Arquivo mensal: Janeiro 2017

The Orb – “Orblivion”

Pop Rock

12 Março 1997
poprock

THE ORB
Orblivion (7)
Island, distri. Polygram


orb

Quando muitos já faziam o enterro da banda do “doutor” Alex Patterson, a grande cabeça misturadora dos The Orb, por má vontade ou pelo pouco sucesso, tanto comercial como artístico, que marcou os anteriores “Pomme Fritz” e “Orbus Terrarum”, eis que o grupo renasce das cinzas. O ambientalismo de geleira deu lugar ao golpe de facas afiadas, numa operação de montagem e confrontação sónica levada a cabo no estúdio em Berlim de Thomas Fehlmann, elemento preponderante na feitura de “Orblivion”. Existe uma componente subversiva que esmaga o apaziguamento de qualquer sessão de “chill out”. A ressaca mói. Porque as palavras sampladas de um julgamento anticomunista, de vozes étnicas ou de “Nu”, o filme de Mike Leigh, induzem a paranóia, tanto quanto os sons, resolvidos do avesso num infatigável fluxo/refluxo de obsessões rítmicas, na derrapagem de “breakbeats” subterrâneos. “Orblivion” não faz circular emoção. Mas é este processo de desmultiplicação de mensagens que unicamente passam pela máquina sob a forma de programas – estéticos e ideológicos ou onde a estética é a própria ideologia – que distingue a maior parte de grande parte da música electrónica que se tem vindo a produzir neste final de século. Separando-a, quer da perturbação causada pela música industrial, quer da levitação causada pelo rolamento de esferas sintéticas do universo criado pelos Kraftwerk e do consequente tecno. Tudo evolui ao nível do mental e da programação para simular um aquário de vida artificial. A cidade global e desculturizada desenhada em gráfico no monitor de “Orblivion” é a imagem do esquecimento e do vazio. Ficaremos sem dúvida mais altos e fortes e sãos. “Empire state humans” como anunciavam, já lá vão quase 20 anos, os Human League. Construído nesta dinâmica de alternância entre o macrocosmos de cidades virtuais e microcosmos de neurónios em sobrecarga, “Orblivion” revela-se impraticável nas pistas de dança, da mesma maneira que foge ao êxtase do transe. Não há pastilha que lhe valha. Quem quiser que entre na engrenagem.



Michael Brook – “Albino Alligator”

Pop Rock

12 Março 1997
poprock

Michael Brook
Albino Alligator
4AD, DISTRI. MVM


mb

Depois de já ter composto música de filmes, em “Shona”, o guitarrista canadiano Michael Brook volta a gravar para imagens, desta feita música “para” e “inspirada” em “Albino Alligator”, estreia na realização, para a produtora Miramax, de Kevin Spacey. É diferente do ambientalismo aquoso de “Hybrid” e “Cobalt Blue”. Se o argumento fala de crocodilos albinos cuja única finalidade é serem mortos em sacrifício, Brook, pelo contrário, procede a uma recoloração da sua música, trazendo para a consola de mistura um saxofone “jazzy”, sessões percutivas e sopros de raiz étnica e, no tema final, na única canção do disco, um dueto de “crooning” entre Jimmy Scott e Michael Stipe, vocalista dos R.E.M. Há momentos em que, a acontecer algo, é ao nível do subliminar, derivando os sons na autodescoberta de timbres fora do comum, enquanto noutros tudo parece confluir em esculturas sónicas de invulgar configuração. O que significa que a música tanto parece depender das imagens que lhe estão na origem, embora sem nunca cair na indulgência, como se autonomiza numa linguagem em si própria cinematográfica. Seja qual for o caso, Michael Brook soube contornar os lugares-comuns que corrompem a maior parte das OST. (7)



Frank Zappa – “Have I Offended someone?”

