Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”
1. ::11.08.2008:: RICHARD DAWKINS – “A DESILUSÃO DE DEUS”
Richard Dawkings, eminente biólogo e divulgador científico, aclamado autor de obras como “O Relojoeiro Cego” e “O Gene Egoísta”, só para citar as mais conhecidas, quase consegue provar-nos com este seu último livro a não existência de Deus. E se digo quase, tal deve-se apenas a uma impossibilidade factual (no actual estado da ciência, segundo o autor).
Título: A Desilusão de Deus
Título original: The God Delusion
Autores: Richard Dawkins
Editora: Casa das Letras
Data: Outubro de 2007
Data original: 2006
Tradução: Lígia Rodrigues e Maria João Camilo
Nº de Páginas: 467
ISBN: 978-972-46-1758-9
O livro está escrito de uma forma que, sem pôr em causa o rigor científico, é de fácil leitura e assimilação e encontra-se prenhe de ideias polémicas e expostas de forma directa e provocatória, todas elas entroncando na principal – a não existência de Deus.
É óbvio que, mesmo a mim, que não sou nada religioso, tais ideias esbarram na carapaça da cultura entranhada em nós através da nossa cultura, enraizada na tradição judaico-cristã. Mas é também inegável que, mesmo de pé atrás, os argumentos apresentados por Richard Dawkins são, na sua grande maioria, convincentes, e têm o condão de nos fazer pensar.
Segundo o autor, escorado em argumentos científicos e filosóficos, é muito mais provável que Deus não exista do que o contrário; Deus não nos faz falta para sermos felizes nem para nos confortar pois existem outras formas de o fazer; a religião tem-nos trazido, ao longo da História muito mais mal que bem, com os inúmeros confrontos sanguinolentos que tem originado ao longo dos tempos, apenas comparáveis com outra “fé”, o patriotismo; podemos continuar a ter uma moral e uma ética sem o auxílio da religião.
Por aqui se pode ver o tipo de teses controversas que atravessam todo o livro, e que Dawkins defende através da confrontação com os argumentos de sentido oposto que têm sido expendidos por teólogos e outros religiosos.
Richard Dawkins, sendo um Darwinista convicto, baseia toda a sua argumentação nesta teoria, aplicando-a para explicar a emergência da religião, em todos os povos, em termos de um subproduto das acções de selecção natural.
Assim, a religião seria um subproduto derivado da irracionalidade que os humanos têm de ter genetizada no seu cérebro para a sua sobrevivência, designadamente para a paixão, essa outra irracionalidade, mas que nos faz ficar com o mesmo parceiro para garantir o normal desenvolvimento da prole. Estranho? Confiram a explicação pormenorizada no livro.
A própria cultura (através dos memes) e até, pasme-se, o universo (ou multiverso, como Dawkings especula, com base nas ideias expostas por Lee Smolin – The Life of the Cosmos, Londres, Weidenfeld & Nicolson, 1997, mais um para ler -) obedecerá à teoria Darwiniana da selecção.
O que é que isto tem a ver com a Web 2.0? Bem, de uma forma arrevezada, a ligação tem a ver com os tais memes que referi atrás. Memes é uma palavra muito em voga no mundo da Web 2.0, a Web participativa, e refere-se às ideias que, em luta com outras, têm as condições para sobreviver e tornar-se parte da nossa cultura, tal qual os genes. E é bom que sejamos todos nós a decidir quais são os memes que sobreviverão no futuro. Até porque, como diria o outro, todas as coisas da vida são demasiadamente importantes para serem deixadas aos especialistas. É isso que a Web 2.0, com a sua cultura da participação nos pode dar. E não será pouco.
E, finalmente, o que tem tudo isto a ver com a educação?
Não sei, mas ao ler o livro vieram-me várias vezes à cabeça outros patriarcas da fé, os pedagogos que dominam o nosso sistema de ensino (não as nossas salas e aula, entenda-se), e que também manifestam uma fé irracional em coisas como: o processo ensino/aprendizagem tem de ser centrado no aluno; a escola deve abrir-se mais à participação dos pais; os professores são uns pulhas; a avaliação dos professores vai contribuir alguma coisa para a melhoria do ensino – ideia que de tão batida ser tornou um dogma, levando mesmo a que quem ache que tal avaliação será sempre injusta, perturbadora, a ter vergonha de dizer que é contra toda e qualquer avaliação dos professores, a não ser a que for baseada em exames dos alunos; e mais uma série de outras ideias peregrinas de que me ocuparei a breve trecho com base no livro de Gabriel Mithá Ribeiro – “A lógica dos Burros”.
Em resumo, trata-se de uma obra polémica, escrita, propositadamente, em tom politicamente incorrecto, que o autor explica pela necessidade de despertar consciências, mas com argumentação arguta e cientificamente rigorosa, onde ela é possível.
