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Rodrigo Leão & Vox Ensemble – “Ave Mundi Luminar”

pop rock >> quarta-feira, 31.03.1993


O LEÃO DA ESTRELA

Rodrigo Leão & Vox Ensemble
Ave Mundi Luminar
CD Sony Music



“Ave Mundi Luminar” (belo título) é um projecto há muito acalentado por Rodrigo Leão, músico dos Madredeus e Sétima Legião, no qual vem ao de cima a sua costela clássica, em grande parte influenciada por Michael Nyman (influência que o próprio reconhece, além de Philip Glass e Ryuicho Sakamoto), que por sua vez é uma espécie de tradutor decadentista de Henry Purcell. Ou seja, Rodrigo Leão pôs, neste disco, em prática ideias que, sobretudo nos Madredeus, não puderam ser levadas até às últimas consequências. Assim, “Ave Mundi Luminar” pode considerar-se uma espécie de versão sacra da música daquele grupo, entre o minimalismo e a música barroca, de Purcell, mas também de Albinoni, num “Final” com características de “Requiem”, na qual assumem capital importância os arranjos de Francisco Ribeiro, outro Madredeus.
Litúrgico e solene, “Ave Mundi Luminar” instala-se inequivocamente no universo Nymaniano nas peças “Movimento”, “Vitorial”, “In Excelsis”, “Espiral II”, “Ruas” e “O Medo”, mas fá-lo de forma extremamente equilibrada, conseguindo tirar todo o partido dasvárias combinações instrumentais proporcionadas pelos Vox Ensemble – Francisco Ribeiro (violoncelo, voz), Maria do Mar e Margarida Araújo (violinos), Nuno Rodrigues (oboé e corne inglês), Nuno Guerreiro (voz) e António Pinheiro da Silva (alguém se lembra dos Perspectiva?, flauta transversal). Os temas “Ave Mundi”, um belíssimo e tristíssimo “Carpe Diem” e o refluxo final “Humanitá” contam com as participações vocais (em latim!) de Teresa Salgueiro e Nair. O acordeão de Gabriel Gomes faz a sua aparição em “A espera”.
Obra originalmente concebida para acompanhamento orquestral, “Ave Mundi Luminar”, por dificuldades técnicas, nomeadamente falta de orçamento, acabou por, na forma final, organizar-se segundo os cânones da música de câmara, ganhando em proximidade e intimismo, o que poderá eventualmente ter perdido em grandiosidade. É um álbum que apela mais ao espírito que ao corpo, com voz própria e soluções harmónicas bem conseguidas que acabam por fazer esquecer a estética original de onde provêm. Exemplos superiores desta litania ao sagrado, entoada de maneira despretensiosa e com a centelha de devoção apropriada, são “Ave Mundi”, o já citado “Carpe diem” – pranto nocturno de inquietação cósmica chorado em tons de violeta -, “Amatorius” e “O Medo”, este onde Rodrigo Leão se equilibra da melhor maneira no trapézio do contraponto.
Herdeiro em essência da religiosidade, mais pagã e popular, dos Madredeus, “Ave Mundi Luminar” desponta como a luz dourada que fulge antes do crepúsculo, através de um vitral. Tem uma virtude rara: saber lidar e dar a escutar o silêncio. (7)

Madredeus – “‘Existir’ Para A Europa”

Cultura >> Domingo, 22.03.1992


“Existir” Para A Europa

Sexta-Feira, no Teatro Ibérico, em Lisboa, os Madredeus actuaram para uma plateia de convidados, numa operação de “charme” aos vários executivos de diversas delegações europeias da EMI presentes, com o objectivo de uma hipotética edição do álbum “Existir” no estrangeiro.
Para Teresa Ribeiro, Pedro Ayres de Magalhães, Rodrigo Leão, Francisco Ribeiro e Gabriel Gomes foi também o regresso ao local de ensaios e gravação dos “Dias da Madredeus”, disco com que se estrearam no mercado discográfico nacional: uma divisória de um antigo convento, responsável em grande parte pelo ambiente e orientação estética do projecto.
Cerca de 45 minutos de música que em alguns momentos roçou o sublime – devem ter chegado para convencer os homens de negócios. De postura sóbria, quase de recolhimento, os cinco músicos projectaram os sons até à cúpula do recinto, aproveitando a sua acústica para melhor acentuar o carácter religioso da maior parte das canções. O início, um dueto vocal de Teresa Salgueiro e Francisco Ribeiro evocativo do cântico gregoriano, deu o tom ao concerto, que evitou temas mais extrovertidos como “O Ladrão” para se centrar numa solenidade que poderíamos definir como “fado de câmara”.
“O Navio”, “Cuidado”, “O Pomar das Laranjeiras”, “Vaca de Fogo” e o instrumental “As Ilhas dos Açores”, entre outros títulos dos Madredeus, serviram de igual forma para demonstrar a capacidade dos seus membros em recriarem e remodelarem, em cada concerto, os arranjos. Da voz e da presença, ao mesmo tempo angelical e fadista, de Teresa Salgueiro, nunca é demais repetir que não tem rival no actual panorama da moderna música portuguesa. Modernidade que no caso dos Madredeus se funda na Eternidade.
Os Madredeus existem para navegar. A partir de agora talvez também no inconsciente de uma Europa à procura de outro mar.

Madredeus – “‘Existir’ Para A Europa”

Cultura >> Domingo, 22.03.1992


“Existir” Para A Europa

Sexta-Feira, no Teatro Ibérico, em Lisboa, os Madredeus actuaram para uma plateia de convidados, numa operação de “charme” aos vários executivos de diversas delegações europeias da EMI presentes, com o objectivo de uma hipotética edição do álbum “Existir” no estrangeiro.
Para Teresa Ribeiro, Pedro Ayres de Magalhães, Rodrigo Leão, Francisco Ribeiro e Gabriel Gomes foi também o regresso ao local de ensaios e gravação dos “Dias da Madredeus”, disco com que se estrearam no mercado discográfico nacional: uma divisória de um antigo convento, responsável em grande parte pelo ambiente e orientação estética do projecto.
Cerca de 45 minutos de música que em alguns momentos roçou o sublime – devem ter chegado para convencer os homens de negócios. De postura sóbria, quase de recolhimento, os cinco músicos projectaram os sons até à cúpula do recinto, aproveitando a sua acústica para melhor acentuar o carácter religioso da maior parte das canções. O início, um dueto vocal de Teresa Salgueiro e Francisco Ribeiro evocativo do cântico gregoriano, deu o tom ao concerto, que evitou temas mais extrovertidos como “O Ladrão” para se centrar numa solenidade que poderíamos definir como “fado de câmara”.
“O Navio”, “Cuidado”, “O Pomar das Laranjeiras”, “Vaca de Fogo” e o instrumental “As Ilhas dos Açores”, entre outros títulos dos Madredeus, serviram de igual forma para demonstrar a capacidade dos seus membros em recriarem e remodelarem, em cada concerto, os arranjos. Da voz e da presença, ao mesmo tempo angelical e fadista, de Teresa Salgueiro, nunca é demais repetir que não tem rival no actual panorama da moderna música portuguesa. Modernidade que no caso dos Madredeus se funda na Eternidade.
Os Madredeus existem para navegar. A partir de agora talvez também no inconsciente de uma Europa à procura de outro mar.