Arquivo mensal: Junho 2022

The Who – “Hoje Às 21h25 Na RTP 2 – ‘Tommy’: A Ópera De Quem?”

PÚBLICO SÁBADO, 11 AGOSTO 1990 >> Cultura

Hoje às 21h25 na RTP 2


“Tommy”: a ópera de quem?

A ópera-rock “Tommy”, de Pete Townshend, volta de novo à cena, comemorando o 25º aniversário dos The Who. À semelhança de “The Wall”, de Roger Waters, é a grande atração pelo espetáculo megalómano, celebrando a ressurreição dos dinossauros.



Eles prometem mas não cumprem. Roger Waters afirmara a pés juntos que o caso “The Wall” estava definitivamente encerrado e arquivado. Onze anos depois, em Berlim, foi o que se viu. Que se saiba, Pete Townshend não se mostrou tão radical no renegar do seu herói ceguinho e ás dos “flippers”. Mas foi preciso esperar 21 anos e fracos resultados em termos de vendas discográficas, para que o guitarrista resolvesse também optar pela fórmula “obra magistral – mal compreendida na época – transformada, pelo menos uma década depois, em mega-concerto cheio de artistas amigalhaços convidados, de preferência com Phil Collins, se puder ser”, que tão bons resultados deu com Roger Waters. Que nunca se diga, pois, “desta água não beberei”.

Obra conceptual

“Tommy”, o disco, inaugurou a era das óperas-rock. Nestas, narra-se geralmente a história do herói desvalido a quem a vida não poupou, desde os martírios da infância até ao triunfo final. Seja nos traumas provocados pela educação, pais, instituições, enfim, pela sociedade inteira (como os de Pink, em “The Wall”) ou nas enfermidades físicas. Como nos filmes, há sempre um princípio infeliz, cheio de contrariedades e incompreensões; um “intermezzo” em que o herói luta contra inimigos, consigo próprio e o destino, e finalmente a vitória e os louros de um “happy end” afagador das consciências intranquilas. Tommy é cego, surdo e mudo, mas possui um dom inato: é um génio dos “flippers”, dominando a máquina sem fazer “tilt” e elevado pela concorrência ao estatuto de profeta. Pelo meio aparecem uns vilões para dar sal à narrativa, antes do epílogo feliz. Retenham-se do disco a música e canções que o tempo entronizou em clássicos como “See Me, Feel Me”, “Pinball Wizard” ou “I’m Free”.
Curiosamente, tanto “Tommy” como “The Wall” começaram por ser duplos-álbuns conceptuais, passados para o cinema e editados nos anos derradeiros das respetivas décadas – 1969 e 1979, e finalmente reabilitados este ano, através da realização de mega-concertos.

Desfile de vedetas

Ken Russell pegou na história e a partir dela cozinhou um espetáculo espampanante, pretexto para treinar os habituais exageros visuais e fazer desfilar pela tela um cortejo de celebridades pouco à vontade nas respetivas personagens, como Roger Daltrey (no papel principal), Ann-Margret (a mãe ruim – a propósito, para quando o ensaio sobre o papel da mãe castradora, na geração das estrelas de rock?), Oliver Reed (o padrasto), Elton John (o jogador das botas gigantescas), Eric Clapton, Keith Moon (o lendário e já falecido baterista dos The Who, para quem divertir-se consistia em emborcar quilolitros de álcool misturados com tranquilizantes para cavalo, ou em destruir hotéis), Robert Powell, Tina Turner (a “acid Queen”) e Jack Nicholson.
A história do novo Pinball Wizard volta agora à cena, comemorando os 25 anos do atual trio constituído por Pete Townshend, Roger Daltrey e John Entwistle, num espetáculo com a duração de três horas que conta com a participação de Phil Collins (quem mais?), Billy Idol, Elton John (o único do “cast” original além de Roger Daltrey), Patti LaBelle e Stevie Winwood. Será interpretada a totalidade da ópera-rock, a par de outros êxitos da banda. Prestes a atingir-se o ano 2000, o rock transformou-se na música da terceira idade.