No fim, ficamos um pouco “abananados”, inquietos, por as nossas consciências terem sido agitadas. Algumas teses custam-nos mais a entrar do que outras mas, como o autor afirma, estará sempre disposto a discutir e a mudar de opinião, se houver evidências em contrário, o que não acontece com a outra parte.
Vale a leitura.
A desilusão de Deus é um livro inteligente, compassivo e verdadeiro como gelo, como o fogo. Se este livro não mudar o mundo, estamos todos lixados.
Penn & Teller, apresentadores de televisão
Oh, depois de toda a vida nos dizerem que é uma virtude sermos cheios de fé, espírito e superstição, é tão reconfortante ler em vez disso um sonoro toque de trombeta da verdade. Dá a impressão de virmos á superfície para recuperar o fôlego.
Matt Ridley, autor de Genoma e Francis Crick
Dawkins dá às compaixões e emoções humanas o seu devido valor, que é uma das coisas que confere força às suas críticas da religião. Hoje em dia, muitos líderes religiosos são homens que, o que é óbvio para qualquer pessoa, excepto para os seus perturbados seguidores, estão dospostos a sancionar a crueldade perversa ao serviço da fé. Dawkins atinge-os com todo o poder que a razão pode exercer, destruindo as suas absurdas tentativas de provar a existência de Deus ou as suas presunçosas reivindicações de que a religião é a única base da moralidade, ou que os seus livros sagrados são literalmente verdadeiros.
Philip Pullman, autor da trilogia Mundos Paralelos
Richard Dawkins é o principal profeta dos nossos tempos. Através da sua exploração da evolução da vida baseada nos genes, o seu trabalho teve um profundo efeito em muito do nosso pensamento colectivo, e a Desilusão de Deus continua a sua tradição provocadora do pensamento.
J. Craig Venter, decifrador do genoma humano
Richard Dawkins nasceu em Nairobi, capital do Quénia, em 1941. Estudou Zoologia em Oxford, tendo-se doutorado sob a direcção do biólogo Nikolaas Tinbergen, Prémio Nobel em 1973 pelos seus estudos em Etologia. Foi professor de Zoologia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Presentemente, é catedrático da Universidade de Oxford. Para lá de cientista e académico, tornou-se conhecido como um dos intelectuais mais influentes da actualidade. Defensor intransigente da evolução segundo a teoria de Darwin, é um divulgador ágil da ciência e do pensamento científico. Intelectual polémico, defende fervorosa e militantemente o “orgulho de ser ateu”. As religiões, que tiveram a sua génese na evolução, por causa de alguma vantagem selectiva na moralidade, devem agora, com a explicação científica, ser metidas no caixote das velharias.
Deus não existe e as religiões são perniciosas e causadoras da maior parte dos males do mundo? Provar que a resposta só pode ser afirmativa é o objectivo desta obra, que ocupou o top de vendas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.
Orgulhosamente ateu, o autor penas que a maioria dos cientistas também o foram e são, dando o ateísmo um contributo fundamental para uma sociedade mais feliz, porque livre. Os argumentos filosófico-religiosos a favor da existência de Deus são de extrema debilidade.
Darwinisra convicto, vê na selecção natural a chave de explicação da evolução, acabando com a ilusão de um Deus pessoal e de um “Desíginio inteligente”.
Obra retumbantemente polémica, acusada de superficialidade unilateral e fundamentalismo cientificista, tem a pretensão de tornar ateus todos os seus leitores religiosos. Optimismo presumido e ingénuo, obrigará, de qualquer modo, os crentes a mais lucidez.
Anselmo Borges
Instituo de Estudos Filosóficos
Universidade de Coimbra
Agosto 11, 2008 Não há comentários
O Cisne Negro
Gostaria de partilhar convosco um livro que ando a ler e que me tem agradado sobremaneira.
Trata-se de “O Cisne Negro” de Nassim Nicholas Taleb, nascido no Líbano, em Amioun (o que não é irrelevante, como veremos) sobrevivente da guerra civil.
A tese do autor é que sendo o futuro completamente imprevisível, todas as previsões com que somos bombardeados no nosso dia-a-dia não são mais do que charlatanices a querer armar ao pingarelho, para dizer o melhor.
Título: O Cisne Negro – O Impacto do Altamente Improvável
Título original: The Black Swan
Autores: Nassim Nicholas Taleb
Editora: Publicações Dom Quixote
Data: Maio de 2008
Data original: 2007
Tradução: Sónia Oliveira
Nº de Páginas: 455
ISBN: 978-972-20-3587-3
Embora esta afirmação pareça trivial, não é.
Basta pensar nas previsões que ouvimos todos os dias, do tipo:
O petróleo não vai para de subir
A inflação este ano vai ser de… (esta é muito usada vocês sabem bem por quem)
A vida humana vai ter uma duração média superior a 150 anos no século XXII
Enfim, estão a ver onde quero chegar. E não é difícil arranjarem mais umas dezenas em poucos minutos.
