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Textos sobre Educação #1 – Roger Scruton

[…] Daí não nascermos livres: a liberdade é algo que adquirimos. E adquirimo-la através da obediência. Só a criança que aprendeu a respeitar e a acatar os outros pode respeitar-se a si mesma. E essa criança é a que incorporou as regras, os costumes e as leis que formam as fronteiras de um mundo público partilhado. As crianças egoístas que ignoram essas fronteiras estão à solta no mundo público, mas não têm uma verdadeira concepção dele como sendo público, como um lugar partilhado com outras pessoas, cujo respeito e afeição são a recompensa do bom comportamento. Não são livres nesse mundo, mas sim casos fortuitos, e os obstáculos que os outros lhes colocam no caminho são uma fonte de ira e de alienação. As crianças bem-educadas adoptaram como suas as restrições que tornam possível a liberdade. E essa liberdade é inseparável do sentido da validade pública e do respeito que merecem os seus próprios objectivos e projectos.
Tudo isso devia ser óbvio. Mas muitas pessoas parecem ser incapazes de perceber. Talvez a ilustração mais clara disso esteja na revolução que varreu as escolas e os ministérios da Educação durante as décadas de 50 e 60, que nos disse, com base na autoridade de uma multiplicidade de pensadores, desde Rousseau a Dewey, que a educação não tem a ver com obediência e estudo mas com auto-expressão e recreação. Considerava-se suficiente libertar as crianças das restrições da sala de aulas e do programa tradicional para elas exprimirem as suas capacidades criativas naturais, crescendo através da liberdade e adquirindo saber pela experiência e pela descoberta em vez de pela «aprendizagem repetitiva».
Um útil exemplo dessa falácia é dado pelo relatório do Conselho Consultivo Central da Educação dirigido por Lady Plowden, apresentado em 1967 e encomendado pelo Ministério da Educação como orientação em matéria de ensino primário. O desenvolvimento da «educação» como um campo independente de estudo, e a legislação que obrigou novos professores não especializados a frequentar um curso sobre essa matéria, produzira uma nova espécie de «peritos» cuja adesão às teorias optimistas não era, em egra, moderada por nenhuma experiência prolongada de sala de aula nem estorvada por qualquer reserva especial de senso comum. Foi através do «educacionistas» que a ideologia do «nascido livre» encontrou o seu mais potente canal de influência. Nada servia melhor aos professores, na sua nova e difícil situação de mentalizadores de crianças para a nação, do que a visão avançada pelo Relatório Plowden, com a sua conclusão «comprovada» de que a educação é um processo de livre exploração e autodesenvolvimento em que o professor desempenha não o papel de perito, exemplo ou autoridade, mas de conselheiro, companheiro de brincadeira e amigo. A clara tendência do relatório era sugerir que os métodos tradicionais – disciplina, estudo e instrução – não têm particular valor; na verdade, esse ensino não faz parte em si mesmo do papel do professor. Avisa-nos de que «um professor que só confia na instrução […] afasta as crianças da aprendizagem». O dever do professor é estar disponível enquanto a criança se exprime, provocando mas não controlando uma resposta que está para além de julgamento ou de repreensão. Se alguma coisa correr mal, não pode culpar-se a criança – e ainda menos puni-la. Nem pode culpar-se o professor, uma vez que o seu papel já não é o de iniciador ou guia. O único sujeito de «culpa» é a sociedade e as suas hierarquias, e as «condições de privação» para as quais a escola deve propor remédio. Quando essas abstracções forem responsabilidades pelo fracasso, só o Estado pode providenciar a cura. A solução imediatamente adoptada na esteira do Relatório Plowden foi, por isso, exactamente a que é encorajada na esfera económica pela falácia da melhor das hipóteses: a subsidiação do fracasso e a transferência maciça de recursos daqueles que fazem bom uso deles para os que não o fazem.
Em suma, a falácia do nascido livre leva, por meio de uma série de passos naturais, Às duas doutrinas mais importantes guardadas como relíquias no Relatório Plowden, as quais se tornaram as bases da política educativa deste país desde então: a doutrina de que nenhuma das partes envolvidas no processo de ensino (nem o aluno, nem o pai, nem o professor) tem culpa do seu fracasso; e a doutrina de que o Estado deve investir no fracasso em vez de no êxito. Claro que os problemas da educação não se podem resolver com uma fórmula – não certamente quando se exige por lei às crianças que frequentem a escola e estão sujeitas em todas as horas do dia ao ruído perturbador da TV, da internet e do telemóvel. Todavia, é um característica singular da falácia do nascido livre que nunca considere as críticas que a tornaram insustentável para todas as pessoas moderadamente pessimistas. Mesmo que se ignorem os argumentos de Aristóteles a respeito do papel da imitação, da disciplina e do hábito na aquisição da personalidade; mesmo que se desconsiderem os filósofos medievais (cujas recomendações forneceram as bases indispensáveis para o sistema educativo moderno); mesmo que se ignores tudo o que foi dito por Grócio, Calvino e Kant a respeito da relação interna entre liberdade e lei; mesmo que se despreze por antiquada toda a teoria que não coloque a ideia de liberdade no centro da sua visão – mesmo que façamos tudo isso, uma dose de pessimismo convencer-nos-ia ainda assim de que a liberdade, por mais valiosa que seja em si mesma, não é um dom da natureza mas o resultado de um processo educativo, algo que temos que trabalhar para adquirir através de disciplina e sacrifício.
