Luétiga – Càntabros (conj.)

17.03.2000
Folk
Almoço para Obélix

luetiga_cantabros

Situada no Norte de Espanha entre as Astúrias e o País Basco, a Cantábria é permeável às influências musicais destas duas regiões, arrastando-se há anos as discussões em torno das suas origens e da sua autonomia. Aos Luétiga (que actuaram em Portugal, na Amadora, no âmbito do Festival ligado ao Prémio José Afonso) tem pertencido um louvável trabalho de pesquisa e divulgação desta música fortemente marcada pela vertente céltica. “Càntabros” é o quarto álbum desta banda, actualmente uma das melhores de Espanha, depois de “La Ultima Cajiga”, “Nel ‘El Vieju” e “Cernéula”.
Um trabalho maduro e seguro que recupera tradições e rituais de uma região cujas origens e civilização remontam à Idade do Ferro. Canções de despertar, canções montanhesas, jotas e pasacalles, música de bailes e romarias desfilam como um rio, tornando vívidas imagens de um mundo que, cada vez mais, como o mítico paraíso dos celtas, se vai escondendo do mundo para sobreviver no espírito e na imaginação dos homens que ainda esperam. Mas a música dos Luétiga não se esgota na leitura, mais ou menos fiel, do cancioneiro, optando antes por se estruturar em pequenas suites (como “Càntabros”, tema central da exposição “Càntabros, la génesis de un pueblo”) onde assumem particular destaque a sanfona e os teclados de Jorge Méndez, ideólogo e multinstrumentista do grupo e um apaixonado pela música e câmara, de cuja discografia fazem parte um álbum inteiramente executado em órgão de igreja, uma obra instrumental inspirada nos mitos celtas e alguma fusões new age. Para os apreciadores do celtismo e da música do Norte de Espanha (já agora, entre os músicos convidados, figura um tal Kepa Junkera…), “Càntabros” é um álbum absolutamente a não perder. (Oca, distri. Distrimúsica, 8/10).

Um passo para oeste e estamos nas Astúrias, onde a influência dos vizinhos galegos se faz sentir com mais intensidade. Juntando-se aos Boides. Llan de Cubet e Felpeyu, três bandas asturianas já conhecidas em Portugal, os Brenga Astur carregam com quanta força podem nesta tecla, em “Cancios del Gochu Xabaz” (na foto). Um daqueles álbuns que impressiona de imediato num piscar de olhos constante aos sons que constantemente brotam não só da Galiza como da Escócia e da Irlanda. Os dois gaiteiros, Fernando Montes e Fernando Diaz, optam quase sempre por tocar em uníssono, utilizando as gaitas asturianas num registo “escocês” que por vezes recorda bandas como os Whistlebinkies e Tannahill weavers e noutras o folk rock de Alan Stivell (de “Chemins de Terre”, quando este músico bretão veste, por sua vez, o kilt das terras altas…). As melodias, como o guerreiro e o javali da capa (o almoço para Obélix) não primam pela sofisticação, caindo por vezes num certo primarismo, pecha que os Brenga Astur compensam com o rigor, uma produção que acertadamente joga no som do colectivo e, sobretudo, com a voz maravilhosa de Marta Arkas, exótica e sem qualquer problema em socorrer-se de um tipo de ornamentações que estamos habituados a ouvir bastante mais para sul… (Fonofolk, distri. Dristimúsica, 7/10).

Para os apreciadores da farra e da excitação dos discos ao vivo, há o sexto álbum dos escoceses (estes de verdade) Old Blind Dogs. Até porque já colaram a esta banda o rótulo de praticantes de “sexy folk music”. Ainda com a presença do cantor e guitarrista Ian F. Benzie e do percussionista Davy Cattanach, que entretanto abandonaram este grupo, “Old Blind Dogs Live” vale pela celebração do ambiente e da comunicação que nestas ocasiões sempre se estabelece com o público, com palmas de acompanhamento, gritos excitados e falatório dos músicos em barda. A música não apresenta novidades: a habitual sequência de danças intercaladas com as vocalizações de Benzie, muitas delas a pedir coro e a participação da assistência, assim ao jeito de uns U2 da folk, cada canção um hino. Embora reconheçamos ser difícil resistir a um standard como “Bedlam boys”, aqui num registo bastante mais acelerado do que a formidável versão dos Steeleye Span incluída no álbum “Please to see the king”. O mesmo se podendo dizer de “The Cruel Sister”, em relação à versão dos Pentangle no álbum com este nome. Além de que a voz de Ian Benzie não faz esquecer, de modo nenhum, as de Maddy Prior e Jacqui McShee… Por nós, preferimos festejar estes acontecimentos “in loco”, soando estes álbuns ao vivo, com raras excepções, a sucedâneos do momentos impossíveis de ser vividos à distância. Apesar de este “Live” ser até bastante apetecível e ter momentos de subtileza como “The Buzzard”, sublinhada por um belíssimo solo de violino realmente “sexy”. (Lochshore, distri. Distrimúsica, 7/10).

Trilok Gurtu, percussionista indiano há longos anos em actividade, virtuoso convidado para tudo o que é álbum de “world music”, não escapou à tentação de computorizar a sua música, transformando música de dança que brota da terra em música de dança que começa e termina quando se carrega num botão. Não é pecado, quando é bem feito. Estou a lembrar-me do fabuloso trabalho de Hector Zazou com Boni Bikaye, “Noir et Blanc”, ou da negritude electrónica produzida por Dieter Moebius, Conny Plank e Mani Neumeier com uma voz do Sudão, em “Zero Set”. Em “African Fantasy”, Trilok Gurtu estende a mão à música africana mas arrisca menos do que qualquer daqueles dois discos. Convidou, entre outras vocalistas, Angelique Kidjo, do Benim, Oumou Sangare, do Mali, e Sabine Kabongo, do grupo vocal Zap Mama. E são precisamente Kidjo, em “African Fantasy” e “Africa com India”, e Sangare, em “Big brother”, que assinam os momentos mais belos e expressivos de “African Fantasy”. Fantasia por fantasia, depois de desbravado a selva, é só levitar uns quilometrozitos até aos Himalaias, e descer a cavalo numa “sitar” m “Folded Hands”. Não há como viajar com segurança. (ESC, distri. Sony Música, 6/10).

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