Arquivo mensal: Março 2010

Jimmy Page e Robert Plant – Walking into Clarksdale

03.04.1998
“Walking into Clarksdale” é o segundo álbum fruto da colaboração de Jimmy Page e Robert Plant, as duas figuras carismáticas dos Led Zeppelin, banda seminal do heavy metal dos anos 70. Estão agora mais maduros e seguros de si. E tradicionais.

LINK (Parte 1)
LINK (Parte 2)

No final dos anos 60, início dos 70, era tudo uma questão de pureza: ou alucinação pura ou adrenalina pura, conforme o ácido empurrava o cérebro para pôr em ordem o psicadelismo no quadro mais seguro do progressivo ou obrigava o corpo a descarregar doses maciças de electricidade e óleos pesados de hard rock. Os Led Zeppelin, desde o início, confundiram um pouco estes dois conceitos.
Em 1969, ano de lançamento do álbum de estreia do grupo, intitulado simplesmente “Led Zeppelin”, o rock visceral com as bases bem firmes nos blues não dispensava a companhia de melodias psicadélicas, que iam buscar a sua inspiração à música e ao misticismo orientais. Ao longo de toda a carreira e discografia dos Led Zeppelin, até ao seu capítulo final, “In Through the out door”, de 1979, foi notória esta dicotomia entre a procura de uma beleza depurada próxima das raízes tradicionais e o lado mais violento e visceral do rock’n’roll. Dicotomia que atingiu a sua máxima expressão no fabuloso quarto álbum do grupo, editado em 1971, conhecido como o dos quatro símbolos, com a inclusão do celestial “Staiway to heaven” e a participação da diva da folk music britânica, Sandy Denny (entretanto falecida), no tema “The Battle of Evermore”. Acrescente-se que nomes da cena folk inglesa da época, como Bert Jansch, os Incredible String Band e Roy Harper faziam parte do leque de preferências de Jimmy Page e de Robert Plant, respectivamente guitarrista e vocalista dos Led Zeppelin.
Jimmy Page e Robert Plant são os dois personagens principais de uma história marcada pela magia negra (um dos “hobbies” de Page) e pelo infortúnio (o baterista da banda John Bonham morreu e apressou as exéquias do grupo) que agora renasce com um novo capítulo nos anos 90. E esta ligação antiga com a música tradicional é fundamental para a compreensão das novas direcções musicais seguidas por esta dupla que, em 1994, lançou o álbum “No Quarter” (que incluía ainda versões de temas dos Zeppelin como “Gllows pole” e “Kashmir”) e agora acaba de assinar a continuação com a edição do novo “Walking Into Clarksdale”.
“No Quarter” bebia a inspiração nos ritmos africanos. A digressão que se lhe seguiu contava com a participação de uma miniorquestra de músicos egípcios, em “Kashmir”. Refira-se ainda que um dos músicos da banda que acompanhava os dois “zeps” no álbum e nos espectáculos ao vivo era o tocador de sanfona Nigel Eaton, membro ilustre da folk inglesa e ex-elemento dos revolucionários Blowzabella.
O novo projecto retoma esta convivência com as sonoridades tradicionais, nomeadamente com amúsica árabe, numa altura em que tanto Page como Plant não escondem a sua admiração por artistas como os Transglobal Underground (cujo teclista toca numa faixa do novo álbum, “Most High”), o grupo de percussões “sikh” The Dhol Foundation e a cantora de ascendência árabe Natasha Atlas. Antes, já Jimmy Page viajara pelo Nordeste do Brasil e Plant pela rota da seda, na Ásia Central.
O álbum foi gravado nos estúdios Abbey Road e uma das maiores surpresas foi a escolha para produtor de Steve Albini, responsável por trabalhos com os Nirvana, P.J.Harvey, Rapeman, Bush, Big Black e Pixies e conhecido como um “ditador” que costuma impor, a todo o custo, as suas ideias. Não é essa, porém, a opinião dos dois Led Zeppelin. Para eles tratou-se tão-só de uma questão de disciplina e de sintonia, até tendo em conta que qualquer dos projectos atrás enunciados dependem, em grande parte, da presença das guitarras, que constituem um dos trunfos musicais da dupla. Considerando que Jimmy Page é considerado um dos maiores guitarristas de rock de sempre, tratou-se então de tirar o máximo partido de uma abordagem que, neste álbum, é fundamentalmente espontânea e ambiental.
Steve Albini funcionou, neste caso, como o homem de vastos recurso stécnicos que, segundo Plant, “soube colocar o microfone nos sítios certos” e que não se sentiu constrangido com a reputação dos artistas envolvidos, emitindo a sua opinião própria sobre o desenrolar das gravações, distinguindo “as ideias que resultam” das que podem singelamente ser rotuladas como “merda”. O resultado final não defrauda as expectativas nem o passado do grupo, ainda que, como reconhecem tanto Plant como Page, “seja impossível, à medida que a idade aumenta, arrebatar indefinidamente uma audiência jovem e viril”. Sosseguem, porém, aqueles que ainda sentem os ouvidos a zunir com a batida infernal de “Whole Lotta Love”” e “Moby Dick”, porque Robert Plant e Jimmy Page estão longe de ter chegado à andropausa.

