Arquivo mensal: Fevereiro 2012

Lisa Gerrard & Patrick Cassidy – “Immortal Memory”

06.02.2004

Lisa Gerrard & Patrick Cassidy
Immortal Memory
4AD, distri. MVM
6/10

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Agasalhem-se, bebam uma aguardente, cheguem-se perto da lareira. Lisa Gerrard, a voz de mármore dos Dead Can Dance e This Mortal Coil, passeia-se pelo cemitério numa noite de luar. “Immortal Memory” depura o gótico e as recriações de música antiga dos Dead Can Dance, com toques de “folk” e mitologia céltica (Cassidy é um compositor irlandês que a cantora conheceu quando trabalhava na banda sonora de “Gladiador”) e uma grandiosidade expressa em grandes massas orquestrais, numa produção tumular e em canções que sugam a alma até esta ficar da cor de um lençol. “The Song of Amergin” poderia passar por Enya do outro lado do espelho, na banda sonora de uma versão de terror de “O Senhor dos Anéis”, com Lisa a invocar a entidades do além com os seus cânticos de diva sonâmbula. A partitura de Howard Shore para o filme de Peter Jackson parece ser, de resto, a principal referência de “Immortal Memory”, ao nível dos arranjos, a julgar por orquestrações como as de “Maranatha” e “Armegin’s Invocation”, esta a roçar a clonagem… Evocam-se lendas e rituais solenes, perdidos no tempo e na memória mas os grandes glaciares desta música que dança, mais ou menos ostensivamente, com a morte, têm efeitos bem mais profundos na obra dos The Zone, Lustmord ou nas inultrapassáveis e temivelmente belas litanias de “Zamia Lehmanni (Songs of Byzantine Flowers)”, dos SPK.

Wim Mertens – “Skopos”

06.02.2004

Wim Mertens
Skopos
Usura, distri. Megamúsica
6/10

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Wim Mertens tem um dilema. Empenhado na criação de uma obra monumental, nalguns casos impenetrável, dispersa por trilogias, tetralogias e infinitologias, sente-se, por outro lado, impelido a mostrar um lado mais acessível e “fácil” da sua música. “Skopos” pertence à categoria do Mertens “ligeiro” e “mainstream”. Armado do seu “ensemble”, o compositor flamengo cria um híbrido de estilos e sonoridades exóticas capazes de seduzir o ouvido pelo imediatismo. Flamenco e música árabe fazem a sua aparição em “Add growth can be heard”, “Further Hunting” é pretexto para percussões em compasso de “house” subliminar e “Swirling backwards” reinventa o lado erudito dos Tuxedomoon, enquanto “From out of which” retoma as velhas poanadas num registo pop próximo dos Penguin Cafe Orchestra e “Bold forgetting” e “Working the Ploughs” apostam no minimalismo romântico que depois de “O Piano” de Nyman não cessou de se repetir. Sem dúvida bonito, mas longe da estranha música de “Vergessen”, “Struggle for Pleasure” e “Maximizing the Audience”, aqui apenas igualada pelo belíssimo ( e Nymaníssimo…) epílogo, “Bewildering din”.

Tied & Tickled Trio – “Observing Systems”

23.01.2004

Tied & Tickled Trio
Observing Systems
Morr Music, distri. Ananana
8/10

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“Observing Systems” (termo criado no início dos anos 70 pelo teórico de sistemas cibernéticos Heinz von Foerster), quarto álbum da dupla germânica formada por Markus (bateria, programações) e Micha Acher (trompete, baixo), mistura estilos e sonoridades com o desplante de quem tem à sua disposição os arquivos da grande enciclopédia de música universal. “The long tomorrow” faz interagir o jazz, a electrónica e o pós-rock com Misha a empolgar-se numa personificação energética do Miles Davis de “In a Silent Way”, bem secundado pelos devaneios “free” de Johannes Enders, no sax tenor. Mas logo tudo se fragmenta em refracções “dub” ou atraindo a si os miasmas de nostalgia dos Tuxedomoon. Sucessivamente, vão emergindo paisagens “trip hop”, “avant jazz” e até, em “Motorik”, uma leitura bastante livre e jazzística do krautrock dos Neu!. Thelonius Monk e Sun Ra são igualmente objecto de presumíveis homenagens, respectivamente em “Ship Monk” e “Radio Sun”. A observação da observação leva a uma nova compreensão da realidade”, diz Foerster e os T&TT põem em prática. Delírio quântico ou regurgitação de informação em excesso, seja como for, está bem observado.