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Osso Exótico – “Osso Exótico”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 19 SETEMBRO 1990 >> Videodiscos >> Pop


OSSO EXÓTICO
Osso Exótico
LP, Multinational


Este disco foi “recorded in a testing room of the Geotechnical Department by the occasion of the advanced study institute on rockfill structures organized by NATO and sponsored by Laboratório de Engenharia Civil with the participation of scientists of nineteen countries”, Segundo vem escrito na capa. O texto em questão, “in english” porque há hipóteses do osso ser distribuído no estrangeiro pela Recommended Records, suscita de imediato várias considerações. Dá-se a ênfase ao aspeto científico, rodeando o objeto de uma aura vagamente ameaçadora. Completa-se o efeito com a série de fotografias impressas na parte de dentro: interiores de laboratórios desertos, maquinismos suspeitos, embalagens contendo sabe-se lá que infernais venenos. No lado de fora são só pedras. Toda a apresentação remete para a estética habitual dos Zoviet France, grupo com o qual os Osso Exótico partilham determinados pressupostos: a tentativa de criação de sonoridades rituais, construídas a partir de um aproximação à “música industrial”, de acordo com os métodos e propósitos enunciados há mais de dez anos pelos Throbbing Gristle; a experimentação com determinadas frequências sonoras, indutoras de estados físicos e psíquicos particulares, um pouco à maneira dos Hafler Trio. Os dois conceitos são complementares.
Constituem o grupo António Forte, David e André Maranha e Bernardo Devlin, em atividades subversivas, divididas entre a manipulação de sintetizadores e “samplers”, a tortura de guitarras, os batuques metálicos e as contorções das vozes, estas denotando ou um grande sofrimento ou vociferando ameaças veladas, sem que se consiga perceber os termos exatos das mesmas, como é de bom tom neste tipo de música. Vítor Rua, dos Telectu, dá uma ajuda nos sistemas de produção eletrónica. A intenção geral é meter medo, de forma ambígua, apelando para imagens desfocadas e sonoridades de pesadelo. O primeiro lado preenche-se com um único tema: “Osso exótico”, sombrio, pesado, esmagando sem remédio quem pudesse aspirar a um resquício de melodia. Do outro lado, mais três temas, onde para além das monstruosidades sonoras, prevalecem as citadas vozes, ora invectivando a raça humana em geral ora entoando cânticos litúrgicos em louvor ao demónio.
O problema maior que aqui se levanta, para além das considerações morais que tal discurso musical não pode deixar de acarretar, diz respeito à sua originalidade, posta exclusivamente em termos artísticos. No caso dos Osso Exótico, fica a dúvida se pretendem avançar num caminho até aqui ignorado pelos novos músicos portugueses, mas já inflacionado nas cenas alternativas europeia e americana, ou se se aproveitam desse facto, limitando-se a copiar modelos alheios (neste caso demasiado óbvios), procurando deste modo passar por inovadores. Para um ouvinte desconhecedor, este disco funcionará decerto, utilizando uma imagem cara ao grupo, como uma autêntica “pedrada”. Para aqueles já viciados na prática masoquista da audição destes “exercícios em negro”, é uma pera doce.

Brian Eno – “O Que Faz Falta… – Enovisões”

