Pop Rock
20 de Março de 1996
poprock
Estereogramas a pilhas
STEREOLAB
Emperor Tomato Ketchup (8)
Elektra, distri. Warner Music
O universo musical dos Stereolab é um apanhado de asteróides do passado que o grupo insufla com um humor e uma maleabilidade pop que não pertencem a mais ninguém. “Emperor Tomato Ketchup”, título pateta para um disco que ilude os sentidos como um auto-estereograma, é o equivalente musical de um filme animado dos Jetsons. Tim Gane, multinstrumentista do grupo, intoxicou-se a ouvir os sons da escola alemã dos anos 70. A sua cabeça encheu-se de espaço e de ritmos metronómicos. Para complicar ainda mais, ficou preso pelo beicinho às sonoridades “easy listening” para a idade espacial inventadas por Juan Garcia Esquivel, um mexicano que nos anos 50 atirou a música de elevador para a primeira fila da experimentação, explorando as possibilidades da recém-descoberta estereofonia e de elementos electrónicos arcaicos como o teremin (actualmente objecto de culto, utilizado por número crescente de artistas) e o ondioline. Esquivel que os Stereolab homenagearam no mini-álbum “The Group Played Space Age Batchelor Pad Music”. Para finalizar, a vocalista Laetitia Sadler canta frequentemente em francês, num registo que lembra Françoise Hardy.
Deste frasco de “ketchup” escorre uma música sumarenta em que aquilo que parece nem sempre é e as oposições se encaixam entre si como uma luva. Há citações explícitas, redundâncias que um golpe de magia faz soar inovadoras. O tema inicial “Metronomic underground”, é um decalque fiel dos Can, na batida tribal, nos pequenos dilúvios do órgão, na vocalização repetitiva e quase declamada, contribuindo para a criação de um clima de hipnose característico daquela banda germânica. “Les yper sound” recupera o rolamento rítmico dos Neu!, enquanto “OLV 26” pilha um fraseado electrónico de “Autobahn”, dos Kraftwerk. Só que a distância que separa os Stereolab dos magos teutónicos é a mesma que separa um “western spaghetti” de um épico de John Ford.
A confusão, capaz de iludir os sentidos como um auto-estereograma, advém do contraste entre a aparente frieza (o sintetizador “Moog” que os Stereolab manipulam sempre foi tudo menos frio…) daqueles temas com o angelicalismo de baladas ora servidas por um arranjo de cordas na melhor tradição dos Divine Comedy, como “Cybele’s reverie” ou a claridade absoluta de “Monstre sacré”, ora flutuando em harmonias vocais etéreas que mergulham a inspiração nos Beach Boys, nos Faust dos momentos idílicos ou no “kitsch” fleumático dos Monochrome Set. Um álbum de múltiplos brilhos, onde a tecnologia de “baixa fidelidade” liga às mil maravilhas com o perfume de melodias “retro”-futuristas. Para ouvir e ouvir e ouvir até se gastarem as pilhas.