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #33 – “A notícia do dia (Victor Afonso)”

#33 – “A notícia do dia (Victor Afonso)”

Fernando Magalhães
29.10.2001 160431

Ou me engano muito ou não chegaste a ler a crítica que escrevi ao “Oblique Musique” no “Y”! 
Se leste, nenhum comentário? Concordas? Discordas?

Aguarda por um telefonema meu um dia destes, para dizeres de tua justiça numa entrevista a publicar numa das próximas edições do suplemento.

FM

Victor Afonso
29.10.2001 160448

É claro que li, Fernando!

E é claro que concordo com o conteúdo da crítica, afinal, sempre deste nota acima dos 2/10  Gostava era que tivesses escrito algo mais desenvolvido, mais abrangente. Mas tudo bem…

Já agora, desculpa uma inconfidência: quem são os Popular Mechanics?! Juro que não conheço (posso já ter ouvido, mas pelo nome não vou lá).

PS – Estarei à tua disposição quando quiseres para uma conversa.

Fernando Magalhães
29.10.2001 170508

1 – Numa crítica pequena era difícil desenvolver mais, como deves calcular. Mas essa conversa ficará para a entrevista.

2 – Os POPULAR MECHANICS são um dos projectos dos anos 80 do teclista russo SERGEY KURIOKHIN. A relação com KUBIK diz respeito essencialmente a uma das obras-primas da década, com a assinatura POPULAR MECHANICS, o álbum “Insect Culture” (infelizmente desconheço a existência de uma edição em CD).
É um trabalho na área da colagem + electrónica + música russa sem paralelo. Sem samplers mas com uma notável criatividade na manipulação dos loops, Sergey Kuriokhin conseguiu aqui uma obra inclassificável, de síntese perfeita entre as máquinas, spoken word reciclado e lirismo musical. Fabuloso.

FM

Andrew Poppy – “Compositor Heterodoxo Em Entrevista Ao PÚBLICO – Andrew E A Música Poppy” (entrevista)

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 10 AGOSTO 1990 > Cultura


Compositor heterodoxo em entrevista ao PÚBLICO

Andrew e a música Poppy


Andrew Poppy é inglês e pertence a uma nova geração de compositores que, partindo das premissas da escola minimalista, enveredou por vias mais heterodoxas e menos dogmáticas – entre o rock e o clássico. Esteve mais uma vez em Portugal e compôs a banda sonora do filme “Nuvem”, da cineasta Ana Luísa Guimarães.



PÚBLICO – Não é a primeira vez que visita Portugal e que trabalha com cineastas portugueses.
Andrew Poppy – Visito Portugal pela sexta vez. Gosto do país e dos portugueses e, sobretudo, de estabelecer relações de trabalho com pessoas interessantes. Há cinco anos, o realizador de cinema Vítor Gonçalves telefonou-me perguntando se podia utilizar o tema “32 Frames”, do álbum “The Beating of Wings”, no seu filme “Uma Rapariga no Verão”. Acedi.
P. – Tem algum método especial para compor partituras de filmes?
R. – Não tenho um princípio rígido. Uma das coisas que me interessa é a relação entre o som e a imagem, e as diferentes maneiras de trabalhar esta última. No caso de “Meia-Noite” – também de Vítor Gonçalves – tinha vários “bocados” de música gravados em cassette que se adaptavam às imagens. Já em relação a “Nuvem”, de Ana Luísa Guimarães, a música foi composta especialmente para o filme, tendo para tal utilizado dois estilos diferentes: um mais contemporâneo, com uma batida pop dançável, para as partes de maior ação, aquelas em que aparecem os elementos dos “gangs” de rua; outro mais romântico, em que idealizei uma peça com cerca de 12 minutos que se adapta ao tom geral do argumento. Em qualquer dos casos, dei inteira liberdade à realizadora de escolher as partes que quiser.

