cultura >> segunda-feira, 27.09.1993
Festival “Sete Sóis, Sete Luas” Terminou Ontem No Alentejo
Música Intercidades
Os grandes concertos acontecem quando e onde menos se espera. Aconteceu um, em Montemor-o-Novo. Pelo trio de Riccardo Tesi, acordeonista da Toscânia cujo “organetto” fez num ápice desaparecer todas as fronteiras. Num dos concertos integrados no festival “Sete Sóis, Sete Luas” que ontem terminou em Évora e Estremoz.
Estariam reunidas cerca de quatrocentas, quinhentas pessoas, não mais, no pequeno ajuntamento que se formou no largo dos Paços do Concelho, em Montemor-o-Novo, para escutar a música duns italianos de que quase ninguém teria ouvido falar. É uma realidade: Riccardo Tesi, um “virtuose” do “organetto”, como chamam em Itália ao acordeão, está pouco divulgado no nosso país. Dois dos seus discos passaram entretanto a ter distribuição em Portugal – “Il Ballo della Lepre” e “Véranda”, este na companhia do badolinista francês Patrick Vaillant (ambos já com crítica publicada no suplemento “Poprock” deste jornal), o que fez aumentar a expectativa em relação aos espectáculos ao vivo.
Tesi não deixou os créditos por mãos alheias. Ele, com Ettore Bonafé, no vibrafone e percussões, e Mauroizio Geri, guitarra e voz, assinaram um desempenho notável que mostrou por que razão a música de raiz tradicional é hoje uma corrente viva entre os sons do mundo. Partindo de uma base tradicional onde avultam os “saltarelos” e as “tarantelas” (em Montemor juntaram-se-lhes um “perigordino”, uma polca e uma mazurka) da Itália do centro, Tesi e seus dois companheiros paratiram à descoberta de outros registos, por alamedas que amiúde desaguaram no “jazz”, na fluência e nas desmultiplicações rítmicas. Tesi é fabuloso, mãos rápidas como o vento sem que essa agilidade implique o sacrifício da precisão. Bonafé mostrou, no vibrafone, ser um portento de “swing” e exímio marcador de tempos. Inesquecível a curta improvisação que rubricou a meio de “Saltarello per Eugenio”, em pura levitação sobre o compasso, evidenciando uma assimilação perfeita do legado deixado por uma linhagem nobre que vai de Lionel Hampton a Gary Burton. A Maurizio Nero, vocalista competente, coube tecer as malhas do contraponto, tarefa que desempenhou com correcção e uma fluidez de fraseado que recordaram o estilo de Django Reinjardt.
Mas mais do que as prestações individuais, a música valeu como um todo. Uma música vibrante e actual que ilustrou e concretizou de modo exemplar um dos objectivos traçados pelo festival “Sete Sóis, Sete Luas”, organização conjunta do grupo teatral Immagini, de Pontedera, e a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo: fortalecer o intercâmbio cultural entre duas regiões que acreditam ter algo em comum e para dizer uma à outra, ao ponto de estar já em marcha o processo de geminação entre ambas.
“Sete Sóis, Sete Luas” é um projecto em fase de consolidação que teve o ponto de partida o ano passado, através de uma “semana alentejana” que decorreu em vários municípios italianos, com actuações do Rancho Etnográfico de Montemor-o-Novo, bem como mostras de gastronomia e a realização de exposições e, já este ano, prosseguiu com espectáculos de Carlos Paredes em várias localidades da Toscânia.
Projecto com pernas para andar que, segundo Marco Abbondanza, um dos organizadores italianos da iniciativa “nasceu na âmbito cultural mas pretende também actuar nas áreas social e económica”. Confluência dos astros no céu do Alentejo, terra com “uma identidade cultural forte” – como Marco Abbondanza reconhece – “algo que em Itália já se vai perdendo”.