Y 22|DEZEMBRO|2000
escolhas|televisão
Não era o menino de coro que a sua agente quer fazer crer nem o diabo que se envolvia nas chamas da sua guitarra. Era um músico-visionário que viveu na quinta dimensão e nos mostrou do lado de cá como era do lado de lá.
A experiência Hendrix
Sobre a música de Jimi Hendrix (Jimmy hendrix, para os incultos…) já se disse e escreveu tudo ou quase tudo. “Quase” porque do seu baú – sem fundo, como o de Fernando Pessoa – continuam a sair “originais” às dezenas, com uma regularidade alarmante, o que impede que se ponha a lápide criativa definitiva sobre o seu génio. Ainda agora acabou de ser editada uma caixa – mais uma – composta por quatro CDs contendo nada mais nada menos do que 56 “novos” temas do guitarrista dos guitarristas que mais não são do que versões alternativas, gravações ao vivo e demais curiosidades que, por alguma razão, foram deixadas de fora na altura pelo seu autor.
Seja como for, os colecionadores agradecem, Janie Handrix, meia-irmã do músico e atual responsável por todos os negócios envolvendo o material deixado pelo seu falecido mano, agradece e até, porque não, mesmo aqueles que escrevem “Jimmy Hendrix” agradecem.
Mas, dizia-se, sobre a música de Jimmy Hendrix já se disse e escreveu tudo ou quase tudo. Resumindo, digamos que os três álbuns que Hendrix gravou em trio sob a designação de The Jimi Hendrix Experience, ao lado de Noel Redding, no baixo, e Mitch Mitchell, na bateria – “Are you Experienced?” (1967), “Axis: Bold as Love” (1967) e “Electric Ladyland” (1969) – puseram em estado de sítio o rock dos anos 60 e levantaram a fasquia da técnica de execução na guitarra elétrica (Hendrix usava um modelo de Fender Stratocaster facilmente inflamável, o que facilitava enormemente as proezas pirotécnicas com que costumava iluminar as suas atuações ao vivo…) a uma altura a partir daí apenas transponível pelos saltadores de vara.
Deus pagão. É, porém, sobre a sua vida, que trata o documentário a exibir amanhã, no canal Arte, com o título “Hey Joe – A Vida Breve e Atormentada de Jimi Hendrix”. Christopher Olgiati realizou-o no ano passado e é bem provável que, ao longo dos seus cerca de 60 minutos, se fique a saber mais sobre a vida do guitarrista do que em anos a fio de conversa da treta.
O documentário tem a virtude de dar uma imagem o mais afastada possível dos clichés que normalmente acompanham as biografias do músico que, já agora, para quem não saiba, nasceu com o nome de Johnny Allen Hendrix (a seguir seria Jimmy James) a 27 de Novembro de 1942, em Seattle, nos Estados Unidos, e faleceu como Jimi Hendrix a 18 de Setembro de 1970, em Londres. Aos 27 anos, portanto, vítima de tudo. Não há imagens de guitarras em chamas nem da mítica interpretação de “Star spangled banner” a fechar o festival de Woodstock, em 1969.
“Hey Joe” não condescende. Ao contrário das afirmações da sua meia-irmã e agente comercial póstuma, que não se cansa de apregoar que o seu atual ganha-pão não se drogava nem sequer se permitia fumar um cigarrinho de vez em quando, o documentário não foge, por assim dizer, com o rabo à seringa, à semelhança, aliás, do próprio músico, utilizador assíduo da dita… Até porque, neste como em outros casos (Joplin, Morrison…) são inseparáveis uma vida de excessos e uma música de excessos.
Assim, por uma vez, não foi consultada a senhora, sendo convidada para falar gente bastante mais avalizada para o fazer. Por exemplo, Linda Keith, amiga de Keith Richards, dos Stones, que apresentou o então adolescente Jimmy James ao baixista dos The Animals, Chas Chandler, que viria a ser o seu futuro agente e produtor; Eric Burdon, líder e vocalista dos mesmos The Animals, amigo do ácido e de quem se diz ter em sua posse uma nota de suicídio deixada por Hendrix; Noel Redding, Kathy Etchingham, a primeira namorada londrina, Gerry Stickells, road-manager, Juma Sultan, percussionista acompanhante do guitarrista em Woodstock, Chris Stamp, irmão do ator Terence Stamp.
Além das entrevistas e depoimentos, “Hey Joe” utiliza ainda material dos arquivos pessoais de Noel Redding, mostra o encontro de Hendrix com o rocker francês Johnny Hallyday e imagens do derradeiro e caótico concerto do guitarrista, realizado na Alemanha 12 dias antes da sua morte.
De Jimi Hendrix ficará para sempre a imagem do tímido que se transformava em deus pagão cada vez que pegava na guitarra. A sua vida e a sua música foram, afinal, e no limite, o que o seu grupo anunciou desde o início: uma experiência.