Arquivo mensal: Março 2015

Diamanda Galàs – “Plague Mass”

Pop Rock

15 MAIO 1991

MISSA DO CORPO AGONIZANTE

DIAMANDA GALAS
Plague Mass

LP duplo e CD, Mute, distri. Edisom

dg

A 10 de Dezembro de 1989, Diamanda Galas é presa por conduta desordeira e provocatória, ao interromper uma missa celebrada na Catedral de St. Patrick. Em Agosto, do ano seguinte, o Governo italiano acusou-a de blasfémia contra a Igreja Católica, por ocasião de uma “performance” de “Plague Mass”, celebrada no Palácio dos Medici. À Igreja Católica parece não ter servido de emenda. Passados três meses sobre a acusação, nos dias 12 e 13 de Novembro, a Catedral de St. John, The Divine, em Nova Iorque, a segunda maior do mundo, abria as suas portas à herege, autorizando a profanação. Para o padre Conrado Balweg, a essência da missa celebrada por Galas trata apenas da “libertação do jugo da opressão”. Cabe à instituição religiosa a última palavra.
“Plague Mass” sumaria e potencia a trilogia “Masque of the Red Death”, acrescentando-lhe a força suplementar do som ao vivo e a carga simbólica proporcionada pela sobreposição do “negro” ao “branco” conotado com o local da realização. De facto, não deverá ser vulgar ver no interior de uma catedral uma mulher nua da cintura para cima, envolta em fumos e luzes vermelhas, banhando o corpo desnudo e possesso em sangue ritual. Foi isso mesmo que aconteceu em St. John, nesses dois dias em que ao Diabo foi dada permissão para entrar. O disco permite imaginar o caos. Terrífica como nunca, a voz de Diamanda Galas (com uma extensão de três oitavas e meia que lhe permite ir do soprano ao tenor), abandona-se à histeria, na sucessão de gritos impossivelmente agudos de “There are no more tickets to the funeral”, que ocupa a totalidade do lado A do primeiro disco. Espectáculo da morte. Acusação enfurecida contra todos os que deixam morrer milhares de seres humanos, por vergonha de olhar, e que na morte e sofrimento alheio encontram motivos justificativos de uma moral apodrecida. Só nos Estados Unidos, o número de vítimas da sida ascende já a um total equivalente ao dos soldados americanos mortos na II Guerra Mundial. Michael Flanagan, presidente da Documentation of AIDS Issues and Research Foundation compara “Plague Mass” ao “Requiem”, de Benjamin Britten, pelas vítimas daquele conflito. “Foste testemunha?” – a questão, repetida até à exaustão enquanto não se obtiver uma resposta satisfatória. “This is the law of the plague” abre o segundo lado. A voz fundida com a electrónica, sobre as monstruosas percussões de David Linton e Ramon Diaz. Texto do “Leviticus”, a lei antiga, capítulo 15 do Antigo Testamento. “I wake up and I see the face of the devil”, gospel torturado que prolonga ainda mais a agonia. Tempo de “Confissão” – “nessa casa nao há tempo para compaixão, apenas para a confissão/ no teu leito de morte apenas querem saber uma coisa/ se confessas.” Depois, a grande blasfémia – “Give me sodomy or give me death”. Disco dois – “How shall our judgement be carried out upon the wicked?”. Textos das “Revelações” e de Malcolm X. Durante “Consecration”, o corpo e a voz de Galas cobrem-se de sangue. “Este é o meu corpo, este é o meu sangue” – a blasfémia parece não ter limites. O sangue dos PWA (Person with AIDS, “pessoas com sida”) é comparado ao de Cristo. Recuperados de “The Divine Punishment”, as imprecações de “Sono l’antichristo”, lançadas ao Senhor no interior da sua própria casa, e o grito de “Cris d’aveugle”, solto do inferno, por Tristan Corbière. Por fim, “Let my people go” – “o diabo decidiu a minha morte/ e espera até ter a certeza/ de que todas as suas ovelhas negras/ morram antes de ser descoberta a cura”. A audição de “Plague Mass” pode constituir uma experiência, libertadora para uns, traumática para outros. A interface voz/electrónica, humano/máquina permite todas as liberdades ou todas as aberrações, consoante a perspectiva. Electrónica, aqui manipulada por Blaise Dupuy e Michael McGrath, que, na óptica da cantora, tem a grande vantagem de “tornar a besta mais visível”. Ópera do “Fim dos Tempos”, “Plague Mass” solta todos os fantasmas, liberta os ódios mais recônditos, incendeia mesmo os espíritos mais adormecidos. Declaração de guerra sem tréguas aos sentidos e às mentes aprisionadas nas morais instituídas. Canto do corpo agonizante. Impossível a indiferença, diante da chaga aberta, de onde escorre o sangue e o sofrimento.

