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John McLaughlin, Al Di Meola e Paco de Lucia – “Lendas das Guitarras” (concerto | antevisão)

pop rock >> quarta-feira >> 26.05.1993


LENDAS DAS GUITARRAS

“Friday Night in San Francisco” registou nos finais dos anos 70 o conjunto de guitarras de John McLaughlin, Al Di Meola e Paco de Lucia. Os três actuaram em espectáculos separados no festival “Lendas da Guitarra”, realizado no ano passado em Sevilha, onde também participou outro guitarrista de nomeada, Vicente Amigo. É este quarteto de “virtuoses” que se vai apresentar no nosso país, aos quais se juntará ainda, na qualidade de convidado, o português Luís Fernando, actual “axeman” da banda de Adelaide Ferreira.
Pioneiro dos cruzamentos jazz-rock, com os Mahavishnu Orchestra, e do jazz com a música indiana, nos Shakti, John McLaughlin é um dos guitarristas que marcaram a música popular deste século. Possuidor de uma técnica espantosa, tanto na guitarra eléctrica como na acústica, fez parte de bandas lendárias dos anos 70 – Graham Bond Organization, Brian Auger’s Trinity, Tony Williams Lifetime – e tocou, entre outros, com Gunter Hampel, John Surman, Jimi Hendrix, Dave Holland, Wayne Shorter, Charlie Haden, Larry Shankar e Carlos Santana. E com Mils Davis, nos clássicos “In s Silent Way” e “Bitches Brew” que ajudaram a inventar uma nova voz para a guitarra. “Extrapolations”, a solo, “The Inner Mounting Time Flame” e “Birds of Fire”, na Mahavishnu Orchestra, perduram como bons exemplos dos tempos em que o jazz buscava alento noutras músicas.
Paco de Lucia e Vivente Amigo representam duas gerações diferentes da guitarra de flamenco. “Monstro sagrado” e autor de obras como “Fantasia Flamenca”, “Fuente e Caldal”, “Almoraine”, o “Concerto de Aranjuez”, de Joaquin Rodrigo, e “Zyriab”, o primeiro, benjamim mas já senhor de muitos dos segredos do “duende flamenco”, o segundo. Os dois já actuaram em Portugal em concertos memoráveis que deram a escutar a vibração e o fogo da alma cigana no contacto com o jazz e com as surpresas da improvisação. Completa este quarteto de luxo Al Di Meola, outrora membro de outra grande banda de jazz-rock, os Return to Forever, de Chick Corea e Stanley Clarke, e argonauta das experimentações electrónicas com o Synclavier.
DIA 25, CAMPO PEQUENO, 22H00

Peter Apfelbaum & The Hieroglyphics Ensemble – “Joyloyji Brightness” + Jai Uttal – “Footprints”

pop rock >> quarta-feira >> 19.05.1993


AS CIFRAS DO SWING

PETER APFELBAUM & THE HIEROGLYPHICS ENSEMBLE
Joyloyji Brightness (9)
CD …, import. Contraverso
JAI UTTAL
Footprints (8)
CD …, import. Contraverso



