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Noirin Ni Riain & Monks Of Glenstal – “Vox De Nube”

pop rock >> quarta-feira, 17.02.1993
WORLD

A LUZ SOBRE A NUVEM


NOIRIN NI RIAIN & MONKS OF GLENSTAL
Vox De Nube
CD Gael-Linn, distri. VGM



Não é uma metáfora. Há vozes que falam verdadeiramente com Deus. As búlgaras, por exemplo, e não só. Outras vezes é a própria voz de Deus que se deixa ouvir através da voz humana, feminina e masculina. “Vox de Nube” (“a voz que vem da nuvem”), terceira parte de uma trilogia iniciada com “Vox Populi – Good People All” e prosseguida com “Vox Clamatis in Deserto (Caoineadh na Maighdine)”, apresenta três aspectos da comunicação possível entre o humano e o divino. Três vias de manifestação: a terra, o povo e a nuvem, símbolo do véu que ao mesmo tempo oculta e revela o Verbo.
“Vox de Nube” foca este último vértice do triângulo e inspira-se directamente na tradição do cantochão (designação do cântico gregoriano na Europa Latina), bem como no acto contemplativo dos místicos Hildegard (monge beneditino do Mosteiro de Bingen, séc. XII) e, já no nosso século, do suíço Joa Bolendas. Quem vier à procura de danças, gaitas-de-foles, violinos e “bodhrans” pode passar à crítica seguinte. Mas, antes de se ir embora, fique já agora a saber que é aqui que pode encontrar o contraponto celestial ao panteísmo que anima grande parte da música tradicional de raiz celta. “Vox de Nube” é música litúrgica, sagrada. A voz do silêncio e do ar, por oposição complementar às vozes do mar, da pedra e da floresta.
Nisto que a nuvem do céu nos diz, procura-se ver para além do véu. Escreve-se na contracapa que a “a nossa visão do canto ocidental aparece filtrado por mil anos de transcrições manuscritas”. Tradição milenar que nesta perspectiva pode ser considerada como uma “subversão” de uma vibração que nenhuma notação pode traduzir. “Vox de Nube” busca então para além das aparências – essa voz que é o “coração de uma coisa selvagem” e uma consciência aprofundada da música tomada como “sopro original”. Gravado na capela de Honan, no condado de Cork, “Vox de Nube” ergue-se e ergue-nos às alturas. Transportam-nos o timbre de anjo de Nóirín Ní Riain, que os sete monges cantores do Mosteiro de Glenstal ajudam a impulsionar para o alto. Enquanto a estrutura de “Vox Populi” segue o modelo de uma missa católica, “Vox de Nube” reza e canta próximo da natureza, entre os seus sons e fragrâncias, ambas as vozes irmanadas em idêntica tenativa de ligação da terra ao seu coração primordial, que já foi e voltará a ser (e sempre tem sido: o erro, a queda, foi e é de visão…), no degrau seguinte – o paraíso.
Nóirin canta em gaélico, “a capella” ou acompanhada pela escola vocal dos religiosos de Glenstal. Por vezes sobre “drones” criadas por um “supeti” (órgão-de-foles indiano), uma caixa “sruti” ou uma “symphony” (ou “symphonia”, sanfona medieval). Os temas são na totalidade vocacionados para provocar a elevação espiritual: canções da tradição cristã baseadas no Velho Testamento, versões do “Pai Nosso”, hinos de Joa Bolendas, o visionário suíço mencionado no início, baladas tradicionais irlandesas de inspiração religiosa, um “Kyrie Eleison” e outros temas do místico Hildegard, cânticos de louvor à Virgem Maria e a Maria Madalena, uma “carol” (canção de Natal”) irlandesa do séc. XIII, uma composição de Peadar Ó Riada, entre outros. O efeito de exposição prolongada à Luz (mesmo filtrada pela nuvem) pode ser fulminante. Assim o permitam o coração flamejante e a mente desperta. Ou a fé. (10)

Nóirin Ní Riain – “Nóirin Ní Riain Cantou No Convento Do Beato, Em Lisboa – A Voz Que Cura” (concerto)

cultura >> segunda-feira, 29.11.1993


Nóirin Ní Riain Cantou No Convento Do Beato, Em Lisboa
A Voz Que Cura


As pessoas habituaram-se a associar a música irlandesa aos copos e à dança. Nóirin Ní Riain revelou o lado oculto da ilha, convidando ao recolhimento e à escuta do silêncio. “A voz humana vem de Deus”, diz. Ao ouvi-la, fica-se com a certeza de que sim.



