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Vários – “Glamour Horror” (artigo de opinião)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 30.12.1992


“GLAMOUR HORROR”

Passadas duas décadas sobre a eclosão do movimento, o “glam” chama de novo as atenções. A decadência e a androginia voltam a dar as mãos e a vestir o brilho dourado do mau gosto, de Morrissey aos Right Said Fred. Rebeldia em toque de finados ou pura diversão, o “kitsch” assexuado regressou em força. Mais uma acha para a grande confusão.



Na década de 70 deu-lhes para aquilo. Marc Bolan, Brian Eno, David Bowie, Gary Glitter, Kim Fowley ou grupos como os Kisss, Sweet, Bay City Rollers, David Essex e New York Dolls, encheram os olhos de “make-up”, vestiram-se de dourados e prateados, encheram-se de plumas e lantejoulas e ensaiaram meneios femininos. Era o chamado “glam rock”, feito de imagens decadentes e confusões exuais. Havia antepassados. Liberace e Little Richard já haviam antes carregado na pintura e na escandaleira. Descontando a vertente mais “camp” nascida nos anos 70 (que teve em Elton John, Slade, Suzy Quatro, alguns dos seus principais cultores) e, do início dos anos 80 as fantochadas pseudo-futuristas dos “novos românticos” (Visage, Spandau Ballet, Classix Nouveau), secundados pelo teatro “gender bender” (Culture Club, Erasure, Frankie Goes To Hollywood), o “glam” pareceia ter deixado definitivamente de ser “in”, fora os escoceses que nunca deixaram de usar saias.
Estava toda a gente sossegada quando, no início de 1992, o alarme soou: a velha guarda “glam” reunia-se e celebrava, no mítico Rodney Club, o Sercond Hemsby ‘70s Glam Rock Weekend Party, com apresentações ao vivo de canastrões como Les McKeowan (Bay City Rollers), Brian Connoly (Sweet), Les Gray (Mud), The Rubettes, Showaddywaddy, Mungo Jerry (autores de “In the Summertime”, uma das piores canções de todos os tempos), Alvin Stardust e a nova banda sueca (mais uma) Rossall and the Gang, que integra nas suas fileiras um antigo membro da Gary Glitter Band.
Não chegou para se poder falar num “glam revival”, mas acontecimentos posteriores fazem temer o pior. Há sempre um lugar garantido para o mau gosto e até o aparecimento de projectos conotados com o “glam” foi um passo. Morrissey, promovido a nova coqueluche norte-americana (graças a “Your Arsenal”, um álbum com a chancela de Ian Hunter, ex-guitarrista dos Spiders from Mars de David Bowie), cobre-se agora de lantejoulas e “kitsch”, em espectáculos tanto ou mais pirosos que os dos seus colegas de há duas décadas. Os Manic Street Preachers vestem-se de noivas e lançam a subversão travestida de “glamour” no “single” “You love us”. Os Silverfish incluem no seu novo álbum “Organ Fan” o tema “Rock On” de David Essex. Novas bandas, como os Cud (de “Asquarius”) e Denim (formada pelo ex-Felt Lawrence), fazem luxo na reciclagem mimética de valores e sonoridades do princípio dos anos 70. E outros mais mundanos, como os Right Said Fred ou os Suede – entretanto, promovidos a banda sensação do ano pelos semanários de música ingleses -, fazem manchete nas publicações de escândalos, seguindo a mesma estratégia que conduziu Bowie ao estrelato duas décadas atrás, isto é, confessando publicamenre a sua bissexualidade.
O teatro volta a ocupar o centro das operações. Mais do que a música impera a atitude e a imagem. Na procura desmesurada da diferença que caracteriza a Babel deste final de século, valem todas as loucuras e provocações. Mas a acumulação e o excesso, destituídos de sentido, retiram-lhes credibilidade. Se, à entrada dos anos 80, Boy George confundia e perturbava as consciências mal ressacadas do “punk” e, passada uma década, Madonna ainda provocava algum choque com a sua mistura sacrílega de crucifixos e orgasmos simulados ao vivo, o certo é que a orgia descambou na apatia generalizada. Bem poderá a autora de “Sex” rapar as sobrancelhas, implantar-se dentes de ouro e fazer poses obscenas que já ninguém liga. Pouco se deverá também esperar dos pobres nostálgicos do brilho artificial que voltam a esticar-se do alto dos seus tacões de 20 centímetros para chamar a atenção. “Glamour” é Marilyn, e Marilyn houve uma e mais nenhuma. Vá lá, duas, contando com Elton John.

Discografia
Cud “Asquarius”
Denim “Back in Denim”
Manic Street Preachers “Generation Terrorists”
Morrissey “Your Arsenal”
Right Said Fred “Up”