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Laurie Anderson + Sérgio Godinho + Bob Dylan – “Estados Unidos Da Ficção”

pop rock >> quarta-feira, 07.07.1993


ESTADOS UNIDOS DA FICÇÃO

“A linguagem é um vírus do espaço.” A frase, da autoris de William Burroughs, é repetida por Laurie Anderson no álbum “Home of the Brave”. Faz sentido. Dizer, dizer tudo. Em sons, imagens e ficções, nos antípodas da linguagem convencional. Disse um dia que “o português é uma língua linda”. Vem a Portugal cantar ao lado de Dylan, sua antítese dialéctica.



Comunicação/incomunicação. Entre humanos e humanos, entre humanos e máquinas, entre máquina e máquinas. “Big Science”. Alquimia do verbo aprisionado na Babel dos infinitos sentidos. A linguagem, no centro da acção. Operação cirúrgica tendo por objectivo a criação do novo homem, enorme de signos, de apêndices tecnológicos, de memória computorizada. O homem arranha-céus, multiforme, sintético, virtual. O “empire state human” que os Human League anunciavam no álbum “Reproduction”. “O superman”, primeiro single de Laurie Anderson, extraído de “Big Science”, oito minutos de hipnose sintética, subiu ao segundo lugar do top de singles no Reino Unido.
A tarefa que Laurie Anderson se propõe levar a cabo parece à partida desmesurada, demasiado grande para poder conter em si uma mensagem minimamente compreensível pelo receptor. Robin Denselov escreveu uma vez na “Observer” que na sua obra “há inúmeros temas mas nenhuns argumentos”. Percebe-se a confusão do articulista e igualmente que não compreendeu a instauração de uma nova ordem semântica que a artista americana empreendeu, nem o significado da frase que encabeça este texto: “A linguagem é um vírus.”
Recuemos ao passado, ao fotograma inicial do filme. Laurie Anderson começou por estudar violino, passando rapidamente para as experiências interdisciplinares que viriam a caracterizar o seu trabalho futuro. Há uma prévia intoxicação de cultura. Laurie escreveu sobre arte nas conceituadas “Art in America” e “Art Form”. Deu aulas no City College de “arquitectura egípcia” e “escultura assíria”. Conta ela que, enquanto passava os “slides” para os alunos, se esquecia dos ensinamentos teóricos, ficando presa no fascínio das imagens e inventando explicações fictícias. A linguagem já então era um vírus. Foi despedida, claro.
Antes ocorrera outro tipo de intoxicação – pelas imagens-paisagens do “mid-west” americano onde viveu e cresceu, entre seus espaços amplos que permitiam o livre voo da imaginação. Laurie imaginava situações e possibilidades de novos ajustamentos da realidade. O sonho. Numa instalação montada em Queens, Nova Iorque, Laurie Anderson ilustrava a tese de que o lugar onde se dorme determina o conteúdo dos sonhos com uma série de cartazes onde era retratada a dormir em diversos locais (um museu, uma praia,,,), juntamente com a descrição do sonho respectivo.
As acções que empreendeu ao longo dos anos 60 e 70 no campo “multimédia” (como uma mesa que tocava música ao toque de um cotovelo, uma das suas primeiras instalações) permitiram-lhe o contacto e a experimentação com diversos materiais de composição: “slides”, escultura, vídeo, cinema, computador, dança, arte gestual, etc. “The Life and Times of Joseph Stalin” representou, em 1978, o resultado global desta abordagem “totalitária” da arte, através de uma experiência audiovisual com 12 horas de duração apresentada na Academia de Música de Brooklyn.