No Convento do Beato, em Lisboa, no sábado à noite, a voz da cantora irlandesa Nóirin Ní Riain começou por descer não das nuvens, como no álbum “Voz de Nube”, mas da parte superior dos claustros do convento, entoando um cântico de louvor a S. Francisco ao mesmo tempo que fazia soa r uma “drone” infinita numa caixa “shruti” indiana. A assistência, que encheu por completo o recinto, rendeu-se de imediato a esta voz de anjo que nos últimos anos se tem dedicado à interpretação de temas religiosos, irlandeses sobretudo, mas também indianos, além de composições da autoria da abadessa mística medieval Hildegard de Bingen ou da visionária contemporânea suíça Joa Bolendas.
O concerto durou pouco mais de uma hora. O suficiente para os ouvintes se deixarem impregnar por canções de respiração ampla, ressumando espiritualidade. A cantora irlandesa saudou o fado, abençoou pessoas e lugares, falou do seu fascínio pela serra de Sintra, que conhecera na véspera, mencionou a ocasião em que conheceu Mário Soares e cantou como só ela sabe cantar. Ora ajoelhada diante de um “surpeti” (pequeno órgão de foles indiano), ora passeando em frente à assistência. Nóirin assumiu sempre o seu canto como uma oração.
Hinos religiosos de Joa Bolendas, uma sequência de composições de Hildegard de Bingen, um “Lament for a dead child” em que aludiu à dor real de mulheres que visitou num campo de refugiados na Croácia, outrolamento, de Nossa Senhora chorando aos pés da cruz e maorte do seu filho, Jesus, uma canção de Dublin, “Cockles and mussels” (que comparou com Lisboa, pelo mesmo número de letras, que, ao contrário do que geralmente se pensa e o tradutor e apresentador de serviço teve o cuidado de referir, são cinco e não seis…), outra, “Once I Loved”, sobre amores não correspondidos, um hino de louvor a Krishna, um “Magnificat” e “The river and the ocean”, outra ainda já do novo álbum, de título “Soundings”, que será editado na próxima semana, foram alguns dos temas que se elevaram como espirais de incenso na voz sem mácula de Nóirin Ní Riain.
Há vozes como esta que navegam contra as correntes inferiores que vão empurrando o mundo para o abismo. Vozes que acordam. Vozes que oram. Vozes que curam. Nóirin Ní Riain construiu pelo canto uma ponte que conduz acima das nuvens. Ontem, domingo, de manhã, Nóirin iluminou com a sua voz uma missa realizada na Igreja do Corpo Santo, em plena zona do Cais do Sodré, local de perdição.

Noirin Ni Riain & Monks Of Glenstal – “Vox De Nube”

pop rock >> quarta-feira, 17.02.1993

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A LUZ SOBRE A NUVEM


NOIRIN NI RIAIN & MONKS OF GLENSTAL
Vox De Nube
CD Gael-Linn, distri. VGM



Não é uma metáfora. Há vozes que falam verdadeiramente com Deus. As búlgaras, por exemplo, e não só. Outras vezes é a própria voz de Deus que se deixa ouvir através da voz humana, feminina e masculina. “Vox de Nube” (“a voz que vem da nuvem”), terceira parte de uma trilogia iniciada com “Vox Populi – Good People All” e prosseguida com “Vox Clamatis in Deserto (Caoineadh na Maighdine)”, apresenta três aspectos da comunicação possível entre o humano e o divino. Três vias de manifestação: a terra, o povo e a nuvem, símbolo do véu que ao mesmo tempo oculta e revela o Verbo.
“Vox de Nube” foca este último vértice do triângulo e inspira-se directamente na tradição do cantochão (designação do cântico gregoriano na Europa Latina), bem como no acto contemplativo dos místicos Hildegard (monge beneditino do Mosteiro de Bingen, séc. XII) e, já no nosso século, do suíço Joa Bolendas. Quem vier à procura de danças, gaitas-de-foles, violinos e “bodhrans” pode passar à crítica seguinte. Mas, antes de se ir embora, fique já agora a saber que é aqui que pode encontrar o contraponto celestial ao panteísmo que anima grande parte da música tradicional de raiz celta. “Vox de Nube” é música litúrgica, sagrada. A voz do silêncio e do ar, por oposição complementar às vozes do mar, da pedra e da floresta.
Nisto que a nuvem do céu nos diz, procura-se ver para além do véu. Escreve-se na contracapa que a “a nossa visão do canto ocidental aparece filtrado por mil anos de transcrições manuscritas”. Tradição milenar que nesta perspectiva pode ser considerada como uma “subversão” de uma vibração que nenhuma notação pode traduzir. “Vox de Nube” busca então para além das aparências – essa voz que é o “coração de uma coisa selvagem” e uma consciência aprofundada da música tomada como “sopro original”. Gravado na capela de Honan, no condado de Cork, “Vox de Nube” ergue-se e ergue-nos às alturas. Transportam-nos o timbre de anjo de Nóirín Ní Riain, que os sete monges cantores do Mosteiro de Glenstal ajudam a impulsionar para o alto. Enquanto a estrutura de “Vox Populi” segue o modelo de uma missa católica, “Vox de Nube” reza e canta próximo da natureza, entre os seus sons e fragrâncias, ambas as vozes irmanadas em idêntica tenativa de ligação da terra ao seu coração primordial, que já foi e voltará a ser (e sempre tem sido: o erro, a queda, foi e é de visão…), no degrau seguinte – o paraíso.
Nóirin canta em gaélico, “a capella” ou acompanhada pela escola vocal dos religiosos de Glenstal. Por vezes sobre “drones” criadas por um “supeti” (órgão-de-foles indiano), uma caixa “sruti” ou uma “symphony” (ou “symphonia”, sanfona medieval). Os temas são na totalidade vocacionados para provocar a elevação espiritual: canções da tradição cristã baseadas no Velho Testamento, versões do “Pai Nosso”, hinos de Joa Bolendas, o visionário suíço mencionado no início, baladas tradicionais irlandesas de inspiração religiosa, um “Kyrie Eleison” e outros temas do místico Hildegard, cânticos de louvor à Virgem Maria e a Maria Madalena, uma “carol” (canção de Natal”) irlandesa do séc. XIII, uma composição de Peadar Ó Riada, entre outros. O efeito de exposição prolongada à Luz (mesmo filtrada pela nuvem) pode ser fulminante. Assim o permitam o coração flamejante e a mente desperta. Ou a fé. (10)