05.06.1998
Pop Rock
Ofélia, A Mulher-Canhão
Natalie Merchant
Ophelia (5)
Elektra, distri. Warner Music
Ofélia, a mulher-canhão, é uma das personagens do segundo projecto a solo da antiga cantora dos 10.000 Maniacs, depois da estreia com “Tigerlily”. “Ophelia” é um disco e um filme com o mesmo nome, este último realizado por Mark Seliger e Fred Woodward. O filme é um documentário que inclui teatro, música, dança, “design” de roupa e um “script”, em que Merchant desempenha uma série de personagens, cada qual com o seu discurso próprio, que são referidas no título-tema do disco e retratadas na capa: a mulher fatal, a prostituta, a freira, a propagandista partidária e a tal mulher-canhão, entre outras. Natalie Merchant assume-se desta forma como uma contadora de histórias que não correspondem necessariamente a aspectos autobiográficos. Se usa a primeira pessoa do singular nas suas canções, isso deve-se, diz, a que essa é a melhor maneira de poder atingir um certo intimismo.
Em teoria “Ophelia” tinha todas as condições para ser um lugar de cruzamento de emoções equivalentes a diferentes cambiantes musicais. Tal não acontece, porém. Natalie Merchant não é, manifestamente, uma actriz do calibre de uma P.J.-Harvey ou de uma Lisa Germano. O seu mundo é mais restrito, assim como mais reduzidas são as suas ambições musicais.
“Ophelia”, para além de uma tonalidade “retro” simpática, flirta com uma “country” de câmara, intimista como a sua autora pretendia, mas pouco estimulante. Tudo se circunsceve ao mundo de trazer por casa de toda uma geração recente de “singer-songwriters”, neste caso cheirando aos anos 70, com a cantora a passar perfeitamente por uma versão feminina de Don McLean, num tema como “My Skin”, adoçado (como muitos outros, ao longo do disco) por um naipe de cordas, numa sonolência que se confunde com a auto-indulgência. “Onde é que já ouvimos isto antes?” é a pergunta que apetece fazer a propósito de cada canção.
E, no entanto, houve uma produção que não se poupou a esforços para arranjar músicos e colaboradores de gabarito. “Ophelia” contou com Karl Berger – nome grande do jazz – para fazer uns arranjos, pôs uma guitarra acústica nas mãos do zairense Lokua Kanza e outra nas de Daniel Lanois, meditou em conjunto com o cantor tibetano Yungchen Llhamo e com N´dea Davenport (ex-Brand New Heavies), oferecendo até, no último tema, um grupo inteirinho de música antiga, os Fretwork, a Gavin Bryars, para este fazer dele o que quisesse. Fez nove minutos d epura chatice que tornam os também chatos Hope Blister um monumento do barroco. Tudo espremido, porém, o que escorre do cano do canhão é um fio de cançonetas, sem dúvida honestas, mas que acabam por revelar as óbvias limitações de Natalie enquanto compositora. A “Ophelia”, dedicado ao “poeta visionário” Allen Ginsberg, falta precisamente visão.