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Hedningarna – “Hippjokk” + Garmarna – “Guds Spelemän”

POP ROCK

12 Março 1997
world

Companheiros de escola

HEDNINGARNA
Hippjokk (8)
Silence, distri. MC – Mundo da Canção

GARMARNA
Guds Spelemän (8)
Xxource, distri. MC – Mundo da Canção


hed


gar

Olhem lá para a pinta de malucos dos meninos. São os suecos Hedningarna, a coqueluche da música, hã…, tradicional escandinava, no seu muito aguardado regresso discográfico, agora reduzidos a um trio. Quer dizer que neste seu novo álbum os três meninos – Anders Stake, Hällbus Totte Mattsson e Bjӧrn Tollin – ficaram sem as meninas, Sanna e Tellu, as bruxinhas boas dos anteriores e fabulosos “Kaksi” e “Trä”. Foi-se também embora a sanfona assassina (se calhar explodiu mesmo…). A loucura instrumental, essa, permanece, se bem que, agora, num registo mais normalizado e, por isso, menos escandaloso. Além disso – surpresa –, as vozes de Stake e Mattsson cumprem satisfatoriamente o registo de arrebatamento xamânico característico dos Hedningarna, tarefa que antes pertencia à falange feminina.
Fazendo o ponto da situação, temos que o grupo sedimentou um estilo que tem vindo a fazer escola, não só no seu país de origem: um tribalismo exacerbado – nalguns casos de ressonâncias quase africanas – que, paradoxalmente, levando em conta a evolução sofrida pelo grupo de “Kaksi” para “Trä”, dispensa nesta sua nova fase, quase por completo, a componente electrónica. Nesta medida, “Hippjokk” pode ser encarado como um retorno discreto às proximidades da tradição, como acontecia no álbum de estreia, “Hedningarna”. Algo que se pode verificar com nitidez em temas como “Dufwa” ou “Skåne”, o que poderá significar uma tomada de consciência quanto ao esgotamento de uma fórmula de ruptura que terá atingido em “Trä” os seus limites.
Poderoso, como seria de esperar, mais do que nunca apoiado no frenesim das percussões (estonteantes, faixas como “Bierdna” ou “Kina”), “Hippjokk” deixa de fazer da estratégia de choque uma questão de honra, ao mesmo tempo que mostra que os Hedningarna estão bem se saúda, provavelmente até libertos do peso de uma responsabilidade que os obrigava a transportar, sozinhos, o fardo da revolução.
Libertos de qualquer pressão, os Garmarna prosseguem, por seu lado, o seu caminho de renovação da música de raiz tradicional sueca, neste caso ainda com a voz de Emma Hårdelin a conferir uma força adicional às polifonias colectivas, “drones” de sanfona, samplagens e percussões etno-rock que tornam único o som dos Garmarna, inovadores dentro da tradição sueca, sem contudo a atirarem pela borda fora, como, apesar de tudo, ainda fazem os Hedningarna. Todavia, a aproximação entre estes dois grupos faz-se sentir em temas como “Min man”, “Varulven” ou “Herr Holger”, fenómeno de simbiose, não de todo desejável, provocado pelo atrás mencionado “efeito de escola” dos autores de “Kaksi”, o que não acontecia no anterior álbum dos Garmarna, “Vittrad”. Apetece dizer que os Garmarna, num altura em que os Hedningarna parecem ter chegado a uma encruzilhada, foram buscar influências a “Kaksi” e “Trä”, assumindo-se como os continuadores de um trabalho ainda com novas potencialidades por explorar.
“Hallings” da Noruega, um poema do povo “saami”, baladas medievais, histórias de lobisomens e tragédias de família desdobram-se nos tons de vermelho que se tornou a cor fundamental, tanto da embalagem como dos sons, de “Gude Spelemän”. Os Garmarna decidiram trocar a poesia pela energia.





Hedningarna – “Trä”

Pop Rock

16 de Novembro de 1994
WORLD

NO EXCESSO ESTÁ A VIRTUDE

HEDNINGARNA
Trä (10)