Lobo minimalista

P. – Incluem-no geralmente no grupo dos minimalistas, ao lado de nomes como Nyman, Glass ou Reich. Concorda com esta classificação?
R. – Eu e os músicos que referiu pertencemos a gerações diferentes. Temos em comum apenas a utilização de técnicas designadas como “repetitivas”. Nos finais da década de 70, toquei peças de Reich e Glass, com os Lost Jockey. Gosto bastante da música de Glass, atualmente transformada em moda.
P. – É verdade que trabalhou com os Psychic TV, preocupados com assuntos como a manipulação mental e a magia negra?
R. – Trabalho em projetos com os quais tenho diferentes graus de identificação. Colaborei com os Psychic TV por volta de 1982, mas não tenho nada de comum com Genesis P. Orridge. Gosto de algumas das suas colagens, em termos visuais, mas não nutro qualquer interesse pela sua música.
P. – Em “The Beating of Wings”, um dos temas intitula-se “The Object is a Hungry Wolf”. Pode especificar do que se trata?
R. – De certo modo o lobo sou seu. Só o título dava para um debate interminável, que do ponto de vista jornalístico soaria pretensioso. Tudo parte do trabalho de John Cage, do seu conceito de música considerada como um objeto e da tentativa de minar o facto de ela ser considerada como tal. Nesse tema, procuro situar a minha música e a dos minimalistas sediados em Nova Iorque, que se têm progressivamente afastado das visões extremistas e utópicas de Cage. É um músico que me influenciou bastante. Vejo na sua obra um “corpo de trabalho intelectual”, perfeitamente coerente.
P. – Na contracapa de “The Beating of Wings” pode ler-se: “A tarefa tradicional do profeta é denunciar os sistemas de vida e de poder que negam a liberdade da carne e da imaginação”. Quer comentar?
R. – A citação não é minha. Refere-se a Paul Morley, da ZTT, e aparece em todos os discos da editora. Penso que é um pouco pretensioso mas ele não quis retirá-la. Não sou nenhum profeta! Esse tipo de convencimento é uma fraude. Se as pessoas ouvirem a música e gostarem, tudo bem.
P. – Por que razão convidou a cantora Annette Peacock para participar no álbum “Alphabed (a Mystery dance)”?
R. – Admiro o seu trabalho. O seu carisma, modo de interpretação, entoação, sensualidade são muito especiais, ligando muito bem com a voz masculina que também aparece no tema.

A força da palavra

P. – A propósito desse tema: quem é o misterioso Sr. G?
R. – Gosto de jogar com o léxico (“The Beating of Wings” = “The Cheating of Things”, “Alphabed” = “Alphabet”…). A minha música pode considerar-se um jogo na medida em que trata de permutas, de interações, não no sentido pejorativo do termo “game” (brincadeira).
P. – Tem projetos para a gravação de um terceiro álbum? O que se passa com a anunciada composição “Songs of the Clay People”.
R. – A peça que refere está um pouco posta de parte. Foi acrescentada com mais música e texto, mas não tem ainda forma definitiva. Compus uma ópera que faz parte de uma série encomendada mas, de momento, não tenho planos para a gravar. Há outras peças escritas em diversos estilos que quero retrabalhar, de modo a sintetizá-las numa espécie de “concerto”. Para já, não me encontro ligado a qualquer editora. As companhias de discos não se querem envolver com o que não dá dinheiro e essa parece ser a sua única finalidade. No meu caso, tem sido difícil convencê-las de que a minha música é comercialmente viável. Com a ZTT foi diferente, tinha um estatuto especial. Não me preocupava o facto de ser apresentado ao lado dos Frankie Goes to Hollywood. Acho até divertido que considerem a minha música “poppy”.