas, subterrâneas. Há na sua música uma pulsação quase monstruosa, como se o coração e as entranhas da terra se derramassem para o exterior através de sons brotando com contínua torrente de lava. Estas as imagens, as aproximações possíveis. Passemos aos factos e às certezas (poucas) que os BIOTA condescendem em nos revelar.
Facto 1: BIOTA é uma das duas designações para um projecto estético global, único, sendo a outra MNEMONISTS. Estas diferentes designações para um mesmo núcleo principal de músicos apresentam discografias separadas mas de características comuns.
São elas: Uma absoluta radicalidade estética, aos níveis conceptual e formal. Um cuidado extremo na apresentação final de cada trabalho. Assim, cada disco de um ou outro destes dois agrupamentos é quase sempre acompanhado por um conjunto de gravuras, da autoria dos seus próprios membros. Nenhum pormenor é descuidado, apresentando-se o produto final como uma autêntica obra de arte. O que nos conduz ao Facto 2: A ligação contínua entre a imagem pictórica e o som. Escutar um disco dos MNEMONISTS / BIOTA é como assistir a um filme de misterioso enredo e difícil apreensão. Se quisermos encontrar uma lógica nestas sequências de sons e imagens perfeitamente alucinantes, teremos que recorrer à (i)lógica do próprio inconsciente. O discurso ganha coerência, o puzzle é solucionado, o mistério parcialmente revelado. Passemos então para o Facto 3: O culto assumido pelo misterioso e pelo obscuro. Paradoxalmente (ou não), a par da profusão de imagens que acompanha cada disco, constata-se a quase total ausência do outro tipo de informações. Os próprios títulos das faixas são perfeitamente insondáveis. Uma das gravuras incluídas num dos álbuns intitula-se «MYSTERIUM TREMENDUM ET FASCINORUM». Elucidados?
Paradoxo final: Os BIOTA / MNEMONISTS (já agora refira-se que são americanos) tocam uma profusão de instrumentos acústicos (incluindo medievais!) soando a sua música como se fosse electrónica…
Da discografia do colectivo conheço três álbuns, todos eles inevitavelmente gravados para a Recommended Records: «HORDE», dos MNEMONISTS e «VAGABONES & RACKABONES» (duplo) e o mais recente, «TINCT», dos BIOTA. «HORDE» soa como um cruzamento dos NURSE WITH WOUND com música barroca, povoado de sons parasitários de toda a espécie. «VAGABONES» lembra por vezes os RESIDENTS da 1.ª fase, mas não se iludam, os BIOTA conseguem ser ainda mais estranhos e obscuros. «TINCT» mistura uma espécie de free jazz como se fosse tocado por um grupo de doentes mentais, com órgão de igreja e abstracções sonoras próprias da música concreta. A originalidade é, em qualquer dos casos, total.
Os BIOTA / MNEMONISTS construíram um universo musical único, completamente à parte e alheio a todos os pontos de referência habituais. Cabe a cada um a exploração dos seus segredos. Mas antes de descerem às profundezas, munam-se de luz!

Nota: No artigo sobre Hector Zazou, por mim redigido, publicado há quinze dias, mencionei Joseph Racaille, seu companheiro nos ZNR, como não sendo pianista. Acontece que o é, de facto, para além de também tocar sopros. Poucos terão notado o lapso, de qualquer forma aqui fica a correcção.

Biota – Vagabones & Rackabones, aqui
Mnemonists – Horde, aqui