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Yes – “Union”

Pop Rock

8 MAIO 1991

YES
Union

LP/MC e CD, Arista, distri. BMG

yes

A história conta-se em poucas palavras. O espírito dos Yes fora apartado da lendária designação. Motivos: a saída de Chris Squire, dono da patente, digamos assim, de um simples, mas precioso, “Sim”, que, por capricho ou má disposição, impediu os outros de usarem. É um bocado a história de Vítor Rua versus GNR. Assim, Jon Anderson, Bill Bruford, Rick Wakeman e Steve Howe continuaram, mas só com os nomes próprios. Entretanto, sob a influência das vibrações pacifistas da “nova idade” e por um misterioso encadeamento de coincidências, deu-se a união das duas facções, daí o título do disco. Para não ferir susceptibilidades, ninguém ficou de fora. Aos quatro nomes já citados juntaram-se os de Squire, Tony Kaye (da formação original dos Yes), Trevor Rabin e Alan White, o que na prática significa que o grupo passou a ter dois teclistas (Wakeman e Kaye), dois percussionistas (Bruford e White) e dois guitarristas (Howe e Rabin). De notar que, para uma daquelas especialidades foram ainda convocados mais cinco ou seis músicos de estúdio… Quanto à música, nada mudou desde os tempos de “Close to the Edge” e “Tales from Topographic Oceans” – as mesmas vocalizações andróginas de Jon Anderson, o misticismo dos temas (agora enfeitados com uns toques de “modernidade”), servidos a preceito e como montra para cada músico exibir as suas habilidades. Até a capa é assinada por Roger Dean. Disco inofensivo, mesmo a calhar para todos aqueles que não repararam na passagem dos últimos vinte anos. **

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Toyah Willcox – “Ophelia’s Shadow”

Pop Rock

8 MAIO 1991

TOYAH WILLCOX
Ophelia’s Shadow

LP e CD, E.G., distri. Edisom

toyah

Actriz, cantora e casada com Robert Fripp, Toyah passou em pouco tempo de “punk” mal amanhada a dama do “music-hall”, ou quase… O actual marido pegou-lhe na carreira e deu-lhe a volta. O pior é que, por mais voltas que lhe dê, a carreira da senhora teima em avançar devagarinho, sobretudo em termos de vendas de álbuns, já que os singles lá vão conseguindo chegar aos tops. Vai-se mudando o estilo até encontrar a receita mágica. No álbum estreia (“The Blue Meaning”) era a poesia, longas histórias de encantar adultos (o título sugere os “blues minnies” do desenho animado “Yellow Submarine”), pontuadas pelas “frippertronics” do marido. “Prostitute” procurava ser experimental e ao mesmo tempo fazer dançar. Não era mau disco. “Ophelia’s Dream”, de ressonâncias shakespeareanas, a recordar tempos passados, opta pelo meio termo, com nítida influência da vertente discretamente equilibrada e muito “crafty guitarists” de Fripp (que co-assina dois temas) e procurando a todo o custo uma aura de mistério e sensualidade. Refira-se, a propósito, que a voz de Toyah cada vez mais se vai tornando, em todos os aspectos, uma cópia muito perfeita da de Kate Bush. Sobra-lhe em mimetismo o que lhe escasseia em originalidade. Como será a fase seguinte? **