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Tavagna – “A Capella” + Donnisulana -“Per Agata” + Baron Samedi Percussions & Chants D’Ukraine – “Diakouyou”

pop rock >> quarta-feira, 29.09.1993
WORLD

Pedra, seta, fogo. Um gesto e um gosto. A Silex é uma editora francesa de música tradicional, linha dura, que em paralelo, edita a série “Musique française d’ aujourd’hui”. A partir de agora disponível em Portugal, com distribuição da Etnia. Música sem concessões que busca os tesouros incrustados nas camadas mais profundas da herança étnica mas igualmente capaz de se aventurar pelos caminhos da modernidade. Fogos maiores, acenderam-nos Riccardo Tesi e Patrick Vaillant (“Véranda”) e La Chavannée (“Cotillon”), aqui venerados há duas semanas atrás. Segue-se parte do muito que fica por escolher.


POLIFONIAS



TAVAGNA / A Capella (6)
DONNISULANA / Per Agata (7)
BARON SAMEDI PERCUSSIONS & CHANTS D’UKRAINE / Diakouyou (8)


Vozes em concordância. “A capella”, a sós e em privado, as da Córsega. Por homens e mulheres, em separado, que a tradição não permite (ainda) o acasalamento das vozes de sexo diferente. Os Tavagna representam o lado escuro, trágico, da alma corsa, presente no estilo tradicional “paghjella” (ver entrevista com Francis Marcantei no suplemento “POP ROCK” da semana passada). Vozes masculinas transportando pelos séculos a tristeza (mesmo quando estão alegres) e a solenidade, irmãs das do “cante” alentejano. Vozes que, como as do “cante”, podem aborrecer um pouco se ouvidas durante um período de tempo mais prolongado.
As vozes das Donnisulana (aglutinação de “mulher” com “ilha”) suportam um tempo de audição continuada maior. Pioneiras da apropriação do canto corso, por tradição um feudo masculino (ver entrevista citada), elas ousaram, por oposição à cópia, colorir a polifonia corsa com a sensibilidade e as inflexões próprias do seu sexo. Pela voz de Agata, arquétipo da mulher que se ergue de uma dominação arcaica e canta um novo mundo, maior, mais completo. E labiríntico. Acima da guerra dos sexos, consumou-se a reunião das percussões dos Baron Samedi com as vozes femininas da Ucrânia. Encontraram-se todos há dois anos, numa digressão entre Kiev e Odessa, e desse encontro nasceu o projecto “Diakouyiu”. Vozes que, como as búlgaras, são de mistério ao lado de percussões repetitivas, minimais, por vezes explosivas. Encontro original que é um cruzamento de estímulos, de vozes afinadas, quando “a capella”, com Deus, ou mais presas ao corpo, quando afinadas pelo batimento das peles e dos metais. Fascinante.