Pop Rock

12 Março 1997
reedições

Cantar não ofende

FRANK ZAPPA
Have I Offended someone? (8)
Rykodisc, distri. MVM


fz

Mesmo depois de morto, Frank Zappa continua a fazer ondas. Depois da fantástica colecção de excentricidades contidas no triplo CD “Läther”, a Rykodisc, editora que actualmente detém todos os direitos de edição, representação e distribuição da obra do músico, está prestes a lançar no mercado “Have I Offended someone?”, desta feita uma colectânea “politicamente incorrecta” de 15 canções favoritas do autor, seleccionadas pelo próprio em 1993, pouco tempo antes da sua morte. Entre o alinhamento incluem-se “Bobby Brown goes down”, “Catholic girls”, “Dinah-Moe humm” e “Valley girl” – o “single” que obteve mais sucesso nas listas de vendas, subindo, em 1982, ao 32º lugar do “top” da “Billboard” –, além de duas versões ao vivo, inéditas, de “Tinsel town rebellion” e “Dumb all over” e montagens e misturas diferentes das originais.
É o lado mais corrosivo de Frank Zappa, exposto num humor sem regras, que vergastou praticamente todos os temas tabu da sociedade norte-americana. Quem foram os ofendidos? As mulheres, os homens, os judeus, os católicos, os músicos, os executivos da indústria musical, o poder religioso e os franceses, na listagem elaborada, com não menos humor, pelo autor da excelente folha informativa que acompanha esta edição.
Opinião diferente tinha Frank Zappa, até porque, como Groucho Marx, também ele nunca poderia ser sócio de um clube que o aceitasse como sócio: “As pessoas que se ofendem mais com as minhas letras parecem ser os críticos de rock. O público, em geral, gosta delas.” Zappa teve, aliás, outra observação bastante sagaz sobre o jornalismo rock: “Pessoas que não sabem escrever e que fazem entrevistas a pessoas que não sabem pensar, com o objectivo de fazer artigos para pessoas que não sabem ler.”
Um dos seus temas mais bem sucedidos, o já citado “Valley girl”, em que é possível escutar a voz da sua filha Moon Unit, mereceu-lhe o seguinte comentário: “A pior coisa sobre este disco é o facto de ninguém o ter ouvido realmente… Tudo o que se disse sobre esta canção nunca tocou no ponto principal, que é a maior parte das pessoas serem cabeças de vento.” As pessoas, claro, riram-se e o sucesso da canção desencadeou na altura um fenómeno de “marketing” que incluiu a venda de “t-shirts”, marmitas de refeição, cosméticos e até um convite a Zappa para aparecer numa série de televisão e num filme, que acabou por ser feito sem a sua participação.
Na Noruega, onde muita gente não percebe peva de inglês, “Bobby Brown goes down” foi outro dos raros sucessos de vendas de Zappa. A canção fala de uma relação sado-masoquista entre um jovem e a sua “dominatrix”. Nos Estados Unidos, a transmissão radiofónica foi proibida, mas na Noruega e também na Alemanha e Áustria, como ninguém se deu ao trabalho de traduzir a letra, a canção chegou aos “tops”. Ou talvez te há chegado porque alguém traduziu a letra…
Mas a melhor declaração, proferida por Zappa em pleno tribunal, durante a campanha anticensura que empreendeu, nos anos 80, contra a organização puritana norte-americana PMRC, que advogava a classificação etária para os discos de rock, é um mimo de candura misturada com cinismo: “É minha convicção pessoal que nenhuma letra de canção pode ferir quem quer que seja. Não existe nenhum som que possa ser emitido pela boca nem palavra que possa sair da boca com poder suficiente para mandar uma pessoa para o inferno.” Sim que mal pode fazer escutar uma voz de “falsetto”, amaneirada até aos limites da bichice, cantar “I’m so gay, and I like to be that way” sobre um ritmo “disco” tirado do clássico de Giorgio Moroder e Donna Summer “I feel love”? Frank Zappa, na sua última estalada.