Esta incapacidade de prever é inata ao Homem, à vida como ela é, e à complexidade extrema do mundo em que vivemos.
Consequência nefasta da charlatanice é a aplicação de métodos científicos (da ciência dura como a física e matemática) à Economia, Filosofia, História, Pedagogia (esta foi metida por mim) e todas as “ciências” sociais em geral. Querem ser aquilo que não podem com métodos não aplicáveis, quando podiam seguir a via narrativa que durante muito tempo seguiram com resultados não “espectaculares” (para a sociedade mediática em que vivemos) mas bem mais razoáveis e verdadeiros.
Outro dado curioso é que são os especialistas que mais erram nas suas previsões. O autor prova que qualquer taxista consegue prever melhor o andamento do preço das acções do que um corretor depois de aplicar métodos matemáticos que deram direito a prémio Nobel, por exemplo.
O autor desmonta no seu livro a arrogância académica, a sabedoria dos especialistas e não o faz, como é óbvio, de forma leviana. Apresenta dados e estudos concretos e baseia a sua tese na própria vida pessoal uma vez que foi durante muitos anos consultor de instituições financeiras famosas, participante em “task-forces” governamentais norte-americanas, possuindo no seu currículo formação avançada em matemática, filosofia e economia e sendo (ou tendo sido), ele próprio académico nestas áreas.
Quer dizer, não fala de cátedra como certas pessoas que nós conhecemos que mandam nos professores e comentam o seu trabalho, sem nunca terem posto os pés numa sala de aula ou há muito tempo não o fazerem, por terem conseguido saltar a tempo daquela profissão em que “não se faz nada”, “tem-se montes de férias” e cujos profissionais são os verdadeiros culpados do “estado da nação”.
Cito um excerto do livro deveras significativo sobre o que relato:
“ … A ideia de Popper tem que ver com as limitações existentes ao nível da previsão de acontecimentos históricos e a necessidade de reduzir áreas «moles», como a história e a ciência social, a um nível ligeiramente acima da estética e do entretenimento, como se se tratasse de coleccionismo de borboletas ou de moedas. (Popper, tendo recebido uma educação clássica vienense, não chegou tão longe; eu, sim. Eu sou de Amioun.) Aquilo a que nos referimos aqui como ciências históricas moles são os estudos dependentes da narrativa.
O argumento central de Popper é que, para prever acontecimentos históricos, é necessário prever a inovação tecnológica, a qual é essencialmente imprevisível.
(…) Se eu esperar vir a esperar alguma coisa em algum momento no futuro, então já espero algo no presente.
(…) Se tivesse conseguido profetizar a invenção da roda, já saberá o seu aspecto, logo, já saberá construir uma roda, ou dito de outra maneira, para compreender o futuro ao ponto de conseguir prevê-lo, é necessário incorporar elementos do próprio futuro.
Antes da Internet, quem conseguiria prever o futuro? Tal as mudanças impostas por esta? (…)”
Uma das características que mais me agrada no autor é a forma desabrida com que apresenta os seus argumentos, sem o agrilhoamento do politicamente correcto (o facto de ser libanês não é despiciendo como podem comprovar ao ler o livro), chamando os “bois pelos nomes”, e fazendo-o com uma escrita escorreita, cativante, mas sem perder o rigor.
O autor inscreve-se na escola empírica céptica, por contraposição aos teorizadores de bancada que produzem e induzem os maiores disparates que vemos pulular pela comunicação social. Aliás esta é, segundo Nassim, tão reles, que deixou de ver televisão e ler jornais, uma vez que isso só contribui para a “desinformação”, o que casa com a sua tese de que quanto mais “informados” pelos media somos, menos conhecedores nos tornamos, apesar de isto contrariar o “senso comum”.
Mas o que mais me agradou foi a cena que Taleb relata quando, após anos de trabalho numa empresa financeira, presente perante o seu avaliador, lhe rasga a avaliação à frente, mesmo sem ver o resultado, pois tratava-se segundo o autor de uma farsa, de um coisa sem pés nem cabeça, visto que, no trabalho que exercia os resultados dependem, quase e só, do acaso, da sorte, e não de nenhuma capacidade demonstrável em especial, pelo menos dos parâmetros que eram usados para avaliar e, parece, para exercer as funções do dia-a-dia.
Parece que ele era o único maluco que havia por aqueles lados…
Isto faz-me lembrar qualquer coisa, e é evidente que tenho pena de não ter as condições financeiras, o à-vontade, enfim a coragem para fazer o mesmo. Mas pode ser que até lá fique também maluco.
É que a partir de Setembro também vou estar metido no meio de um vórtice de bizarria.
Abraços a todos.
PS: Leiam o livro porque esta resenha está bem longe de fazer a justiça merecida à sua grande qualidade.
Julho 26, 2008 Não há comentários