Silence, distri. MC – Mundo da Canção


hed

O novo disco dos Hednigarna! Só de pensar será para muitos o êxtase antecipado. Que poderão ter estes suecos para apresentar depois da superbomba “Kaksi!”, unanimemente clamado como um dos grandes discos de folk, ou algo do aparentado, do ano? A resposta, consumada a audição, só pode ser uma: música! Se parte do impacto causado por “Kaksi!” derivava precisamente de factores como “novidade” e “diferença”, de um som sem antecedentes próximos da música de raiz tradicional oriunda não só da Escandinávia como do resto do planeta, em “Trä” (“madeira”) esse elemento-surpresa, como é óbvio, esbateu-se ou desapareceu mesmo por completo, o que permite agora à atenção concentrar-se por inteiro na própria música, independentemente de uma atitude ou do desenho de uma estética geral que em “Kaksi!” causaram o estrondo que se sabe.
Com a entrada triunfal do som de madeira de uma gaita-de-foles, sobre as percussões majestosas de Bjӧrn Tollin (de resto com um trabalho portentoso ao longo de todo o álbum), em “Täss’ on nainen”, tem início a passagem de novo vendaval dos Hedningarna. Uma serra eléctrica introduz o tema seguinte, “Min skog”, outra vez com percussões demenciais e a sanfona de Andres Stake, como de costume, ameaçando estoirar a qualquer momento. “Varg Timmen”, com percussões electrónicas a lançarem para o espaço o violino “hardingfela”, é pop, é tradicional, é tudo o que se lhe quiser chamar, é irresistível e decerto o tema em que as rádios vão pegar. Em “Gorrlaus”, a voz de Sanna Kurki-Suonio aparece filtrada e a sanfona volta a ranger os dentes sobre percussões totalitaristas. Os Hedningarna são os Laibach da folk! “Skrau Tvål” é uma dança xamânica e “Pornopolka” (!) uma segunda hipótese a considerar do ponto de vista radiofónico.
O experimentalismo respiratório de “Räven” remete para a importância que as “drones” detêm na música dos Hedningarna, cuja dupla de vocalistas femininas (além de Sanna, Tellu Paulasto) volta a atear-se em “Såglåten”. “Tuuli” é tecno da idade do gelo e nova demonstração de que os Hedningarna não receiam pisar o risco. É necessário esperar pelo penúltimo tema, “Täppmarschen”, o mais “tradicional” na forma, de “Trä”, para se ter direito a um pouco de calma. Se ainda não adivinharam, “Trä”, mais ainda do que “Kaksi!”, tem um “speed” que ronda o frenesi e não dá um segundo de descanso a ninguém. Um fogo incontrolável parece possuir os Hedningarna, demónios à solta que, por enquanto, não se sabe se estão a destruir ou a construir uma nova música tradicional. Mas as chamas acabam por baixar por fim de intensidade, deixando ouvir, no princípio e durante largos segundos no final do último tema, “Tina Vieri”, o som de água a correr. A própria voz feminina brota de uma fonte mais fresca antes de a gaita-de-foles soltar um emocionado canto de despedida.
“Trä” trará decerto um público ainda mais vasto para os Hedningarna, “vikings” com o freio nos dentes para quem, mais do que nunca, a virtude está no excesso.



Hedningarna – Karelia Visa

05.03.1999
World
As Raparigas Finlandesas Estão De Volta
Hedningarna
Karelia Visa (9)
Silence, distri. MC – Mundo da Canção

hedningarna_kareliavisa

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O aparecimento de um novo álbum dos suecos Hedningarna já não provoca a mesma onde de admiração e estupefacção que se levantou quando “Kaksi!” irrompeu no mercado de world music em 1992. Nessa altura “Kaksi!” rebentou como uma bomba, carregada com uma mistura explosiva de sons tradicionais e electricidade que rivalizava em volume e energia com qualquer banda de “heavy metal”. Foi ainda este álbum que deu origem ao consequente “boom” de novas bandas escandinavas no resto da Europa. Mas se o choque causado por “Kaksi!” se disspou, não esmoreceu a expectativa de acompanhar cada passo da evolução de uma das bandas mais excitantes da cena folk actual.
Depois de “Kaksi!”, os Hedningarna avançaram no sentido da electrificação, passando pelo paiol de dinamite de “tra” (1994) antes de entrarem decididamente (e, para alguns, perigosamente) nos territórios da música de dança, em “Hippjokk” (1997), segundo um trajecto que culminaria, nesse mesmo ano, com o álbum de remisturas, “Remix Project”. A partir daí ofereciam-se ao grupo duas vias: ou deixavam, em definitivo, de poder ser considerados uma banda folk (o que, por si só, não constitui nenhum defeito) ou encetavam nova mudança de rumo. A escolha recaiu sobre a segunda destas hipóteses. “Karelia Visa” é um retorno à vertente mais tradicional que caracterizava o álbum de estreia do grupo, “Hedningarna”, de 1989. Primeira verificação importante e que a própria promoção faz questão de frisar quando anuncia que “the finnish girls are back at the microphones!” é o regresso das duas cantoras finlandesas, Sanna Kurki-Suonio e Anita Lehtola, que haviam abandonado o grupo deppois de “Tra”, amputando “Hippjokk” de um dos seus órgãos vitais.
Em “Karelia Visa”, resultante da estadia dos Hedningarna, na Primavera e no Verão passados, em Carélia, região fronteiriça entre a Rússia e a Finlândia, as duas recuperam o anterior protagonismo, assinando vocalizações empolgantes e, nalguns casos, como em “Neidon Laulu”, verdadeiramente mágicas. “Karelia Visa” ignora deste modo a vontade de todos aqueles que desejariam continuar a deliciar-se com a anterior postura “headbanger” do grupo, para obedecerem a uma motivação mais profunda e que os próprios músicos enunciam: “Durante anos estudámos e deparámo-nos com a tradição das canções rúnicas (‘runosongs’) de Carélia, através da audição de velhas gravações em cilindro de cera ou da leitura de livros, usando este conhecimento para uma interpretação livre e nos nossos próprios termos das mesma. Desta vez quisemos ir mais além, em direcção ao núcleo e à fonte da tradição. Regressámos cheios de imagens [algumas delas reproduzidas no livrete do disco] e de sensações sobre a vida em geral e da Carélia em particular.” Depurados da febre que os consumia, os Hedningarna voltaram, paradoxalmente, a surpreender, ficando a “continuação” de “Hippjokk!” guardada para a futura gravação de um disco de Björn Tollin e Hallbus Totte Mattson com o grupo de música de dança Virvla. Com “Kareli Visa”, os Hedningarna recuperaram o mistério das primitivas florestas pagãs e uma aura da imprevisibilidade.