Pop-Rock Quarta-Feira, 23.10.1991
PUBLIC ENEMY
Apocalypse 91… The Enemy Strikes Black
2xLP / CD Def Jam, distri. Sony Music
Em “One Million Bottlebags” Chuck D defende que os afro-americanos bebem álcool marado, restos da produção normal das companhias de brancos, de onde deriva o seu conselho de que, se os negros se querem embebedar, sempre é melhor consumir o mesmo que os brancos. É uma reelaboração da teoria da conspiração racial na qual assenta toda a discografia dos Public Enemy, mas, como esta faixa documenta, “Apocalypse 91” investe na variação de denunciar o demónio branco nos próprios hábitos de vida dos negros, do consumo de álcool à violência belicista. Os PE distanciam-se, assim, da delinquência provocatória e gratuita que os definiu, sobretudo até à saída do Prof. Griff, para se assumirem ainda e sempre de um ponto de vista racial, mas adulto e articulado, cerrando fileiras com a frente didáctica pacifista liderada por KRS-1. Daqui resulta o subalternizar do “disparate” de Flavor Flav, ,a supermacia doutrinária de Chuck D, mas também a maior austeridade musical da parte de Terminator X. Como antes sucedeu com os De La Soul ou os Gang Starr, é o regresso ao rap duro e puro ao longo de um duplo álbum onde a única manobra de diversão é a linha de baixo boogie em “By the time I get to Arizona”. A mudança do insulto para a doutrinação é um bom golpe de “marketing”, embora sem grande sumo iseológico – a teoria segregacionista copofónica, por exemplo, é delirante. Em contrapartida, o retorno à pureza do rap, depois de todo o avanço na frente do ecletismo, é de um aparato e solidez irrepreensíveis, nada se perdendo no peso da compusividade psicológica, da encenação do clima de terror que é a arte superior dos PE. No pior dos casos, “Apocalypse 91” vive da fricção entre a desejada sabedoria doutrinária e a intempérie ainda irracional que lhe serve de modo de expressão. O que, em qualquer caso, é capaz de ser um excelenete reflexo do dilema que atravessa a cultura afro-americana dos anos 90. (7)