É quando se está nas tintas para o jazz que surge o melhor jazz. Longe do diferendo que opõe os apologistas da morte desta linguagem aos guardiões da ortodoxia, mais intransigente, Peter Apfelbaum, um “rookie” compositor, saxofonista e teclista cheio de técnica e de talento, assina um álbum notável, onde transporta o idioma e a sensibilidade de um “jazzman” para terrenos em que a surpresa e o convívio com margens que lhe são exteriores acontecem a cada momento, “Jodoji Brightness”, para além de um festival de técnica dos 16 elementos que compõem a banda dos hieróglifos, com destaque para os solistas, prova que o termo “fusão” pode fazer sentido e ajudar o jazz a percorrer a terra de ninguém que actualmente, se diz que atravessa.
A música africana, as ragas indianas e o rock surgem aqui como elementos perfeitamente integrados e assimilados, dando continuação a um trabalho iniciado por Apfelbaum, anteriormente no seio dos Kamikaze Ground Crew e, já com a sua própria banda, em “Signo f Life”. Descendentes em linha indirecta da experiência pioneira dos Art Ensemble of Chicago, os Hieroglyphics Ensemble referem, não tanto a influência, mas a inspiração do saxofonista compositor Jim Pepper e do percussionista William “Beaver” Harris.
Uma vista de olhos por panoramas mais recentes permite encontrar um parentesco nas concepções “free” para “big band” de câmara dos New York Jazz Composers Orchestra. Acima de tudo, a música de Peter Apfelbaum ostenta orgulhosamente algo que o jazz por vezes tende a esquecer: o “swing”, esse senhor que nasce de dentro e transfigura o compasso, cuja presença enfeitiçante numa faixa como “The band that signed the paper” (com um texto de Dylan Thomas) faz o auditor rebolar de prazer. Para quem, pelo contrário, preferir assestar a lupa sobre os pormenores técnicos da execução de Apfelbaum, basta escutar “The glow” e deixar-se derreter nas vagas envolventes do sax tenor.
Jai Uttal figura com alguma discrição na banda do saxofonista. Façamos então incidir o foco de atenção no seu trabalho a solo, “Footprints” (já prolongado num segundo e mais comercial “Monkey”), no qual este norte-americano de origem indiana persegue um outro tipo de ideal: o casamento dos sons urbanos da grande metrópole com a atitude contemplativa e a instrumentação características da Índia tradicional. Deste modo, a guitarra, os “samplers” e sintetizadores conjugam-se com as vocalizações de Lakshmi Shankar, o “dotar”, o “swaramendala”, o “gubgubbi” e outras fontes sonoras de designações coloridas, seja na adaptação para “new music” do tema popular “Raghupati”, seja na beatitude “new age” de “Matzoub” que o trompete de Don Cherry dilacera. O espírito dos Himalaias pairando nos céus da “big apple”.

Heiner Goebbels – “Shadow / Landscape With Argonauts2

pop rock >> quarta-feira >> 19.05.1993


Heiner Goebbels
Shadow / Landscape With Argonauts
CD ECM, distri. Dargil



Heiner Goebbels gravou há alguns anos, na editora ECM, as estranhas aventuras de “Um homem no elevador”, sobre “libreto” do seu habitual colaborador Heiner Müller (que recentemente trabalhou com um dos elementos dos Einsturzende Neubauten, na ópera “Hamplet Maschinen”).
Neste seu novo trabalho, o antigo companheiro do saxofonista Alfred Harth mantém-se fiel ao estilo de “Der Mann im Fahrstuhl”, alternando numa única sequência, separada por indezes, textos declamados (de Heiner Müller e do escritor inglês Edgar Allan Poe), sobre uma base musical acusmática, com temas instrumentais / vocalizados, bastante mais acessíveis que os do elevador.
O assunto gira de novo em torno de um pesadelo, dos muitos que Poe idealizou e que os apontamentos de Müller reenviam, de um contexto simbolista, para uma cacofonia de referências disparadas ao caos da sociedade actual. Curioso, o núcleo de músicos convidados: René Lussier (Conventum, guitarrista-mor canadiano da Recommended e das Ambiances Magnétiques, parceiro habitual de Fred Frith), Charles Hayward (percussionista e conceptualista, This Heat, The Camberwell Now), Christos Govetas, nos sopros, e a cantora árabe Sussan Deihim (das “Desert Equations”, na Made to Measure), cujas inflexões vocais conduzem a música pela trela. Algures entre os mistérios proibidos de “Deadly Weapons” (Beresford, Zorn, etc.) e as gramáticas mais dançáveis de “Sahara Blue” (Hector Zazou) e dos Minimal Compact, estes argonautas da sombra poderiam mesmo assim ter navegado mais longe. (7)