Pop Rock
28 de Dezembro de 1994
Balanço Português 94
BRINDES AO PASSADO
Com algum tempo de atraso, como é vulgar e de bom tom acontecer neste cantinho lusitano, a moda das homenagens chegou a Portugal. É verdade que por cá não abundam nomes de peso, vivos ou não, que justifiquem tais iniciativas, nem o necessário conhecimento de causa da parte de muitos dos celebrantes. Era preciso procurar mitos, artistas que povoassem o imaginário musical português, capazes de reunir o consenso e atrair tanto os jovens leões como os veteranos. Mas não foi preciso procurar muito. Assim, a jeito e com a estatura mínima pretendida, dois nomes se destacavam à partida, um deles já falecido, o outro ainda vivo e alvo de adoração do povo português: José Afonso e Amália Rodrigues.
O primeiro teve honras de grande acontecimento, através da edição do duplo contendo versões de canções suas, pelos Filhos da Madrugada, designação genérica que englobou praticamente todos os grupos mais conhecidos da pop nacional, mas deixou de fora pessoas que conviveram de perto e tocaram com o autor de “Coro dos Tribunais”. Amália foi, para já, objecto de homenagem mais modesta, por parte de Dulce Pontes, que lhe repescou uma série de fados e adoptou o título de um deles para o seu próprio álbum, “Lágrimas”. Por sinal, também José Afonso foi arrastado na corrente, aproveitando Dulce Pontes para homenagear de uma penada dois artistas cuja obra, ideologia e personalidade não poderiam ser mais opostos.
Enquanto isso, no Seixal, por ocasião das festas de Corroios, alguém se lembrou de editar um “Especial José Afonso”, disco que, curiosamente, não teve o mesmo sucesso de vendas que o dos Filhos da Madrugada. É que não se percebe muito bem o que têm grupos como os Oboé, Nível de Vida, Dixit, Últimos Suspeitos, Quatro+1, Tropa de Choque, Irmãos de Sangue e O Incesto a menos que os GNR, UHF, Sétima Legião, Resistência, Delfins, Madredeus, Peste & Sida, Mão Morta ou Sitiados!
O terceiro homenageado do ano foi outro falecido, António Variações, personagem controversa, ao contrário das outras duas, e, em vida, incómoda para muitos. Foi logo nos primeiros meses de 1994 que os nomes do costume decidiram juntar-se para umas “Variações” em torna deste artista, que adorava Amália, afirmava estar “entre o Minho e Nova Iorque” e misturava nas suas canções preocupações existenciais com uma vertente sonora electropop que, até hoje, permanece como uma das propostas m ais originais da música popular feita em Portugal. Assim, aos especialistas nas homenagens, Delfins (Miguel Ângelo foi dos primeiros a compreender e a “apropriar-se” da música do cantor-barbeiro), Ritual Tejo, Madredeus, Resistência, Sitiados e Mão Morta, juntaram-se Sérgio Godinho, Isabel Silvestre, Santos e Pecadores (bela designação para uma hipotética banda do homenageado…) e Três Tristes Tigres, num álbum que recupera temas dos álbuns “Anjo da Guarda” (1983) e “Dar e Receber” (1984), os únicos que Variações editou em vida.
Foi pois no fundo do baú que muita gente andou a remexer nas raízes perdidas. Num tempo de vacas gordas em termos de vendas (para o qual contribuiu em grande parte a aposta – ganha – na exportação, por algumas multinacionais) para a música portuguesa, a que correspondeu um tempo de crise, em termos de aparecimento de novos valores (exceptuando a saudável investida nas editoras independentes que apresentaram propostas de grande valor como as dos Bizarra Locomotiva, U-Nu ou Tina & The Top Tem, entre outras), investiu-se na bolsa dos valores seguros e na celebração de um classicismo que, inspirado nos tempos áureos da MPP ao longo das décadas de 60 e 70, ganhou novo eco na facção pop. Nesta corrida ao passado encontrou muita gente o fôlego providencial para o relançamento de carreiras em risco de estagnação. Para outros, terá sido verdadeiramente uma sentida homenagem. Para outros ainda, o mero oportunismo e o embarque à última da hora no comboio da jogada comercial. Fossem quais fossem as intenções de cada um, ninguém pode negar, porém, a este fenómeno, das homenagens, uma virtude: a de trazer a música dos mestres para o convívio das gerações mais novas, provocando nelas, como já aconteceu nalguns casos (Paulo Bragança ou a própria Dulce Pontes, por exemplo) o desejo de retomar e actualizar a tradição.