QUARTA-FEIRA, 7 MARÇO 1990 VIDEODISCOS
Notícias


O que faz falta…

ENOVISÕES


O panorama editorial das vídeo-cassetes musicais é, entre nós, confrangedor. O amante da imagem gravada e da boa música, cujos gostos vão além dos Queen, Pink Floyd, Supertramp ou Phil Collins, pouco ou nada encontrará no mercado que satisfaça as suas apetências estéticas.
Para além de registos de concertos com grupos de “top” ou de coletâneas de “clips” com objetivos exclusivamente promocionais, é a desolação. Da multiplicidade de novas e sofisticadas propostas audiovisuais que vão surgindo por essa Europa fora, nada nos chega e quase ninguém se interessa. Faz imensa falta, por exemplo, conhecer e ter acesso ao trabalho em vídeo de um senhor chamado Brian Eno e muito concretamente às cassetes da sua autoria, “Thursday Afternoon” e “Mistaken Memories”.
As imagens filmadas pelo mestre da “discreet music” chocam com os hábitos e preconceitos das atuais estratégias editoriais. Em vez de montagens ultrafrenéticas, Eno devolve-nos o silêncio e ensina-nos a saber de novo olhar. Nas suas obras, os sons e as imagens fluem com a lentidão da eternidade. À segmentação do tempo, contrapõe a sua distensão até aos limites da quase imobilidade.
A objetiva eleva-se acima dos arranha-céus de Nova Iorque, filmando a passagem das nuvens e da luz que assombram o caos dos níveis inferiores. As imagens e os sons deslizam lentamente. Não contam nenhuma história senão a do nosso filme fantasmático. “Thursday Afternoon” e “Mistaken Memories” provam, de forma radical, que a vídeo-arte permanece aberta a novos códigos.
Registe-se ainda que ambas as cassetes apresentam o formato vertical. A imagem aparece deitada no ecrã, sendo necessário deitar de lado a televisão ou então inclinar lateralmente a cabeça, num ângulo de noventa graus. Tal como Brian Eno, também neste caso a ginástica faz bastante falta.

QUARTA-FEIRA, 7 MARÇO 1990 VIDEODISCOS

Roberto Musci & Giovanni Venosta – “A Noise, A Sound”

pop rock >> quarta-feira, 13.01.1993
FORA DE SÉRIE

ALDEIA GLOBAL


ROBERTO MUSCI & GIOVANNI VENOSTA
A Noise, A Sound
CD Recommended, import. Contraverso



Em música, nem tudo afinal está inventado. Roberto Musci e Giovanni Venosta possuem a faculdade de, a cada novo disco, nos surpreenderem. Com ideias impensáveis e sínteses de elementos recolhidos de toda a parte, como se o universo fosse (e é, de facto) uma fonte inesgotável de sons. “Water Messages on Desert Sand” e “Urban and Tribal Portraits”, os dois trabalhos prévios da dupla (aos quais se poderá juntar o álbum a solo de Musci, “The Loa of Music”), são dois clássicos da música de fusão, no significado mais nobre que o termo pode ter. Musci e Venosta recolhem, cortam, colam, alteram e descontextualizam os sons (todos os sons), manipulando-os de forma a criar o que se poderá classificar de música absoluta – concordância plena da tecnologia com as sonoridades étnicas.
Neste novo álbum, havia a curiosidade de saber se a dupla cederia à tentação de se limitar a reproduzir os mesmos esquemas, que tão bons resultados tinham produzido nas obras atrás citadas. Se é certo que os dois fazem gala em exibir a lista, cada vez mais extensa, das gravações sampladas, a verdade é que tal táctica serve desta vez objectivos diferentes. O próprio conceito de “aldeia musical global” (utilizando uma aproximação ao enunciado de MacLuhan) sofreu desvios e novas enunciações. Onde se poderia esperar uma espécie de “world music” mutante, à imagem dos álbuns prévios, surge em vez disso uma construção mais abstracta, como se os elementos folclóricos utilizados não passassem agora de peças de um novo “puzzle”, ainda mais complexo e apontado a um tipo inteiramente novo de referências. Neste aspecto, “A Noise, A Sound” aproxima-se por vezes da estética de ruído harmonizado dos Biota ou da violência sónica das duas obras capitais (de síntese / mistura / delírio) de Fred Frith, “Gravity” e “Speechless”.
Como tudo o que estes italianos produziram até à data, trata-se de um objecto que reivindica uma sistemática própria, único na forma como idealiza, organiza e reproduz os sons. Desde o primeiro tema, no qual sons de macacos, um jaguar e um clarinete da Amazónia são manipulados pelos “samplers” até soarem a um “blues” dos confins da galáxia. De surpresa em surpresa, avança-se através de um túnel de harmonias bizarras e jogos de contrários, em que nada é o que aparenta ser, jogo de espelhos deformantes, fábrica de realidade fractal, que se auto-reproduz até ao infinito. Actualização plena da mónada primordial que o título refere: um ruído, um som. Música em estado puro. (10)