Arquivo de etiquetas: Pablo Quintana

Vários – “Música Popular Galega – Os Eternos Caminhos De Compostela”

Secção Cultura Terça-Feira, 05.02.1991


Música Popular Galega
Os Eternos Caminhos De Compostela



Da Galiza, chegaram até nós alguns discos ilustrativos da sua melhor música. Enquanto na vizinha Espanha se exporta a cultura popular, por cá não sabemos sequer o que fazer dela.

Gravados no selo Edigal, sediado em Santiago de Compostela, estes discos de música popular galega, importados pela Mundo da Canção, valem como amostras exemplares de possíveis abordagens à música tradicional da região. Contrariamente à nossa proverbial indiferença, do outro lado da fronteira há muito se concluiu que só firmemente ancorada a uma herança histórico-cultural é possível a uma nação projectar-se coerentemente em termos de futuro.
“O Cego Andante”, do sanfonista Pablo Quintana, recria, de forma ortodoxa, as danças galegas (neste caso, entre outras, as pasacorredoira, pandareitada e piruxalda), acompanhadas pelo próprio na sanfona, acordeão, trompa, “binco” e conchas, juntamente com o violino de Tomas Garrell e a gaita-de-foles de Carlos Icaza.
“Desafinaturum”, saúdam os Muxicas, quarteto de inspiração delirante, imparável de energia e com uma visão pessoalíssima das premissas tradicionais. As “gaitas”, requintas, flautas e sanfona soam vibrantes sobre uma massa cerrada de percussões (bombos, tarranolas, pandeiros, castanholas, tambores), transformando “Desafinaturum” (título irónico para uma música que não dispensa o humor) num exercício rítmico alucinante.
Contraponto delicado da orgia percussiva, a voz de Maria Xosé López equilibra o lado dionisíaco. Escute-se “Non Sei” para perceber como o universo pode ser triste quando a Natureza e a alma escurecem em conjunto.

Um Jeito Novo

Fundada em 1983 por um grupo de emigrados galegos na Argentina, a “Asociacion Folclorica Galega Xeito Novo” dedica-se à investigação e difusão da música da Galiza, bem como à experimentação de novas formas interpretativas da música do “mundo celta” em geral.
Constituídos por nove músicos (partilhando entre si o violino, gaita-de-foles, alaúde, sintetizador, piano, bandurria, “tin Whistle”, flautas, guitarra e percussões várias), os Xeito Novo interpretam desde tradicionais escoceses e bretões até originais de Paddy Moloney (dos irlandeses Chieftains) e Anton Sloane (Milladoiro), passando pelas típicas muineiras, alboradas e foliadas galegas.
Sete músicos animam os Luar na Lubre, representados por “O Son do Ar”. Uma panóplia instrumental alargada (que inclui flautas irlandesas e soprano, gaita-de-foles, ponteira, teclados, baixo, bandolim, guitarra, “tin whistle”, acordeão diatónico e uma infinidade de percussões) aliada a um notável bom gosto nos arranjos das danças e cantares galegos, desvelam novas e aliciantes perspectivas de encarar a música do Norte da península.
Muineiras, gavotas, uma versão da região de Alba para o clássico irlandês “Morrison’s Jig” ou a dança dos paus (aprendida com o Sr. Graciano do grupo “Os Barrios” de Muradelle) bem acompanhadas pelos originais de Bieito Romero, enfeitiçam o corpo e dão asas ao espírito. Não se iludam aqueles para quem o termo “tradição” significa “velho”. São jovens os oficiantes do Templo. Eternamente nova, a fonte donde jorra a seiva que vivifica o Mundo.

Coisas Do Arco Da Velha

Com os Xorima, o piano abandona os auditórios eruditos para se juntar, sobre os palanques rurais, aos seus irmãos populares. Se a sonoridade se torna em certas ocasiões menos fiel aons mandamentos ancestrais, nem por isso deixa de os respeitar, como “Danza do Afiador” ou “O Gaiteiro Avergonado” demonstram à exaustão.
Recorrendo a uma instrumentação variada que inclui (para além das imprescindíveis “gaitas”), o berimbau, bombarda, ocarina, bouzouki e ponteira, “Xorima” encaixa sem esforço no “puzzle” infinito da música celta.
Originários de Burgos, os Arco da Vella, contam entre as suas fileiras com Manoel Branas, (sanfona, gaita-de-foles e “tin whistle”) artesão da colectividade “Obradoiro”, especializada na feitura de instrumentos tradicionais. “Na Noite” passeia-se ao luar por entre as pedras e veredas antigas. “Camino dos Celtas”, sequência de marcha / reel / jiga, dá o mote.
Sons nascidos do fundo dos tempos, medievos, como “Com Gran razon”, cantiga de el-rei Afonso X ou a “Marcha Processional de Corpus” de Pontevedra.
Interessantes são finalmente os álbuns dos Bretema (“Arelas de Verdegal”), versão galega dos Gwendal, prejudicada por deficiente produção e incursões, por vezes despropositadas, nos territórios do Jazz, e dos Na Lua (“Estrela de Maio”) mais próximo de um som que poderíamos designar por “Pop céltico” e cujo principal atractivo reside na voz maravilhosa da sua vocalista Uxia.
Ao todo, oito discos, oito maneiras de penetrar na alma e cultura galegas, outras tantas lições que deveriam aproveitar aos ouvidos lusitanos.

