Ray Davies – The Storyteller

20.03.1998
Para Onde Foram Os Bons Velhos Tempos?
Ray Davies
The Storyteller (8)
EMI, distri. EMI-VC

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Sobre quem foi o maior compositor de canções pop dos anos 60, que é o mesmo que dizer o maior compositor de canções pop de sempre, as opiniões dividem-se entre Paul McCartney, Brian Wilson e Ray Davies. A resposta ficará para sempre provavelmente por responder mas dos três, Ray Davies será aquele que terá lançado mais sementes nas gerações mais novas da pop inglesa, para quem o compositor e os eu grupo de sempre, os Kinks, representam uma fonte de inspiração quase sagrada. Entre os herdeiros mais visíveis da pop excêntrica de Davies contam-se os Blur, Pulp, boo Radleys, Sleeper e Divine Comedy, ou o menos mediático Martin Newell.
35 anos passados sobre a fundação dos Kinks com o seu irmão Dave, em 1963, Ray Davies acaba de lançar finalmente – espanto dos espantos – o seu primeiro álbum a solo, com o título, muito apropriado, de “Storyteller”. O contador de histórias. O presente registo é inseparável da autobiografia, intitulada “X-Ray” (Ray é raio, raio x, uma radiografia do autor…) publicada por Ray Davies em 1995. Na sua apresentação, durante uma sessão de autógrafos em que Davies lia excertos do livro, alguém lhe perguntou por que não intercalava a leitura com a apresentação de algumas das suas canções. a ideia ficou, sendo agora posta em prática num álbum com novas versões de clássicos dos Kinks registados ao vivo ao longo da recente digressão “20th Century Man / The Storyteller”, acopladas a dois inéditos de estúdio, “Storyteller”, a abrir o disco, e “London song”, a fechar.
“Storyteller” conta uma das histórias possíveis da vida e da carreira do autor de “Waterloo sunset”, a canção que melhor retrata a Londres dos anos 60 e um dos clássicos da discografia pop de todos os tempos e, agora, também o título de um novo livro de Ray Davies, já editado. Ao todo estão reunidos nesta espécie de manifesto espiritual de Ray 30 faixas que incluem vários diálogos e uma versão instrumental de “Set me free”.
Os dois originais têm importâncias diferentes. “Storyteller”, nas suas cores “country”, é uma introdução pouco mais que simpática. “London song”, em duas versões, uma ao vivo, mais doce, outra em estúdio, mais carregada de electricidade e de raiva e muito chegada ao discurso de Dylan, é outra coisa. Instantes de magia em que a força poética das palavras se junta ao génio criadorde melodias memoráveis.
O resto é uma viagem solitária que está longe de ser apenas nostálgica, apresentada em tom coloquial, por pérolas como “Victoria”, “tired of waiting” (com o público a cantar sozinho partes da canção), “Autumn Almanac”, “Set me free” e “You really gor me2. A veia satírica, desde sempre explorada por Ray Davies, continua bem acesa e acutilante, logo no primeiro e sarcástico monólogo “My name” ao qual se segue o violento “20th Century man”. A voz do “dandy”, que neste tema se estende até ao grito, e uma guitarra acústica, são armas suficientes para manterem Ray Davies bem enraizado neste século. De resto, os próprios Kinks nunca cessaram a sua actividade desde os tempos longínquos da sua formação, continuando a editar novos álbuns até aos dias de hoje.
O tom jazzístico, entre Tom Waits e a Broadway, explorado em obras mais recentes dos Kinks, aparece em “that old black magic”, “Art school babe” e “X-Ray”, este último ao nível do melhor do músico, enquanto melodista.
“The Storyteller” atravessa incólume três décadas de música popular. Ao contrário do seu arqui-rival, Paul McCartney, Ray Davies não envelheceu como autor, recuperando para os anos 90 a beleza mortífera de uma Inglaterra que, para utilizar as suas palavras, evoluiu do imperialismo das classes altas para o totalitarismo comunista, até estagnar na mediocridade pura. Ray Davies continua a perguntar: “Where have all the good times gone?”

Nota:
Discografia fundamental dos Kinks:
“Face to Face” (1966)
“Something Else” (1967)
“The Kinks are the Village Green Preservation Society” (1968)
“Arthur or the Decline and fall of the British Empire” (1969)
“The Kinks, Part 1: Lola versus Powerman and the Moneyground” (1970)
Reedições:
“The Kinks Box Set – Remastered” (1995)
“The Singles Collection” (1997)

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