Se “Big Science”, lançado em 1982, é a primeira obra a obter o reconhecimento internacional, em parte devido ao êxito alcançado pelo single “O superman”, revelando uma artista madura (Laurie Anderson contava já nessa altura 32 anos), é na obra descomunal “United States” que se entrecruzam e entrechocam as referências mais importantes do seu trabalho. De excesso em excesso, em cinco álbuns (mais tarde reeditados em quatro compactos), divididos em 76 secções e subordinados aos tópicos “transportes”, “política”, “dinheiro” e “amor”, “United States” é o retrato pluridimensional, “sociológico”, nas palavras da autora, complementar ao posterior “Empty Spaces”, este “psicológico”, onde efectivamente nos podemos perder, defendendo-nos com o tal argumento dos “inúmeros temas e nenhuns argumentos”. Procure-se aqui a ordem nova atrás citada, as pistas, simultaneamente verdadeiras e falsas para uma nova compreensão e realinhamento do mundo (vide os Estados Unidos da América). Proeza só ao alcance do super-homem – orednar e sintetizar num discurso coerente tamanha multiplicidade de estímulos e sinais. Informação. Disponível para mil (re)criações do real.
Deus (encarado como mero conceito, logo, a uma palavra) é reduzido a uma imagem entre outras imagens. O verbo divino, dentro desta nova racionalidade, ao mesmo tempo e paradoxalmente aleatória e ordenada (“o computador [o super-homem é o homem-máquina] permite esta enorme rapidez, possibilitando a criação de um ‘patchwork’ visual dos mais variados. Tudo com rapidez e precisão”, disse a artista em entrevista concedida a Katia Canton publicada há três anos no jornal “Expresso”), constitui obviamente apenas uma outra forma de vírus linguístico. O “Fiat lux” criativo transfere-se em exclusivo para o domínio do humano. Deus será afinal o super-homem, como dizia Nietzsche. Único capaz de abarcar e percepcionar a globalidade do sistema. Sem asas, mas da altura do “empire state human”, com a perspectiva aérea, aquela que permite visionar e controlar os movimentos inferiores. Neste aspecto, Laurie Anderson descreve o mesmo quadro que David Byrne (o mapa dos “States” fotografado por satélite na capa de “More Songs about Buildings and Food”) percorre em velocidade e com mais humor.
Implantado o figurino, Laurie Anderson passou a habitar cada novo disco como um jogo de realidade virtual – manipulando imagens, sons, palavras, conceitos, o próprio corpo (a voz, através do “Vocoder”, a amplificação da percussão nas pernas e nos braços ou dos batimentos cardíacos) a seu belo prazer. Em “Mr. Heartbreak”, “Home of the Brave” (com produção de Nile Rogers e a voz de William Burroughs) e “Strange Angels”, este o álbum de inflexão pop onde Laurie canta onde antes apenas declamava. Imagem-paradigma deste novo universo simulado por um “deus ex-maschina”, em que a “realidade” e a “ilusão” se confundem, é aquela dada a “ver” num dos seus espectáculos, na canção “White lillies”, de “Home of the Brave”: o computador cria no espaço um lírio branco, electrónico, que fica suspenso no ar. Laurie Anderson debruça-se e apanha-o com a mão.
LAURIE ANDERSON
(COM BOB DYLAN E SÉRGIO GODINHO)
DIA 13, ESTÁDIO DO RESTELO