Vários – “Música Popular Galega – Os Eternos Caminhos De Compostela” (artigo de opinião / discos novos / galiza / celta)

Secção Cultura Terça-Feira, 05.02.1991


Música Popular Galega
Os Eternos Caminhos De Compostela


Da Galiza, chegaram até nós alguns discos ilustrativos da sua melhor música. Enquanto na vizinha Espanha se exporta a cultura popular, por cá não sabemos sequer o que fazer dela.



Gravados no selo Edigal, sediado em Santiago de Compostela, estes discos de música popular galega, importados pela Mundo da Canção, valem como amostras exemplares de possíveis abordagens à música tradicional da região. Contrariamente à nossa proverbial indiferença, do outro lado da fronteira há muito se concluiu que só firmemente ancorada a uma herança histórico-cultural é possível a uma nação projectar-se coerentemente em termos de futuro.
“O Cego Andante”, do sanfonista Pablo Quintana, recria, de forma ortodoxa, as danças galegas (neste caso, entre outras, as pasacorredoira, pandareitada e piruxalda), acompanhadas pelo próprio na sanfona, acordeão, trompa, “binco” e conchas, juntamente com o violino de Tomas Garrell e a gaita-de-foles de Carlos Icaza.
“Desafinaturum”, saúdam os Muxicas, quarteto de inspiração delirante, imparável de energia e com uma visão pessoalíssima das premissas tradicionais. As “gaitas”, requintas, flautas e sanfona soam vibrantes sobre uma massa cerrada de percussões (bombos, tarranolas, pandeiros, castanholas, tambores), transformando “Desafinaturum” (título irónico para uma música que não dispensa o humor) num exercício rítmico alucinante.
Contraponto delicado da orgia percussiva, a voz de Maria Xosé López equilibra o lado dionisíaco. Escute-se “Non Sei” para perceber como o universo pode ser triste quando a Natureza e a alma escurecem em conjunto.

Um Jeito Novo

Fundada em 1983 por um grupo de emigrados galegos na Argentina, a “Asociacion Folclorica Galega Xeito Novo” dedica-se à investigação e difusão da música da Galiza, bem como à experimentação de novas formas interpretativas da música do “mundo celta” em geral.
Constituídos por nove músicos (partilhando entre si o violino, gaita-de-foles, alaúde, sintetizador, piano, bandurria, “tin Whistle”, flautas, guitarra e percussões várias), os Xeito Novo interpretam desde tradicionais escoceses e bretões até originais de Paddy Moloney (dos irlandeses Chieftains) e Anton Sloane (Milladoiro), passando pelas típicas muineiras, alboradas e foliadas galegas.
Sete músicos animam os Luar na Lubre, representados por “O Son do Ar”. Uma panóplia instrumental alargada (que inclui flautas irlandesas e soprano, gaita-de-foles, ponteira, teclados, baixo, bandolim, guitarra, “tin whistle”, acordeão diatónico e uma infinidade de percussões) aliada a um notável bom gosto nos arranjos das danças e cantares galegos, desvelam novas e aliciantes perspectivas de encarar a música do Norte da península.
Muineiras, gavotas, uma versão da região de Alba para o clássico irlandês “Morrison’s Jig” ou a dança dos paus (aprendida com o Sr. Graciano do grupo “Os Barrios” de Muradelle) bem acompanhadas pelos originais de Bieito Romero, enfeitiçam o corpo e dão asas ao espírito. Não se iludam aqueles para quem o termo “tradição” significa “velho”. São jovens os oficiantes do Templo. Eternamente nova, a fonte donde jorra a seiva que vivifica o Mundo.

Coisas Do Arco Da Velha

Com os Xorima, o piano abandona os auditórios eruditos para se juntar, sobre os palanques rurais, aos seus irmãos populares. Se a sonoridade se torna em certas ocasiões menos fiel aons mandamentos ancestrais, nem por isso deixa de os respeitar, como “Danza do Afiador” ou “O Gaiteiro Avergonado” demonstram à exaustão.
Recorrendo a uma instrumentação variada que inclui (para além das imprescindíveis “gaitas”), o berimbau, bombarda, ocarina, bouzouki e ponteira, “Xorima” encaixa sem esforço no “puzzle” infinito da música celta.
Originários de Burgos, os Arco da Vella, contam entre as suas fileiras com Manoel Branas, (sanfona, gaita-de-foles e “tin whistle”) artesão da colectividade “Obradoiro”, especializada na feitura de instrumentos tradicionais. “Na Noite” passeia-se ao luar por entre as pedras e veredas antigas. “Camino dos Celtas”, sequência de marcha / reel / jiga, dá o mote.
Sons nascidos do fundo dos tempos, medievos, como “Com Gran razon”, cantiga de el-rei Afonso X ou a “Marcha Processional de Corpus” de Pontevedra.
Interessantes são finalmente os álbuns dos Bretema (“Arelas de Verdegal”), versão galega dos Gwendal, prejudicada por deficiente produção e incursões, por vezes despropositadas, nos territórios do Jazz, e dos Na Lua (“Estrela de Maio”) mais próximo de um som que poderíamos designar por “Pop céltico” e cujo principal atractivo reside na voz maravilhosa da sua vocalista Uxia.
Ao todo, oito discos, oito maneiras de penetrar na alma e cultura galegas, outras tantas lições que deveriam aproveitar aos ouvidos lusitanos.