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Maria Teresa De Noronha – “Morreu Maria Teresa De Noronha – A Fadista Aristocrata”

cultura >> terça-feira, 06.07.1993


Morreu Maria Teresa De Noronha
A Fadista Aristocrata


Maria Teresa de Noronha morreu. E com ela uma das vozes nobres do fado. Tinha 75 anos e faleceu ontem vítima de doença prolongada. Deixou um exemplo de integridade e um estilo que não tem sucessores.



Sabe-se pouco da sua vida e muito da sua música. A artista não fava entrevistas, gravava discos quando e como queria. Não teve carreira porque o fado não tem tempo nem segue princípios senão os ditados pela alma e o destino. A sua vida de fadista está toda nos fados que cantou. O que desde há 20 anos deixara de fazer. Maria Teresa de Noronha morreu e, “tal como Amália, não deixa descendentes, mas apenas uma herança artística incalculável”, nas palavras de João Braga. O seu corpo ficará exposto em cãmara ardente na casa da artista, em S. Pedro de Sintra, estando o funeral marcado para as 11h30 de hoje, no cemitério de Sintra, com missa de corpo presente rezada naquela residência.
Maria Teresa de Noronha nasceu em Lisboa, a 7 de Setembro de 1918. Começou a cantar muito nova. Árias clássicas antes do fado, com o seu irmão D. Vasco de Noronha, fazendo ambos parte do coro do maestro Ivo Cruz. Tinha uma voz diferente. Tão diferente que escandalizou os meios fadistas quando ousou cantar o fado de Coimbra, tradicionalmente reservado às vozes masculinas. Recentemente, foi objecto de homenagem em Lisboa e no Porto, por ocasião das Grandes Noites do Fado realizadas nestas cidades.
“O Fado dos Cinco Estilos” foi um dos primeiros que gravou, na antiga Emissora Nacional, incluído no primeiro disco da sua carreira, editado em 1939. Sete anos mais tarde, em 1946, viajou em digressão até Espanha e Brasil, por ocasião do voo inaugural Lisboa – Rio de Janeiro. A sua voz acabou por pousar ao lado da guitarra, uma das melhores desses anos em qo “amador” queria de facto dizer “aquele que ama”, do conde de Sabrosa, com quem casou em 1949.
Deu a opuvir o fado à família Rainier, no Principado de Mónaco, e à família real britânica, em Londres. Corriam os anos 60 e com eles o pop e o rock ditavam as leis da música. Precisamente a meio da década e do reinado dos Beatles, Maria Teresa de Noronha cantou e gravou uma hora de fado para a BBC.
Com a morte de Maria Teresa de Noronha, “perdeu-se um dos pilares do fado e uma das vozes mais importantes deste século”, nas palavras de Carlos do Carmo, que recordou os seus “tempos de rapaz”, quando assistiu a sessões nas quais participavam, além da sua mãe, Lucília do Carmo, Alfredo Marceneiro e Maria Teresa de Noronha, num “despique de vozes sem público”. Ainda segundo o autor de “Um Homem na Cidade”, Maria Teresa de Noronha “tinha uma maneira particular de cantar e simbolizava a grande expressão do fado da aristocracia portuguesa”.
Vicente da Câmara, fadista e sobrinho da artista, recorda-a “quer pela voz naturalmente extraordinária, quer pela sua dignidade na vida artística”, enquanto Nuno da Câmara Pereira, também fadista, afirma que “morre com Teresa de Noronha uma das dignas formas de estar no fado, que ela soube gravar a letras de ouro”. Para João Braga, o desaparecimento da artista “é um grande desgosto porque ela era uma das melhores fadistas de outros tempos, em conjunto com a Amália e ao Alfredo Marceneiro”. “Nunca se chegou a decidir qual deles era o melhor. Ao contrário de Marceneiro e de Hermínia, que eram fadistas de bairro, ela e a Amália eram cantoras do país”, acrescentou. E evoca a ocasião em que Maria Teresa de Noronha cantou para a realeza inglesa: “Fez-se silêncio e alguns lordes não conseguiram evitar uma lágrima de emoção”.
Entre os fados mais conhecidos de Maria Teresa de Noronha estão “Canção de amor/saudade”, “Rosa enjeitada”, “Fado das horas”, “Mouraria”, “Alexandrino” e “Tipóia”, que podem ser ouvidos nos dois volumes de “O melhor de”, com edição em vinilo, cassete e compacto da EMI – Valentim de Carvalho.

Vários – “Recordar É Viver” (fado)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 19.08.1992


RECORDAR É VIVER

Música ligeira. Artistas da rádio, do tempo em que se ouvia música pela telefonia e se lia na “Flama”, na “Plateia” ou no “Século Ilustrado” as últimas sobre o “affaire” amoroso de António Calvário com Madalena Iglésias…
Nacional-cançonetismo e piroseiras do mais requintado mau-gosto emparceiram com algumas lendas vivas do fado. Nostalgia. Ingredientes que finalmente se reúnem na totalidade de um lote de 23 CD com o genérico “O Melhor de…” que a Valentim de Carvalho passou a ter disponível no mercado nacional.
O fado apresenta a melhor música e algumas das suas glórias, de um passado lisboeta já distante no tempo: Alfredo Marceneiro, Carlos Ramos, António dos Santos, Hermínia Silva. O fado de Coimbra faz-se representar por Luiz Goes. O resto é um pouco a alegre confusão, segundo o critério unificador que consiste em reunir os nomes mais sonantes de um período temporal compreendido entre as décadas de 40 e 70: Simone, Max, Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo, Tristão da Silva, Fernando Farinha, Eugénia Lima, Maria Clara, Alberto Ribeiro, Tony de Matos… o melhor de… os melhores, ao lado do pior… dos piores. Mas aqui vale, sobretudo, a imagem, na maior parte dos casos retocada pela imaginação, que para alguns significará conservar para a posteridade a saudade dos tempos que já lá vão e, para outros, um saudável exercício de diversão “kitsch”.
Muitos dos artistas da série “O Melhor de…” já morreram. Outros estão vivos, mas preferem deixar de si apenas o que deles recordamos dos anos dourados, casos de António dos Santos ou de Hermínia Silva. Os familiares de alguns deles prontificaram-se a conversar com o PÚBLICO sobre os mitos, maiores ou menores, que fizeram sonhar e suspirar os nossos pais. Histórias que hoje dão que sorrir e pensar. A vida, então, corria mais forte e devagar.