28.01.2000
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Luar de Junho Sobre o Carnaval
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pwd: folkyourself.blogspot.com
“A Quiet Eye” ficou de fora da lista dos melhores do ano passado (o disco chegou tardiamente Às nossas mãos). Paciência. June Tabor, a voz da noite, continua a gravar álbuns com títulos que começam pela letra “A” e imagens do seu gato na capa. Sente-se, disco após disco, que um manto de névoa luminosa se adensa sobre esta voz, cada vez mais grave e depurada, de uma das maiores cantoras inglesas vivas. “A Quiet Life é um disco folk de uma solidão tranquila (em vez de “A Quiet Eye” poderia chamar-se “A Quiet I”) composto na maioria por temas tradicionais, incluindo a “contemporary folk” de Maggie Holland (“A Place called England”), Richard Thompson (“Waltzing’s for dreamers” e “Pharaoh”), Bill Caddick (“The Writing of Tipperary”) e Ewan McColl (“The first time ever I saw your face”), diferindo neste aspecto de anteriores trabalhos, como “Some other time” e “Angel Tiger”, que abrangem um reportório mais geral. Com o “pormenor” de June Tabor tornar cada balada, por mais próxima que esteja das raízes ancestrais, num “standard” para a eternidade. Destaque, ao nível dos arranjos, para o habitual piano de Huw Warren e para o bom gosto evidenciado na maneira como é utilizado um naipe de metais que mais do que seguir a linha “morris épica” dos Brass Monkey opta ora pela melancolia majestosa que Shirley e Dolly Collins aprimoram na obra-prima “Anthems in Eden”, ora por um diletantismo “jazzy” sabiamente doseado.
Se, ao falarmos das quatro grandes damas da folk britânica actual, Shirley Collins é a riqueza do timbre, Maddy Prior a arte da ornamentação e Norma Waterson – rainha incontestada – a emoção em estado puro, June Tabor á a beleza formal, a lua que À distância contempla o mundo que se escapa para além do horizonte.
“A Quiet Eye” é uma viagem entre a world music exótica de “Pharaoh” e o “tour de force” “folky” “The Writing of Tipperary/It´s a long way to Tipperary”, em que June recupera deforma admirável alguns dos ambientes do fabuloso “Ashes and Diamonds”. Nove minutos de história sagrada e de demanda, em múltiplas etapas, do amor – como já não ouvíamos desde que Bob Pegg, um dos inventores do folk rock; escreveu com os Mr. Fox a litania “The Gipsy” – que por si sós justificam a aquisição urgente deste disco (Topic, distri. Megamúsica, 8/10).
Em tempo de merecida festa estão os Steeleye Span, outra instituição da folk britânica que, à sua conta, já levam 30 anos de existência, só sendo batidos, em matéria de longevidade, na Irlanda, pelos decanos Chieftains e Dubliners e, em Inglaterra, pelos “rivais” de sempre, Fairport Convention. Recuperados de um período de decadência que ameaçava transformar o grupo numa caricatura grotesca do passado, com o mais do que interessante “Time”, de 1996, os Steeleye Span regressam ao activo com um duplo CD, “Journey” (na foto), gravado ao vivo em Londres, em que fazem um resumo musical de toda a sua carreira e para o qual convidaram todos os músicos que, em diferentes fases, fizeram parte do grupo. “Journey” evolui desta forma por oredem cronológica, apresentando uma sucessão de formações em rotatividade por onde passaram, além de Gay Woods, segunda voz feminina dos Steeleye na sua fase inicial, Martin Carthy, Ashley Hutchings e John Kickpatrick, qualquer deles uma instituição da folk inglesa. “Journey” vale essencialmente por esse desfile de memórias, já que nalguns casos as interpretações ao vivo deixam algo a desejar, não fazendo esquecer a excelência de toda a obra de estúdio do grupo, ao todo nove álbuns compreendidos entre “Hark!” The Village Waits”, de 1970 e “Rocket Cottage”, de 1976 (Park, distri. Megamúsica, 7/10)
Com Maddy Prior estiveram, em álbuns como “A Tapestry of Carols”, “Carols and Capers” e “Hang up Sorriw and Care”, os Carnival Band, que durante esse period forma considerados uma espécie de banda de acompanhamento da cantora dos Steeleye Span, numa vertente quase exclusivamente vocacionada para a música antiga. Mas Maddy saiu e os Carnival Band emanciparam-se, podendo finalmente mostra que são muito mais do que uma simples banda de apoio. Em “Hoi Polloi” dão mostras ainda por cima de uma dose de loucura e de versatilidade que não se adivinhava nos tempos em que emprestavam os seus “shawns”, flautas de bisel, “curtals” e gaitas-de-foles às pavanas, “bransles”, “estampies” e sarabandas da Idade Média e do Renascimento. Em “Hoi Polloi” a música antiga (do “Terpsichore”, de M. Praetorius, uma das bíblias do género) relida em modos semelhantes aos dos Blowzabella ou, mais recentemente, de Philip Pickett, convive com tradicionais da Macedónia, Ucrânia e Sudão, uma desbunda para bater o pé no estrado com base num tema dos Dixie Dregs, uma balada, “marta” (dedicada à cantora húngara Márta Sebestyen?), com uma parte de violino no estilo “ceguinho” à esquina a pedir esmola”, passando por um delicioso momento de “ragtime”. Uma saudável irreverência que faz jus ao nome “Banda de Carnaval”… (Park, distri. Megamúsica, 8/10)