Poemas Com Adrenalina – Anabela Duarte Lança Disco De Poesia

28.02.1998
Anabela Duarte Lança Disco De Poesia
Poemas Com Adrenalina
Poesia mais música era a fórmula utilizada por Os Poetas em “Entre Nós e as Palavras”. Poesia e voz chegaram para fazer “O Horizonte Basta”, um livro e um disco em que a voz de Anabela Duarte reinventa as palavras dos poetas Paulo da Costa Domingos e Hélder Moura Pereira.

LINK (Subtilmente – 1991)

É um objecto singelo. Um livro pequeno, em edição bilingue (português e inglês), com os poemas de Paulo da Costa Domingos e Hélder Moura Pereira impressos, serve de embalagem a um CD com esses mesmos poemas ditos/cantados/transformados pela voz de Anabela Duarte, para quem ainda se lembra, a antiga cantora do grupo pop mler Ife Dada. Chama-se “O Horizonte Basta”, saiu com o selo Frenesi e reproduz, em condições técnicas não muito famosas, um espectáculo ao vivo realizado em 1991, por altura do décimo aniversário daquela editora.
“Este disco reproduz um desses recitais, com uma peça onde a Anabela encontrou na nossa poesia pontos de contacto ou, pelo menos, pontos onde o significado que ela acrescenta pela voz ao texto nos aproxima”, explica Paulo da Costa Domingos, poeta (autor de “Carmina” e “Vaga”, estando para breve a publicação de “Campo de Tílias”) e editor da Frenesi, um selo que muito em breve passará também a editar álbuns de música. “O som é muito rudimentar, de ‘bootleg’, mas foi assumido assim mesmo, como um arquivo de uma casa editora. A mim não me choca. Os próprios Sonic Youth já gravaram um disco pelo telefone, dos Estados Unidos para Barcelona.”
Em “O Horizonte Basta” a única máquina a servir de suporte à voz de Anabela Duarte é um módulo de reverberação, adicionando à leitura/canto, por vezes, efeitos de “delay”. “O resto é tudo acústico”, garante a cantora, para quem “a palavra discursiva não interessa”. “Este disco é um exemplo flagrante disso mesmo, uma espécie de antidiscurso. Ao fim e ao cabo isto é uma abordagem lírica da palavra, uma dimensão canora e fonética.”
A publicação, escrita, dos poemas, aparece “para a pessoa que ouve o disco poder confrontar o texto donde ela partiu com o trabalho de criação que ela teve”, acrescenta Paylo da Costa Domingos, que destaca o facto de, no modo como Anabela Duarte diz os poemas, “haver uma ruptura com a dicção teatral, em que se tenta seguir escrupulosamente a palavra, acrescentando-lhe uma ênfase que acaba por trair o poema”.
Para o poeta há neste exercício poético-fonético de Anabela Duarte uma “revitalização”, colocando o poema “num plano de sentido diferente mas que não traiu aquilo que é a palavra escrita, que, na essência, cumpre uma função silenciosa com o leitor – leitor que na interpretação da anabela é muito mais esmagado por um clima que o trespassa”.
