Arquivo mensal: Agosto 2016

Stereolab – “Emperor Tomato Ketchup”

Pop Rock

20 de Março de 1996
poprock

Estereogramas a pilhas

STEREOLAB
Emperor Tomato Ketchup (8)
Elektra, distri. Warner Music


stereolab

O universo musical dos Stereolab é um apanhado de asteróides do passado que o grupo insufla com um humor e uma maleabilidade pop que não pertencem a mais ninguém. “Emperor Tomato Ketchup”, título pateta para um disco que ilude os sentidos como um auto-estereograma, é o equivalente musical de um filme animado dos Jetsons. Tim Gane, multinstrumentista do grupo, intoxicou-se a ouvir os sons da escola alemã dos anos 70. A sua cabeça encheu-se de espaço e de ritmos metronómicos. Para complicar ainda mais, ficou preso pelo beicinho às sonoridades “easy listening” para a idade espacial inventadas por Juan Garcia Esquivel, um mexicano que nos anos 50 atirou a música de elevador para a primeira fila da experimentação, explorando as possibilidades da recém-descoberta estereofonia e de elementos electrónicos arcaicos como o teremin (actualmente objecto de culto, utilizado por número crescente de artistas) e o ondioline. Esquivel que os Stereolab homenagearam no mini-álbum “The Group Played Space Age Batchelor Pad Music”. Para finalizar, a vocalista Laetitia Sadler canta frequentemente em francês, num registo que lembra Françoise Hardy.
Deste frasco de “ketchup” escorre uma música sumarenta em que aquilo que parece nem sempre é e as oposições se encaixam entre si como uma luva. Há citações explícitas, redundâncias que um golpe de magia faz soar inovadoras. O tema inicial “Metronomic underground”, é um decalque fiel dos Can, na batida tribal, nos pequenos dilúvios do órgão, na vocalização repetitiva e quase declamada, contribuindo para a criação de um clima de hipnose característico daquela banda germânica. “Les yper sound” recupera o rolamento rítmico dos Neu!, enquanto “OLV 26” pilha um fraseado electrónico de “Autobahn”, dos Kraftwerk. Só que a distância que separa os Stereolab dos magos teutónicos é a mesma que separa um “western spaghetti” de um épico de John Ford.
A confusão, capaz de iludir os sentidos como um auto-estereograma, advém do contraste entre a aparente frieza (o sintetizador “Moog” que os Stereolab manipulam sempre foi tudo menos frio…) daqueles temas com o angelicalismo de baladas ora servidas por um arranjo de cordas na melhor tradição dos Divine Comedy, como “Cybele’s reverie” ou a claridade absoluta de “Monstre sacré”, ora flutuando em harmonias vocais etéreas que mergulham a inspiração nos Beach Boys, nos Faust dos momentos idílicos ou no “kitsch” fleumático dos Monochrome Set. Um álbum de múltiplos brilhos, onde a tecnologia de “baixa fidelidade” liga às mil maravilhas com o perfume de melodias “retro”-futuristas. Para ouvir e ouvir e ouvir até se gastarem as pilhas.



Bel Canto – “Magic Box”

Pop Rock

20 de Março de 1996
poprock

Bel Canto
Magic Box
ATLANTIC, DISTRI. WARNER MUSIC


bc

No início e no fim do disco ouve-se uma caixa de música a pingar vidrinhos de som sob a voz de criança mimada da vocalista. É o mais interessante que os noruegueses Bel Canto têm para oferecer neste álbum e nos dias que correm, apressados que estão em apanhar o comboio das “world musics” e dos “samples” contrabandistas de cultura. O segundo tema, “In zenith”, ainda consegue chamar por instantes a atenção para o fiozinho dental, perdão, vocal, que escorre da senhora, algures entre o mundo virtual e os contorcionismos de Kate Bush, mas o papão “etno-seca” deita tudo a perder para o contentor da vulgaridade. A seguir a caixa de música entra numa batida de dança mais convencional, produzida e maquilhada com os ingredientes “en vogue”. Um “must” para quem ainda acredita na magia do B. A. e um bocejo para quem achou alguma graça aos escorreitos “Whiteout Conditions” e “Birds of Passage”, que assinalaram a entrada em cena deste grupo cuja única pretensão parece ser a de ajudar a passar o tempo de uma maneira agradável. (4)



Rüsenberg & Hans Ulrich Werner – “Lisboa! A Soundscape Portrait”

POP ROCK
28 de Fevereiro de 1996

Álbuns Pop Rock

Michael Rüsenberg & Hans Ulrich Werner
Lisboa! A Soundscape Portrait
WDR, DITRI. ANANANA


lisboa

No filme “Lisbon Story”, de Wim Wenders, o protagonista passa metade do tempo de gravador em punho à cata da alma sonora da cidade de Lisboa. A ficção passou a realidade neste primeiro volume de uma série em que estes dois alemães, sonoplastas como a personagem do filme, tencionam traduzir sonoramente várias cidades do mundo. “Lisboa!” é uma colagem-montagem de sons e vozes de rua, da marulhar das águas do Tejo, de sinos de igreja e campainhas de eléctrico, do arrufo de pavões e até de fados reconvertidos em misteriosas declamações. Uma sucessão de microclimas acústicos captados em vários locais e bairros da cidade (cemitério dos Prazeres, Mercado da Ribeira Nova, Bairro Alto, Bica, Alfama…) onde reencontramos com surpresa, numa espécie de sobrerealidade, as múltiplas bandas sonoras de um quotidiano que o hábito e a proximidade tornaram inaudíveis. Lisboa, mais opaca e transparente do que nunca. (7)