Banda Do Casaco – “Revolução Do Casaco Está Na Ordem Do Dia” (entrevista)

pop rock >> quarta-feira, 30.06.1993


REVOLUÇÃO DO CASACO ESTÁ NA ORDEM DO DIA

Em dez anos, entre 1974 e 1984, a Banda do Casaco gravou sete álbuns de originais. A música portuguesa nem antes nem depois teve alguém que conseguisse fazer o que eles fizeram: juntar as raízes tradicionais, o humor anarquizante e a inovação formal. De “Benefício dos Vendidos no Reino dos Bonifácios” ao derradeiro “Banda do Casaco e Ti Chitas”, passando por aquele que foi um dos discos verdadeiramente revolucionários da chamada “música popular portuguesa” – “Coisas do Arco da Velha” -, sempre fizeram questão em ser diferentes. Volvidos quase vinte anos, cinco dos seus principais músicos reuniram-se para falar da reedição próxima, em compacto, da obra completa. E, porque não, de futuras guerrilhas colectivas.

Nuno Rodrigues, António Pinho, Carlos Zíngaro, Celso de Carvalho e Né Ladeiras aceitaram



reunir-se no PÚBLICO para falarem do passado e do futuro da Banda do Casaco. Entre o projecto de reedição de todos os álbuns e a hipótese de gravação de versões “hard core” dos Resistência, nada escapou ao comentário jocoso e a ao gosto de chocar. Ontem como hoje, as pessoas que passaram pelo grupo ocupam um lugar à parte. Na música e na maneira de ser. Talvez por isso se possa entender agora melhor, à distância, aquilo que durante dez anos andaram a tocar e a dizer.
PÚBLICO – Afinal, como é que a Banda do Casaco começou?
ANTÓNIO PINHO – O Nuno quis falar comigo um dia, conhecia-me de nome (se me conhecesse pessoalmente, nunca me teria telefonado…) para me fazer uma proposta de trabalho. Reunimo-nos na casa dele, foi assim que nasceu o primeiro disco. Depois, quando tivemos esse disco na mão, pensámos: “Isto agora não vale nada se não vier alguém para tocar decentemente.” Ele lembrou-se do Zíngaro e do Celso, eu lembrei-me de pessoas que tinham trabalhado comigo na Filarmónica Fraude.
P. – Houve, no início do projecto, alguma orientação pré-definida?
A.P. – Na altura, a única coisa em que pensávamos era em fazer música. Estávamos todos descontentes com o que se fazia na altura (aliás, pessoalmente, continuo descontente com o que se passa hoje). Quisemos fazer coisas que chocassem um bocado com o que se fazia na altura.
P. – Chocara, ao ponto de serem completamente diferentes de tudo o que se fizera antes na música portuguesa. Mas o mais curioso é que não tiveram sucessores…
A.P. – Não estávamos preocupados se os discos se vendiam, se eram ou não promovidos… Apenas nos interessava o gozo que dava. Às vezes, pergunto-me se hoje, se quiséssemos fazer alguma coisa, se esse espírito conseguiria vir ao de cima outra vez. Só experimentando… Aliás, quando vínhamos a chegar aqui ao jornal, estivemos já a pensar num projecto de fazermos um álbum, não sabemos ainda se triplo ou quádrupulo, de homenagem aos Resistência, com originais deles em versões “hard core”. [risos]
CARLOS ZÍNGARO – O projecto apareceu numa latura em que predominava a canção de intervenção, profundamente politizada, punho erguido, etc. O que se fazia na Banda do Casaco foi encarado por muitos, e de forma errada, como um derivativo, não sério, dessa vertente.
P. – Que senido faz, para vocês, passados 20 anos, uma possível reedição da obra discográfica da Banda do Casaco?
NUNO RODRIGUES – Há pouco, comentava-se que não tinha havido sucessão para a Banda do Casaco. Ora o que acontece é que a maior parte do que fizemos há 20 anos continua totalmente actual, precisamente por causa dessa ausência de seguidores. Houve críticos que disseram que nós éramos uma escola mas nunca se falou do nome dos alunos. Ficámos sem saber se alguém aprendeu alguma coisa. Depois podemos cair num dos paradoxos da nossa riquíssima indústria discográfica, que, ao contrário dos outros países, não aproveitou o “boom” do CD. Não há reedições. Se houver uma reedição da nossa obra, gostaríamos que ela fosse bem feita, com as capas originais e não com um “lettering” de computador qualquer, em várias cores. Até porque as capas são importantes na maneira como reflectiam o comportamento da banda. Quando aparecemos seminus, a apalpar o rabo uns aos outros…
A.P. – … já estávamos a prenunciar o problema da sida. [risos] Mas não é estranho que se reedite a Banda do Casaco. Estranho é que ela não se encontre no mercado permanentemente, desde que desapareceu. Mas tem que se fazer isto de uma forma cuidada. Já ouvi dizer que algumas das editoras que detêm os direitos dos discos [entre elas, a Polygram e EMI-Valentim de Carvaljo] não fizeram arquivos de capas, duvido mesmo que algumas delas tenham arquivos de fitas… Isto mostra como, na ind´+ustria discográfica portuguesa, é maltratado o fundo de catálogo. Com o advento do CD, têm-se cometido as maiores barbaridades. Se as editoras se vão permitir fazer essas reedições à nossa revelia, com as capas abandalhadas, só temos uma defesa: é considerarmos isso publicamente uma vigarice e denunciá.la.
P. – Será possível acontecer a ressurreição da Banda do Casaco?
A.P. – Essas coisas não se podem programar. É preciso ter muita cautela, estamos no ano dos dinossauros, é a Faculdade de Ciências, o “Jurassic Park” e o Spielberg… Não me quero envolver nesta molhada e ouvir dizer “Olha, lá v~em aqueles dinossauros outra vez”. Vinte anos na música equivalem aos 60 milhões de anos dos dinossauros. Mas tenho a certeza de que as cinco pessoas que estão aqui eram capazes de se juntar e de fazer, de novo, alguma coisa verdadeiramente revolucionária.
P. – Só com as mesmas pessoas? A banda sempre teve a fama de elitista…
A.P. – Era reservado o direito de admissão.