“Tanto eu como o Hélder Moura Pereira, que além de poeta [publicou, entre outras obras, “A Última Lua da Lua de Outouno”, “Em Cima do Acontecimento” e “Nem por Sombras”] também escreve sobre música, estando ligado às novas experiências de vanguarda, não nos sentimos chocados, até porque qualquer um de nós não pertence àquela geração que se choca quando ouve os seus poemas ditos. Nós estamos no pólo oposto.” Para Paulo da Costa Domingos apenas há poemas indizíveis “porque a poesia portuguesa está viciada por uma leitura académica”. “Hoje a maior parte da poesia portuguesa é produzida por professores, não é produzida por indivíduos do quotidiano. Não temos uma tradição de oralidade como têm os americanos ou os alemães. Se houvesse essa tradição, a própria natureza, o momento da história da poesia portuguesa seria hoje forçosamente diferente, teria um timbre e uma sonoridade diferente e não haveria tantos desse poemas ‘indizíveis’.”
O trabalho de Anabela Duarte em “O Horizonte Basta” poderia evocar experiências paralelas, e levadas a cabo com outros meios, de artistas como Anne Clark ou Anna Holmer. A cantora que em 1988 gravou a solo o álbum “Lishbunah”, embora admita gostar da obra da primeira, distancia-se dela: “Tem um suporte musical, cantando quase em voz ‘off’, o meu trabalho é mais vocal, dimensão que ela não possui.”
“Entre Nós e as Palavras”, o álbum de poesia musicada lançado o ano passado por Os Poetas, “pelo apoio e sucesso que teve, abriu, de facto, as portas a outros projectos deste género”, reconhece Paulo Costa Domingos. Todavia, em sua opinião esse até nem terá sido o disco mais vendido nessa área específica: “Tanto quanto ouvi dizer, o disco que vendeu mais depressa foi o do Sinde Filipe a dizer Fernando Pessoa.”
Poesia dita. Numa altura em que se lê cada vez menos, a edição de discos de poesia não terá o efeito perverso de aumentar ainda mais essa perversidade? “Talvez isso aconteça nos tais casos em que há uma dicção teatral que oferece certas facilidades. Não é preciso ler o livro, basta ouvir o actor a dizer. Mas quando se vai a um supermercado e se compra um disco da Diamanda Galas, não se tem facilidades nenhumas mas sim o confronto com uma agressividade. É uma opção estética. É isso que me interessa, algo que possa, não especificamente agredir o ouvinte, como é o caso de Diamanda Galas, mas que possa inquietá-lo, tirá-lo de uma certa letargia no sofá”.
“O Horizonte Basta” de certeza que não é para se ouvir no sofá. “É uma grande descarga de adrenalina”, garante Anabela Duarte.
Discografia de Anabela
Anabela Duarte pode ser ouvida com os Mler Ife Dada nos álbuns deta banda “As Coisas Que Fascinam” e “Espírito Invisível” e no maxi-single “Coração Antibomba” e, a solo, no álbum “Lishbunah” e no maxi-single “Subtilmente”.

Negros De Luz Juntam Erudito E Popular

23.01.1998
Negros De Luz Juntam Erudito E Popular
Serialismo Para As Massas

“Negros de Luz” é o nome de um novo agrupamento cujo reportório se divide pela música de José Afonso, Luís de Freitas Branco, Frederico de Freitas, Fernando Lopes-Graça, Sérgio Godinho, Vitorino e Carlos Canelhas e por composições próprias com base em poemas de poetas portugueses deste século, nua série de 14 poemas com a designação “As Canções da Inquietação”

