Urban Sax – “Concerto No Rossio Abre Festas Na Cidade De Lisboa – ‘Safe Sax'”

Cultura >> Quarta-Feira, 03.06.1992


Concerto No Rossio Abre Festas Na Cidade De Lisboa
“Safe Sax”


Afinal não houve gritos nem apertos. Esperava-se agitação, não chegou sequer a haver confusão. Os Urban Sax, talvez por receio das consequências que poderiam ter movimentações mais precipitadas da multidão que acorreu na noite de anteontem ao Rossio, optaram por um espectáculo mais calmo que o habitual. Questões de segurança. Algo falhou, entretanto.



No Rossio estariam cerca de dez mil pessoas, entre turistas, “habitués” da zona, curiosos e, a toda a volta, vendedores de pipocas, manjericos, ou aquela senhora atarefada a montar a barraca durante todo o tempo que durou o concerto e que, finalmente, conseguiu soltar na noite o seu pregão – “a minha cerveja está mais gelada que as outras” – para seu desespero, no momento em que o espectáculo acabou e as pessoas começaram a debandada para outras paragens. Falhou, portanto, a vendedora.
Mais ridículo foi o pregão da Câmara Municipal de Lisboa, momentos antes do início do espectáculo, com uma voz a repetir ao microfone que os Urban Sax iriam tocar “hoje, aqui e agora”. Para os milhares de pessoas que encheram a praça do Rossio, foi bom saberem que tinham acertado no dia, no local e na hora do concerto. O público não falhou, portanto.
Dez minutos depois da hora anunciada, ouviu-se o som do primeiro saxofone, vindo do telhado do Teatro Nacional, ao qual respondeu um segundo, algures para os lados da Baixa. Aos poucos foi chegando o resto da troupe, com um lote a surgir de trás, aos solavancos num veículo motorizado, num dos “gags” já tornados habituais da banda. Os cinquenta e tal saxofonistas lá se amontoaram como puderam no palco montado diante da fachada do Teatro. Alguns ficaram em pé sobre o parapeito da fonte mais próxima. Uns quantos sobre um estrado, do lado direito. Envergavam todos uns fatos brancos com apêndices transparentes, ao estilo “insecto”, entre Gaultier, o monstro de Alien e o boneco da Michelin.
Depois foi tudo uma questão de escala e esrros estratégicos. Quer dizer: até 50 metros de distância do palco principal (onde afinal tudo acabou por concentrar-se), para quem esteve situado no meio das operações, terá sido um espectáculo fabuloso de cor e luz, de envolvimento visual completo. Entre os 50 e os 100 metros funcionou mais a sugestão, nos intervalos em que os pescoços eram forçados a descansar do esforço de estica constante para ver por cima da cabeça do vizinho da frente. A partir dos 100 metros, mais ou menos ao nível da estátua de Maximiliano I, imperador do México (que lá no alto, de costas, se esteve marimbando para os Urban Sax), foi um bocado como nos Dire Straits em Alvalade mas sem os ecrãs gigantes.
As cores e umas vagas luzes ainda eram perceptíveis ao longe. O som é que não. Porque, sem que se perceba a razão, as colunas de amplificação, para além da reduzida potência – o que por si só subtraiu grande parte do impacto sonoro que as actuações da banda costumam ter – estavam voltadas para o palco, de costas para a maioria do público que deste modo apenas teve direito a ouvir uns ligeiros zumbidos, arredado que esteve do ponto nevrálgico do concerto. O que suscitou alguns comentários de desagrado (lá mais para trás, nem por isso, porque não se percebia sequer o que estava a acontecer, até podia ser um comício político), entre os quais um “parece um velório”, não sem que antes a mesma pessoa, desagradada da estranheza que manifestamente o incomodava, tivesse avançado uma leitura filosófica sobre os Urban Sax: “são todos malucos”. O som falhou, portanto.

Teatro

A música continua a mesma a ser a que a banda vem criando de forma infatigável desde meados dos anos 70: Saxofones em uníssono, desmultiplicados por diversas secções, “riffs” poderosos, ciclos repetitivos, apoiados num baixo eléctrico (por sinal, mal tocado), as pontuações ocasionais de um gongo e o ritmo de três vibrafones, aos quais se acrescentaram na ocasião as vozes femininas dos Cramol que emprestaram à música acentos dos Pink Floyd, de “Atom Heart Mother”.
Em termos de adereços visuais, a apresentação dos Urban Sax ficou-se pelo trivial: Comedores de fogo, empanturraram-se de chamas. Trapezistas baloiçaram-se nos trapézios. Dignos membros do Grupo de Espeleologia de Lisboa treparam, mascarados, pelas paredes do teatro e, sobre o frontão, à beira do precipício, fizeram de dançarinos, levantando à vez uma perna e outra, com muito cuidado.
No tema final, duas gruas suspenderam, cada uma, um molho de três figurantes Urban Sax – foi engraçado, pareciam baratas a dar, muito aflitas, à patita – e um jorro branco inundou de espuma o palco e as filas da frente, numa opção discutível que mentes mais maliciosas poderiam associar a “banhada”. Fora o folclore, os Urban Sax são de facto um prodígio de teatralidade, na encenação de um ritual de apocalipse urbano que, no Rossio, de luzes acesas, incluindo a do anúncio da BP a piscar mesmo em frente, se perdeu de forma inglória.
Fica-se a pensar se não teria sido preferível a realização do espectáculo noutro local mais adequado, talvez a Fonte Luminosa, ou o “Hot Clube”, porque não? Algo falhado, portanto, que poderia não ter falhado: a câmara, os Urban Sax e a vendedeira de cerveja. “Safe Sax” é mais seguro mas não sabe tão bem.

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