June Tabor – “Angel Tiger”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 11.11.1992


O ANJO NOCTURNO

JUNE TABOR
Angel Tiger
CD, Cooking Vinyl, import. Contraverso



Quando, em 1977, June Tabor lançou o álbum “Ashes and Diamonds”, uma das pérolas da sua discografia, gritou-se nos meios mais tradicionalistas “escândalo!” e “heresia!”. A razão estava na utilização de sintetizadores, na altura considerada um pecado grave, sobretudo se cometido por quem tinha já atrás de si a fama de ser uma das maiores cantoras tradicionais de Inglaterra. Os anos passaram, “Ashes and Diamonds” ganhou o estatuto de clássico, mas June Tabor nunca perdeu o gosto pela aventura e por um toquezinho de provocação. Já num passado recente, não hesitou em gravar um álbum, “Freedom and Rain”, com a banda de “punk-folk” Oyster Band, nem em cantar ao vivo, com esses mesmos “punks”, uma versão agreste de “All tomorrow’s parties”, dos Velvet Underground. Como não resistiu a gravar o álbum de “standards” “Some Other Time”, em que procurou – sem muito sucesso, diga-se de passagem – dar a entender estarem as suas capacidades de intérprete muito para além das de simples “folk singer”. Em “Angel Tiger”, June Tabor terá encontrado a fórmula ideal, de equilíbrio perfeito entre os temas tradicionais, as canções de autores como Billy Bragg, o quarteto Richard Thompson / John French / Fred Frith / Henry Kaiser ou Elvis Costello, este um incondicional de longa data da cantora, para quem compôs especialmente o tema “All these useless beauty” e os já característicos exercícios de estilo “a capella”. Dando continuidade a uma estratégia iniciada com outro álbum brilhante, “Aqaba”, June Tabor volta a preferir a contenção de meios, traduzida na prática pela escolha de combinações instrumentais reduzidas, mas que, se vão revelando as mais indicadas para captar de forma eficaz o essencial de cada tema. Neste particular, volta a ser de capital importância o papel desempenhado pelo piano de Huw Warren, com o qual a voz de Tabor estabelece diálogos de perfeito entendimento mútuo, como acontece em “Sudden waves”, “Happened in mist”, “The doctor calls” e “All these useless beauty”. Depois as outras “vozes” – violinos, violas e violoncelos, um acordeão, um clarinete, um saxofone, um contrabaixo, percussões várias – acrescentam pormenores de ambiente, sugestões subtis, recantos de escuridão ou de claridade que June Tabor explora no seu registo vocal, que muitos consideram “frio”, mas que faz todo o fascínio desta grande cantora. De facto, a voz de June Tabor, parece por vezes chegar de anos-luz de distância, tal qual o brilho frio de uma estrela, mas da mesma maneira que a luz de uma estrela, quando chega e nos toca, permanece no firmamento para sempre. “Angel Tiger” revela-se luminoso a cada nova audição, seja nas típicas introduções “a capella”, seja nessa distância apaixonada com que se entrega a interpretações que roçam o sublime. E, em “Angel Tiger”, há pelo menos três momentos de autêntica santidade: o épico “All our trades are gone” e os dois tradicionais atrás mencionados, “Let no man steal your thyme” e “10.000 miles”. “Angel Tiger” – refira-se por curiosidade que a maior parte dos álbuns de Tabor começam pela letra “a”: “Airs & Graces”, “Ashes & Diamonds”, “Abyssinians”, “Aqaba” e “A Cut Above” – confirma o que “Some Other Time” apenas permitia imaginar, que June Tabor é uma das grandes intérpretes femininas da actualidade. Escutá-lo pode ser ainda um acto de cura espiritual. “Angel Tiger” é o anjo-gato de olhos brilhantes nas trevas através dos quais “Deus vigia de noite o adversário, o diabo”. A vitória da vida sobre a morte. (8)

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