Tácticas De Choque

P. – Enquanto durou, a Banda do Casaco teve arte e engenho para chocar as pessoas. Não receiam que, passados todos estes anos, essa componente passe despercebida ou que seja encarada como mera curiosidade, na obra discográfica?
N.R. – Sociologicamente, este país é uma aberração, o comportamento das pessoas é aberrante. Há 20 anos, só havia ou pirosos ou revolucionários. Agora, há os grupos que enchem estádios e os pirosos. É uma aberração. Confunde-se os grupos de sucesso com os representantes da boa música portuguesa. Por isso, brincávamos há bocado com os Resistência, um mau exemplo daquilo que pode ser feito em qualquer sítio do mundo.
A.P. – Eu tiro o chapéu e aplaudo. O que me parece errado é que a crítica deste país embarque nisto. As pessoas embarcaram como se aquilo viesse mudar alguma coisa na música portuguesa. Há um bom comportamento instituído na moderna música portuguesa que me chateia um bocado. Se calhar, a reedição da Banda do Casaco, se fosse feita com grandes parangonas e campanhas de televisão, com os vídeos que fizemos, teria o mesmo resultado. Os vídeos ainda hoje iriam chocar muita gente… Lembro-me de uma vez, na televisão, em que “matámos” o Tó Pinheiro da Silva, que fazia o papel do sindicalista, e ele permaneceu “morto” durante toda a entrevista. Se fosse a Sinead O’ Connor a cantar tradicionais da Irlanda de cabelo rapado, com umas botas “punk”, a crítica aplaudiria, pela irreverência. O português não pode fazer isso porque somos um país de brandos costumes.
N.R. – Na altura, as pessoas pensavam que éramos comunistas. Hoje, o grave na nossa sociedade é que as pessoas não se chocam – e porquê? Porque estão demasiado evoluídas ao ponto de não se chocarem? Ou porque não têm bases nenhumas para se chocarem? Penso que seja isto, que as pessoas têm hoje menos bases. Uma das minhas filhas tem 13 anos. Não posso ligar a televisão, não por causa dos filmes pornográficos mas por causa dos atrasados mentais que lá aparecem. Por exemplo, uma imagem da Assembleia [da República]: o que é que eu vou dizer? Meu filho, tenta estudar para te tornares um burgesso como aquele deputado, que está ali apenas por se ter inscrito na merda de um partido qualquer. Neste momento, vamos bater em quê? Não vale a pena andar aos tiros à direita e à esquerda, isto é, anarquicamente.



DISCOGRAFIA
1974 – Do Benefício dos Vendidos no Reino dos Bonifácios *
1976 – Coisas do Arco da Velha *
1977 – Hoje Há Conquilhas, Amanhã Não Sabemos **
1978 – Contos da Barbearia ***
1981 – No Jardim da Celeste ***
1982 – Também Eu ***
1984 – Banda do Casaco e Ti Chitas ****

* Direitos da Polygram
** Direitos de Nuno Rodrigues e António Pinho
*** Direitos da EMI-Valentim de Carvalho
**** Direitos da CNM

Grupo De Gaiteiros De Lisboa – “O Prazer Do Som”

pop rock >> quarta-feira, 14.04.1993

Grupo De Gaiteiros De Lisboa
O PRAZER DO SOM

Sem a preocupação de acertar numa fórmula, o Grupo de Gaiteiros de Lisboa prefere o prazer de tocar e o gozo que retira do som propriamente dito. Das gaitas-de-foles, percussões, flautas e de uma sanfona. A tradição é algo mais profundo e divertido do que alguns, em Portugal, podem julgar.