Com produção de António Pinheiro da Silva, os Negros de Luz iniciaram no sábado passado as gravações do seu álbum de estreia, nos estúdios Tcha Tcha Tcha.
O grupo, dirigido pelo maestro e compositor Jorge Salgueiro, inclui quatro vozes (Juliana Telmo, soprano, Dolores de Matos, contralto, Carlos Ançã, tenor, e Carlos Cóias, baixo), quarteto de cordas (António Barbosa, violino, Paulo Viana, violino, Susana Cordeiro, violeta, e Carlos Faria, violoncelo), piano (Óscar Mourão) e percussão (José Carinhas), num total de onze elementos, todos com formação clássica. O espectáculo de apresentação ao público de Lisboa terá lugar no próximo dia 30, na Estufa Fria, pelas 21h30.
No folheto de divulgação deste novo projecto da música portuguesa, podem ler-se, relativamente aos seus pressupostos estilísticos, termos como “tonalidade”, “atonalidade”, “politonalidade”, “modalidade” e “serialismo”, pouco habituais num formato pop. Levantada a suspeita de que, afinal, os Negros de Luz não seriam propriamente um grupo de música popular, nada melhor do que falr com o seu mentor, Jorge Salgueiro, para esclarecer este e outros pontos que tornam, para já, os Negros de Luz, num verdadeiro enigma.
“Negros de Luz” é uma designação estranha. Jorge Salgueiro não quer explicá-la. Apenas concede que “há algo filosófico por trás do nome” que as pessoas poderão tentar decifrar.
O grupo começou pela encomenda de dosi concertos dirigida a Jorge Salgueiro feita pela Câmara de Palmela, integrada nas comemorações do 25 de Abril, que se realizaram em 1995. “Na altura, fizemos o Lopes-Graça e José Afonso”. No final desse concerto alguns dos músicos contratados acharam que se trtava e um projecto que seria curioso continuar, pedindo a Jorge Salgueiro que o trabalhasse.
Desde o início que os Negros de Luz ”estão entre duas barreiras”, explica, “o erudito e o popular”. Uma barreira que o grupo tenta romper, embora reconhecendo que interpretam sobretudo canções. “A ideia foi buscar aquilo que melhor se fez em Portugal no campo da canção, em todas as áreas musicais.”
O ciclo das “Canções da Inquietação” representa, por sua vez, o lado da composição original. São 14 canções compostas por Jorge Salgueiro com base noutros tantos poemas de poetas portugueses do séc. XX: “Porque”, de Sophia Mello Breyner Andresen, “Fastio”, de Alberto Pimenta, “Na Ribeira deste Rio”, de Fernando Pessoa, “Issilva”, de Alexandre =’Neill, “Mal te olhei, quando te vi”, de António Aleixo, “Lisboa Romântica”, de Ernesto de Melo e Castro, “Comunhão”, de Miguel Torga, “Vá, gambozino”, de Pedro Tamen, “E por vezes”, de David Mourão-Ferreira, “Nambuangongo meu amor”, de Manuel alegre, “Poema para o meu amor doente”, de Eugénio de Andrade, “Estética do Grito”, de José Gomes Ferreira, “O Atol dos amores”, de Vasco Graça Moura, e “Fim”, de Mário de Sá-Carneiro. “A lógica não foi escolher poetas que enquadrassem uns nos outros, mas sim escolher poemas onde estivesse presente uma determinada musicalidade.”
Os Negros de Luz não são humildes nos seus objectivos. “Como criador”, diz Jorge Salgueiro, “acredito que a música contemporânea não tem que estar, necessariamente, desligada do público. aliás, muitos compositores eruditos foram bastante populares no seu tempo. É necessário repensar a música contemporânea a esse nível, já que existe, presentemente, um afastamento entre o público comum e o que se faz de mais avançado.”
No próximo dia 30, na Estufa Fria, se verá de que forma é que os contrastes musicais cultivados pelos Negros de Luz terão, além de estética, a conotação “politizante” que pretende imprimir-lhe Jorge Salgueiro, um músico urbano e cosmopolita que confessa ser ouvinte habitual e apreciador de música tecno.