Cultura >> Segunda-Feira, 15.06.1992
Guitarrista De Flamenco Actuou Em Lisboa
Ay Amigo!
NO SÁBADO À NOITE, o S. Luiz encheu-se de um público ávido de se impregnar dos calores do flamenco. Vicente Amigo trouxe consigo o virtuosismo e o “feeling” que são condimentos necessários neste género musical. Ninguém ficou desiludido. Vicente foi deveras amigo e suou as estopinhas, arrancando da guitarra chispas do genuíno fogo cigano, que é onde lhe corre o sangue e a inspiração, ao estilo jazzístico que lhe é habitual. Tocou alguns temas sozinho. Outros em duo com o percussionista Patricio Camara (bateu as típicas palmas do flamenco, em contratempo e batucou num caixote de madeira, estilo gaveta, sobre o qual estava sentado). Outros ainda com um segundo guitarrista-flautista e batedor de palmas, José Manoel Hierro, e um cantor, José “qualquer coisas”, não se percebeu o apelido – Vicente fez as apresentações num castelhano falado para dentro e pouco compreensível.
O canto é, de resto, um dos principais atractivos do flamenco, dada a sua grande variedade e riqueza literárias: “ay ay ay ay”, por vezes “ay ayay ayayay”, outras ainda “ayay ayaya ay” e por aí fora, num arrebatamento poético sem limites. Falando a sério: trata-se de um canto que vive da expressão, do grito, do sopro interior, da raiva e da dor. Canto do sangue, da terra, do pranto. Tatuado a fogo na alma cigana.
Numa série de temas, juntou-se ao quarteto um quinto elemento, um dançarino que sacudiu com virtuosismo o pó do palco. Sapateou, pontapeou o ar, meneou-se como só os dançarinos de flamenco sabem. Ergueu os braços ao céu e lidou a fera imaginária, qual toureiro a desafiar o destino. Deu show e recebeu em troca “olés” e “bravos”. Não cortou orelhas nem rabos mas acabou em glória a faena. Houve quem suspirasse pela falta de um elemento feminino, de cabelo negro, lábios e vestidos vermelhos de cortar o fôlego. Faltou “salero”.
Houve flamenco-jazz em grande estilo. Casamento inevitável, tendo em conta o factor improvisação que habita na música cigana. Poder-se-á até dizer que é o jazz e alguns dos seus guitarristas que vão beber a esta fonte. Lembremo-nos de John McLaughlin ou Al Di Meola, já para não falar de Django Reinhardt. Vicente Amigo segue na senda dos mestres. Nas cordas da sua guitarra o flamenco projecta-se no futuro. Ay.