Três dos músicos da actual formação têm um currículo lavrado com distinção. Paulo Marinho é o gaiteiro dos Sétima Legião, com os quais brilhou no recente Festival Intercéltico. Carlos Guerreiro vem do GAC, tocou com José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho e Rui Veloso, no “Auto da Pimenta”, “indivíduos com uma forma própria de encarar a música popular portuguesa e de a trabalhar”. Com eles aprendeu que esta música “não é uma coisa tão intocável” como nos tempos do GAC e da devoção às recolhas de Giacometti, quando a preocupação era “fazer igualzinho ao que fazia o povo”, sem tocar nesse “património inexpugnável”. Hoje Carlos Guerreiro procura “sons novos”, sem contudo “perder o respeito pelas raízes”. É um dos poucos músicos portugueses tocadores de sanfona. Ele próprio construiu a sua.
Rui Vaz esteve igualmente ligado ao GAC. Durante 12 anos assumiu a direcção artística do grupo vocal feminino Cramol. Integrou os Bago de Milho, banda formada nos tempos da MPP, da qual circula ainda uma cassete de mão em mão, com música do que seria a sua estreia discográfica, nunca concretizada. Hoje Rui Vaz dá mais importância ao canto. José Mário Branco não o costuma dispensar para fazer os apoios vocais nas suas actuações. Também ele tocador de gaita-de-foles (ouçam-no no álbum “Monte da Lua”, dos Romanças), insiste em que o termo “gaita” se aplica a uma quantidade mais lata de instrumentos de sopro: “Gaitas há muitas, não são só as de foles.” Os diversos tipos de flauta que toca no grupo, por exemplo. Concorda com Carlos Guerreiro quando diz que, “se uma pessoa tentar repetir o que o povo faz ou fazia, entra em paranoia completa. É impossível”. Para Rui Vaz, “quanto mais se conhece a música tradicional, mais se sabe que ela depende de factores não realizáveis noutro contexto”. Então, “o melhor é assumir isso e fazer a coisa como a gente gosta, de acordo com a nossa cultura e a nossa vivência”.
Francisco Bouxo, outro gaiteiro, é o mais novo da banda. Nascido em Portugal, filho de pais galegos, faz parte, juntamente com Paulo Marinho, do grupo de dança Anaquinhos, do Centro Galego de Lisboa. Por enquanto, contenta-se com o gosto que lhe dá tocar gaita-de-foles.

“É Orgiástico!”

O nome do grupo prende-se com a sua primeira fase, então constituído pelo Paulo, o Francisco e um terceiro gaiteiro, Nuno Cristo, que entretanto abandonou. “O grupo surgiu em 1991 com um objectivo específico: fazer trabalho de rua, com gaita-de-foles e percussões” – diz Paulo Marinho. Com a entrada de Carlos Guerreiro deu-se a mudança de reportório – temas tradicionais portugueses e galegos, um dos La Bamboche, um “saltarelo” medieval, danças da Bretanha, uma adaptação do “São João”, por sua vez adaptado por Fernando Lopes-Graça… “Encontra-se na música tradicional portuguesa muita coisa que provavelmente se faria na Idade Média e no Renascimento, que tem a ver com os instrumentos de sopro”, garante Carlos Guerreiro.
Insistem em ser diferentes pelo som. “A sonoridade de qualquer grupo de música popular portuguesa, neste momento, salvando honrosas excepções, estagnou um bocado. São as braguesas, são os cavaquinhos, são os bombos, são aqueles sons quadrados…”, diz Carlos Guerreiro. “Hoje em dia é muito fácil juntarem-se alguns bancários e respectivas esposas e fazerem um grupo qualquer…” E continua: “É pena, porque temos uma riqueza de instrumentos neste país que vai desde os instrumentos de corda aos de sopro, flautas, ocarinas… é possível procurar outro som, outras harmonias, e bricar com eles.”
Para o Grupo de Gaiteiros de Lisboa importa, como diz Rui Vaz, “fazer música sem complexos de saber se estamos nesta ou naquela via”, assim como a relação física com os instrumentos e, acima de tudo, o gozo de tocar. “Quando a música afina, é orgiástico!”, exclama Carlos Guerreiro.
Quem quiser tirar a prova, pode ir aos Açores, escutá-los ao vivo na ilha de São Jorge, no próximo dia 25, onde vão actuar, integrados nos Festival da Sexta Semana Cultural da Cidade das Velas.