25.03.2005
Cristina Branco – A Exploradora Que Às Vezes Viaja Pelo Fado
LINK (“Sensus”)
Chegou a causar polémica a questão de se saber se Cristina Branco é fadista, cantora de fado ou nem uma coisa nem outra mas simplesmente uma cantora que também gosta de cantar fados. O imbróglio iniciou-se com os primeiros discos, como “Post-Scriptum”, quando Cristina tinha sede exclusiva da sua carreira na Holanda. Era então uma “fadista” exilada que no seu próprio país era encarada com certa estranheza.
Os últimos trabalhos, porém, baralharam a questão. “Corpo Iluminado” e, sobretudo, “Sensus”, inspirado na poesia erótica, mostravam já uma voz e uma sensibilidade adultas que de modo algum se confinavam ao universo do fado. “Ulisses”, o novo álbum, que apresenta amanhã no S. Luiz, em Lisboa (esta semana, ainda, quinta-feira em Aveiro), consuma a ruptura. Apenas um fado, “gaivota”. Todo o restante alinhamento respeita um outro roteiro de referências que passam pela música popular urbana. Em “Ulisses” Cristina Branco recusa terminantemente o epíteto de “fadista”. Não é um álbum de fados nem de fado mas um alinhamento, cuja lógica secreta apenas a sua intérprete detém, que inclui as assinaturas de Fausto, Vitorino, José Afonso e… Joni Mitchell. Custódio Castelo, como é hábito, completa musicalmente a maior parte do disco, com a sua guitarra portuguesa e uma inspiração que vai buscar inspiração ao fado, a Paredes, à música árabe e a outras tradições algumas delas existentes apenas dentro da sua cabeça. Cristina Branco dá voz e alento a visões poéticas construídas com as palavras de Camões, Vasco Graça-Moura, José Luís gordo, Júlio Pomar, David Mourão-Ferreira e Paul Éluard.
Os velhos do Restelo ficam com os cabelos em pé, perante tanta e tamanha diversidade. A esses Cristina Branco faz ouvidos de mercador, prosseguindo um caminho que ela própria não sabe onde desembocará mas que forçosamente será da sua inteira e exclusiva responsabilidade. “Ulisses” é o disco das “vontades” e dos “desejos” da cantora, quase mimando os caprichos da mulher grávida, situação que viveu de facto e foi determinante na economia emotiva de “Ulisses”. “Ulisses” é o filho de uma cantora que não quer ver barreiras na linha de horizonte mas cujos pontos de exclamação são, ao mesmo tempo, pontos de interrogação. São vários os sentidos. Os sentidos que sentem, os sentidos que são setas, os sentidos que são dor. Os sentidos que também são línguas. Além do português, o sotaque brasileiro, o castelhano, o francês (na “Liberté” de Paul Éluard) e o inglês (em “A Case of You” de Joni Mitchell) são os idiomas usados em “Ulisses”, como ferramentas de um trabalho de exploração e descoberta. Poderiam parecer sinais de inquietação (e também são…) mas, mais do que sinais, são a carne e o espírito de canções provenientes de muitos mundos que Cristina Branco quer experimentar e transforma em verbos conjugados na primeira pessoa. Experiências alheias que se tornam suas. E no palco, a experiência amor e mais arriscada: a recusa de máscaras e a exposição nua no quadro da sua própria interioridade. Cristina Branco, por mais longe que a sua personalidade vá em busca de novas vivências, é sempre Cristina Branco. A exploradora. Que às vezes, quando o seu coração passa por lá, até canta o fado.
Cristina Branco
Sábado | 26
Lisboa | Teatro Municipal de S. Luiz
R. Antº Maria Cardoso, 38-58. Às 21h00. Tel.: 213257650. Bilhetes: €19,5 a €25,5. Na sala principal.
Quinta | 3
Aveiro | Teatro Aveirense
Pç. República. Às 21h30. Tel.: 234400920. Bilhetes: €17,5 (plateia); €15 (balcão)