Jimmy Page e Robert Plant voltaram ao estúdio – Artigo de opinião sobre o álbum “Walking Into Clarksdale”

Sons

3 de Abril 1998


Jimmy Page e Robert Plant voltaram ao estúdio

À sombra do Zeppelin


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“Walking into Clarksdale” é o segundo álbum fruto da colaboração de Jimmy Page e Robert Plant, as duas figuras carismáticas dos Led Zeppelin, banda seminal do heavy metal dos anos 70. Estão agora mais maduros e seguros de si. E tradicionais.

No final dos anos 60, início dos 70, era tudo uma questão de pureza: ou alucinação pura ou adrenalina pura, conforme o ácido empurrava o cérebro para pôr em ordem o psicadelismo no quadro mais seguro do progressivo ou obrigava o corpo a descarregar doses maciças de electricidade e óleos pesados de hard rock. Os Led Zeppelin, desde o início, confundiram um pouco estes dois conceitos.
Em 1969, ano de lançamento do álbum de estreia do grupo, intitulado simplesmente “Led Zeppelin”, o rock visceral com as bases bem firmes nos blues não dispensava a companhia de melodias psicadélicas, que iam buscar a sua inspiração à música e ao misticismo orientais. Ao longo de toda a carreira e discografia dos Led Zeppelin, até ao seu capítulo final, “In through the out Door”, de 1979, foi notória esta dicotomia entre a procura de uma beleza depurada próxima das raízes tradicionais e o lado mais violento e visceral do rock’n’roll. Dicotomia que atingiu a sua máxima expressão no fabuloso quarto álbum do grupo, editado em 1971, conhecido como o dos quatro símbolos, com a inclusão do celestial “Staiway to heaven” e a participação da diva da folk music britânica, Sandy Denny (entretanto falecida), no tema “The battle of Evermore”. Acrescente-se que nomes da cena folk inglesa da época, como Bert Jansch, os Incredible String Band e Roy Harper faziam parte do leque de preferências de Jimmy Page e de Robert Plant, respectivamente guitarrista e vocalista dos Led Zeppelin.
Jimmy Page e Robert Plant são os dois personagens principais de uma história marcada pela magia negra (um dos “hobbies” de Page) e pelo infortúnio (o baterista da banda John Bonham morreu e apressou as exéquias do grupo) que agora renasce com um novo capítulo nos anos 90. E esta ligação antiga com a música tradicional é fundamental para a compreensão das novas direcções musicais seguidas por esta dupla que, em 1994, lançou o álbum “No Quarter” (que incluía ainda versões de temas dos Zeppelin como “Gallows pole” e “Kashmir”) e agora acaba de assinar a continuação com a edição do novo “Walking into Clarksdale”.
“No Quarter” bebia a inspiração nos ritmos africanos. A digressão que se lhe seguiu contava com a participação de uma miniorquestra de músicos egípcios, em “Kashmir”. Refira-se ainda que um dos músicos da banda que acompanhava os dois “zeps” no álbum e nos espectáculos ao vivo era o tocador de sanfona Nigel Eaton, membro ilustre da folk inglesa e ex-elemento dos revolucionários Blowzabella.
O novo projecto retoma esta convivência com as sonoridades tradicionais, nomeadamente com a música árabe, numa altura em que tanto Page como Plant não escondem a sua admiração por artistas como os Transglobal Underground (cujo teclista toca numa faixa do novo álbum, “Most high”), o grupo de percussões “sikh” The Dhol Foundation e a cantora de ascendência árabe Natasha Atlas. Antes, já Jimmy Page viajara pelo Nordeste do Brasil e Plant pela rota da seda, na Ásia Central.
O álbum foi gravado nos estúdios Abbey Road e uma das maiores surpresas foi a escolha para produtor de Steve Albini, responsável por trabalhos com os Nirvana, P. J. Harvey, Rapeman, Bush, Big Black e Pixies e conhecido como um “ditador” que costuma impor, a todo o custo, as suas ideias. Não é essa, porém, a opinião dos dois Led Zeppelin. Para eles tratou-se tão-só de uma questão de disciplina e de sintonia, até tendo em conta que qualquer dos projectos atrás enunciados dependem, em grande parte, da presença das guitarras, que constituem um dos trunfos musicais da dupla. Considerando que Jimmy Page é considerado um dos maiores guitarristas de rock de sempre, tratou-se então de tirar o máximo partido de uma abordagem que, neste álbum, é fundamentalmente espontânea e ambiental.
Steve Albini funcionou, neste caso, como o homem de vastos recursos técnicos que, segundo Plant, “soube colocar o microfone nos sítios certos” e que não se sentiu constrangido com a reputação dos artistas envolvidos, emitindo a sua opinião própria sobre o desenrolar das gravações, distinguindo “as ideias que resultam” das que podem singelamente ser rotuladas como “merda”. O resultado final não defrauda as expectativas nem o passado do grupo, ainda que, como reconhecem tanto Plant como Page, “seja impossível, à medida que a idade aumenta, arrebatar indefinidamente uma audiência jovem e viril”. Sosseguem, porém, aqueles que ainda sentem os ouvidos a zunir com a batida infernal de “Whole lotta love”” e “Moby Dick”, porque Robert Plant e Jimmy Page estão longe de ter chegado à andropausa.



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