Hector Zazou – “Sahara Blue”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 04.11.1992


PREGAR NO DESERTO

HECTOR ZAZOU
Sahara Blue
CD Made to Measure, distri. Contraverso


Muita parra e pouca uva. “Sahara Blue” está longe de ser um deserto de ideias, mas essas ideias surgem dispersas, faltando a cola que transforma o agregado num todo. “Sahara Blue” não é sintético, é sincrético. Os textos do poeta simbolista francês Arthur Rimbaud são o fio da meada e pau para toda a obra. É esse o universo poético que Hector Zazou e o seu séquito impressionante de estrelas procuram recriar. Neste aspecto, a lista de participantes é de tirar o fôlego, sendo ainda mais extensa que a do anterior “Les Nouvelles Polyphonies Corses”: John Cale, Gérard Dépardieu (sim, o actor) Cheb Khaled, Anneli Drecker, Bill Laswell, Tim Simenon (Bomb the Bass), Barbara Gogan (dos Passions, há alguém que se lembre?), Ryuchi Sakamoto, Sammy Birnbach e Malka Spigel (Minimal Compact), Sussan Deihim, Lightwave, Steve Shehan, Keith LeBlanc, Ketema Mekonn e David Sylvian (que aparece referido como Mr. X, por razões contratuais), entre outros…
“Sahara Blue” explode em múltiplas direcções, deixando estilhaços por todo o lado. A unidade que preside aos anteriores trabalhos deste músico argelino radicado em França desapareceu, substituída por um caleidoscópio de referências e estilos. Recordem-se os passos prévios. “Noir et Blanc”, que alguém definiu como o “encontro imaginário de Fela Kuti com os Kraftwerk”, é a electrónica e o étnico em harmonia perfeita, em ritmo de locomotiva. “Reivax au Bongo” consegue a improvável junção da tradição romântica com a África, em recipientes de canção pop, versão anos 60. “Géographies” e “Géologies” são estranhos objectos pós-modernistas que recuperam as formas do classicismo para lhes conferir a dimensão de mutantes deformados. “Mr. Manager” e “Guilty” orientam os carris de “Noir et Blanc” na direcção das pistas de dança.
Em “Sahara Blue” sobressai uma impressão de novo-riquismo, traduzido num excesso de meios e de músicos que se acotovelam entre si, acabando por não haver espaço suficiente para cada um se exprimir convenientemente. O disco começa em ritmo de dança, com um recitativo de Dépardieu, para de seguida irradiar sem quaisquer preocupações de unidade formal. Há ambientalismos étnicos escondidos a cada canto, o piano satiano de Sakamoto lutando contra as vagas digitais, a pop inocente de Barbara Gogan, cruzamentos culturais de passagem e vocalizações exóticas que são o melhor que o disco tem para apresentar. E algumas canções verdadeiramente boas: “Hunger”, cantado por um John Cale ameaçador, entre um órgão Hammond e arranjos que vão do “filme negro” de Barry Adamson a uma falsa “brass band” na boa tradição de New Orleans. Cheb Khaled e Malka Spigel swingam de forma brilhante no deserto, em “Amdyaz”, Richard Bihringer e Sussan Deihim lêemem diagonal uma carta do poeta. Ketema Mekonn inventa novas formas de diálogo com o saxofone. É assim: “Sahara Blue” vale pelas partes em separado, histórias que se contam a si próprias, reivindicando regras exclusivas. Síncrese de sons, sob o comando das palavras. (7)

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