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Beautiful People – “If 60’s Were 90’s”

pop rock >> quarta-feira >> 19.05.1993


Beautiful People
If 60’s Were 90’s
CD Castle, distri. Megamúsica



Esqueça-se a capa, o título, o nome da banda e o “lettering” (deliberadamente?) pirosos. Com “If 60’s were 90’s”, os Beautiful People fizeram o novo disco de Jimi Hendrix. Confusos? É caso para tal. A ideia desta banda desconhecida nem sequer é muito original, mas resultou. Para os Beautiful People, o final dos anos 80, o “acid houde”, as festas e as roupas coloridas não passaram de uma réplica dos anos 60 e do psicadelismo. E Jimi Hendrix é o seu ídolo. Ocorreu-lhes então samplar a guitarra e as vozes do mestre, dos temas mais conhecidos e algums raridades, acrescentar-lhes uma batida electrónica, mais um baixo e umas guitarras, e arranjar títulos novos para as canções. Que acabam por soar de facto a novas canções do guitarrista negro, imaginando que este as faria assim se fosse vivo nos anos 90. Um gráfico assinala as “pilhagens” efectuadas caso a caso, entre as quais se contam a gravação de uma festa, com Frank Zappa metido no meio dos convidados, a cantar “Lucy in the sky with diamonds”, e apresentações de concertos ao vivo, num jogo de espelhos que, não sem alguma surpresa, funciona em termos de coerência e ainda por cima tem piada. O próprio Hendrix escrevera, premonitoriamente, um tema intitulado “If 6 was 9”. Os Beautiful People limitaram-se a agarrar a “deixa”. (6)

Liza Minnelli – “Uma Americana Em Nova Iorque”

rádio e televisão >> sexta-feira, 01.01.1993


Uma Americana Em Nova Iorque



A RTP apresenta, hoje à noite, no canal 2, um programa com Liza Minnelli, de genérico “Liza Minnelli no Radio City Hall”. Em princípio, pelo menos. Sabe-se como a nossa televisão gosta de surpresas. É uma televisão moderna com opções vanguardistas. Por exemplo: na terça-feira, tinha sido anunciado o espectáculo de Maria Bethânia no Coliseu dos Recreios. Saíram tangos argentinos. Para hoje à noite, a expectativa é grande. Será um “thriller”? Um especial de luta americana? Rua Sésamo? Uma cassete (“miam”) da “Penthouse” metida por mão marota?
Por estas e por outras, amamos a RTP, pelo cuidado que tem sempre em oferecer o imprevisto a horas improváveis. Mas vamos fazer de conta, só pela piada, e acreditar que esta noite haverá mesmo Liza Minnelli.
Ela é conhecida sobretudo por ser filha de Judy Garland e Vicente Minnelli, pelas suas interpretações em “Cabaret”, de Bob Fosse, e mais tarde em “New York, New York” de Martin Scorsese, por ser um bocado parecida com a mãe e pelas pernas. Sem esquecer que fez uma cura de desintoxicação e nunca mais snifou pó de talco nem tocou numa garrafa de Seven up. Liza é boa actriz e tem boa voz, facetas que sintetizou de forma exemplar no tema musical do filme se Scorsese.
Gravou uma série de álbuns que valem mais pela voz do que pela música propriamente dita, entre os quais “Flora, the Red Menace” (1965) e “The Act” (1977), que lhe valeram a atribuição do prémio Tony, “Liza! Liza!” (1964), “Liza with a ‘Z’” (1972), “New Feelin’” e “The Singer” (ambos de 1973) e o mais recente, “Tropical Nights”, em colaboração com os Pet Shop Boys.
No hipotético programa de hoje à noite, vamos poder escutá-la em canções como “So what”, “Sara Lee”, “There is a time”, “Quiet love” e, claro, “Theme from New York New York”. Nunca nos sai da cabeça aquela imagem dela, em “Cabaret”, de chapéu de coco, maquilhagem de boneca e perna desnuda, levantada sobre o encosto da cadeira. Escolhemos outra fotografia, mais pudica, que realça o perfil do rosto e as sobrancelhas. Não conseguimos ser tão ousados como a RTP.
Canal 1, às 00h10

Space – “Space”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 26 SETEMBRO 1990 >> Videodiscos >> Pop


SPACE
Space
LP e CD, Space, import. Contraverso



Ao ler-se a ficha técnica, não se pode dizer que haja falta de espaço. O espaço em questão é ocupado pela mesma dupla que dá pelo nome de KLF, ideia de Jimmy Cauty e Bill Drummond, destinada a anestesiar os habituais frequentadores das pistas de dança, e colocá-los em órbita de seguida. Se em “Chill Out”, dos KLF, era a Natureza que piava, mugia, balia e produzia outros ruídos bucólicos suscetíveis de acalmar os ânimos mais exaltados e levar ao Nirvana aqueles propensos às grandes contemplações metafísicas, em “Space” é o grande salto para as imensidões siderais. Holografia dos espaços cósmicos, de densidade quase nula, pontuada por farrapos de música enviados via rádio, como se a Terra ficasse a anos-luz de distância. Vozes longínquas, contagens decrescentes, crescendo de foguetões preparando-se para desafiar o infinito. Astronautas suspensos no vazio. A pulsação de corações angustiados diante da eternidade.
Música espectral, infiltrando-se no cérebro de quem vive já uma realidade alternativa, à maneira dos enredos de Philip K. Dick. Música que recupera o sinfonismo aberto ao Cosmos dos percursores Tangerine Dream (de “Phaedra” e “Rubycon”), Vangelis (“Albedo 0.30”) e Brian Eno (“Apollo Atmospheres & Soundtracks”), para lhe inverter o sentido. O espaço transforma-se em alucinação. Entre a consciência e o mundo exterior, um ecrã de imagens refletidas. Recebem-se sinais, ecos de ecos de uma realidade fragmentada e fantasmática. No final do primeiro lado, uma voz líquida, excessivamente cândida, entoa o “Twinkle, Twinkle, Little Star”, do mesmo modo sobrenatural e perverso que Julee Cruise, nas escuridões luminosas de “Floating into the Night”.
Do outro lado de um disco em que o ritmo se limita à batida deliberadamente fria e mecânica dos sequenciadores, sugerem-se cadências vagamente dançáveis, como se ao corpo fosse possível agitar-se à gravidade-zero. No final, o lento retorno ao planeta, o som de gaivotas e do mar. Para os Space o espaço é um lugar triste e gelado onde flutuam almas perdidas. Como o inferno.