Cultura >> Sábado, 05.12.1992
Concerto
Resistência Industrial No Porto De Lisboa
Algo se perdeu pelo caminho dos Resistência, entre o conceito inicial de valorização das palavras e o concerto que a banda realizou na noite de sexta-feira no armazém 22 do porto de Lisboa. Se antes a mensagem era o principal, pelo menos na noite de anteontem deixou de sê-lo. O armazém 22 é uma espécie de hangar monstruoso, todo em metal escuro iluminado a “néon”, luz de morgue – catedral da indústria, ou da angústica – e quase se encheu de milhares de pessoas reunidas para um qualquer ritual de subversão. O ambiente ideal para bandas como os Test Dept. ou os Einsturzende Neubauten fazerem ribombar os seus bidões e zunir as suas serras eléctricas mas que aos Resistência serviu para tornar inaudíveis as subtilezas das guitarras e incompreensíveis o significado das palavras das canções dos álbuns “Resistência” e do recente “Mano a Mano”.
Depois, para quem preza essas mesmas palavras, não deixa de causar uma certa surpresa a crescente importância concedida pela banda aos instrumentais que vão desde espanholadas com um cheirinho a Júlio Pereira até incursões num jazz/rock despropositado como aconteceu no tema “Finisterra” composto por Dudas.
Os Resistência sentiram talvez que terá chegado o momento do “grande salto”, como aconteceu recentemente com os GNR. O “grande salto” consiste na passagem dos recintos pequenos e médios para a imensidão dos estádios. No armazém 22, a banda de Pedro Ayres e companhia limitada deve ter feito o último ensaio geral antes do banho de multidão. Até foram instalados dois ecrãs de imagem mal focada, um de cada lado, de modo a mostrar a fotogenia dos rostos, o suor, os risos e os pormenores de execução.
Como é costume nestas ocasiões, a música passou patra segundo plano. Num concerto, a todos os níveis, de peso, os sons foram pesos-pesados – uma massa de guitarras ultra-amplificadas que abafou a mastigação de textos nos quais, de quando em quando, se adivinhava um verso conhecido, um refrão aprendido de cor no disco. Chegou para perceber a subtil e inteligente inflexão dos Resistência (ou será melhor dizer de Pedro Ayres?) num certo imaginário de esquerda traduzida para já na apropriação de “Que amor não me engana” (uma das melhores canções da noite) e “Traz outro amigo também” de José Afonso. “Timor”, da autoria de Pedro Ayres, foi dedicado ao “herói português Xanana Gusmão”. Pedro Ayres continua um mestre na captação dos movimentos e motivações das massas, sabendo agir como um verdadeiro manipulador, que flutua na crista da onda, das marés e ventos da História. Há que hastear a bandeira do instante, não importa a cor, no tempo e local exactos.
Excepcional, tirando partido das condições acústicas do armazém, foi um diálogo bateria/percussão ao melhor estilo da música industrial. E, claro, uma interpretação entusiástica de “Não sou o único” que, diga-se o que se disser, é o hino do rock português. Talvez o derradeiro.