[…]
————–
Venho de uma família pobre e os meus pais não tinham a capacidade nem o desejo de gastar dinheiro com a minha educação. Porém, tive a sorte de conseguir entrar na nossa escola secundária local e, assim, de fazer o meu caminho através da escola até à Universidade de Cambridge e uma carreira académica. Tal como muitas outras, a minha escola secundária fora moldada com base nas escolas privadas, adoptando o seu programa, o seu estilo e alguns dos seus maneirismos. Visava dar aos alunos exactamente as mesmas oportunidades que poderiam ter se os pais fossem ricos. E conseguia. Os que tiveram a sorte de conseguir entrar na High Wycombe Royal Grammar School tiveram uma educação tão boa como qualquer outra então disponível e a prova disso é que os nossos antigos colegas estavam representados nas faculdades de Cambridge em número apenas superado por Eton.
Não foi justiça dar essa oportunidade aos jovens de famílias pobres, nem teria sido injustiça negá-la. A existência de escolas secundárias públicas surgiu de uma longa tradição de instituições de benemerência (a minha escola foi fundada em 1542) que acabaram por ser integradas no sistema educativo do Estado. Mas é claro que um processo que permite que alguns alunos tenham êxito tem que fazer com que outros falhem: é o que defende a falácia da soma zero. Um procedimento destes gera por isso um sistema educativo «com dois níveis», com os bem,-sucedidos a gozarem de todas as oportunidades e os fracassados deixados à margem para serem «marcados para toda a vida».
Por outras palavras, o êxito de uns é pago é pago com o fracasso de outros. A justiça exige que as oportunidades sejam igualadas. E assim nasceu o movimento a favor da educação global, juntamente com a hostilidade ao streaming (teoria pedagógica que defende a selecção de grupos homogéneos quanto à idade e à capacidade intelectual) e a degradação dos exames, a fim de impedir o sistema educativo estatal de produzir e reproduzir «desigualdades».
É fácil assegurar a igualdade no campo da educação: basta eliminar todas as oportunidades de progredir, de modo que nenhuma criança consiga alguma vez aprender alguma coisa. E para o observador cínico foi isso que aconteceu. Não faz parte dos meus propósitos avalizar esse cinismo, embora se tenha expeimido muitas vezes desde Anthony Crosland e Shirley Williams, ministros da Educação de Governos trabalhistas, começaram a destruir as escolas do ensino secundário. Desejo simplesmente apresentar um exemplo espantoso da falácia da soma zero em funcionamento. Um sistema que oferecia às crianças de famílias pobres uma oportunidade de progredir só pelo talento e pela aplicação foi destruído pela simples razão de que separava os êxitos dos fracassos. Claro que é tautológico dizer que os exames separam os êxitos dos fracassos, e dificilmente pode ser uma exigência de justiça abolir essa distinção. Mas o novo conceito de justiça «social» veio em socorro dos igualitaristas e permitiu-lhes apresentar a sua malícia contra os bem-sucedidos como uma proposta de justiça em nome dos demais.
Uma dose de realismo teria recordado às pessoas que os seres humanos são diferentes e que uma criança podia falhar numa coisa e ser bem-sucedida noutra. Só um sistema educativo diversificado, com exames bem estruturados e rigorosos, permitirá às crianças encontrar a habilidade, a perícia ou a vocação que se adeque às suas capacidades. O pensamento de soma zero, que vê o êxito educativo de uma criança como sendo pago pelo fracasso de outra, é que força a educação a ajustar-se a um molde que lhe é estranho. A criança que falha em Latim pode ter êxito em Música ou em Serralharia; aquele que não consegue chegar à unversidade talvez tenha êxito como oficial do exército. Todos sabemos isto e aplica-se tanto em relação aos processos educativos como aos mercados que não se trata de jogos de soma zero. Todavia, é assim que são tratados sempre que se investem falsas esperanças na ideia utópica de «educação para a igualdade». A rotina entre políticos e peritos educativos é descobrir lugares de excelência – «Oxbridge», escolas privadas, escolas secundárias públicas, escolas de coros – e arranjar maneira de as penalizar ou de as fechar. Assim, diz-nos a falácia, as outras beneficiarão e teremos finalmente um sistema educativo que está de acordo com as exigências de «justiça social».

Janeiro 26, 2012   Não há comentários

À atenção de todos

 

Julho 4, 2010   Não há comentários

Boa pergunta

Na senda do post anterior, o livro que ando a ler coloca a questão essencial:
Maria Filomena Mónica – “Vale a pena mandar os filhos à escola?”
É uma pergunta pertinente.
Sempre acreditei que:
1. “Todos gostamos de aprender mas ninguém gosta de ser ensinado”
2. “Só aprende quem quer realmente aprender”
3. Não é preciso ir à escola para aprender, podemos aprender o mesmo em casa. Esta última afirmação refere-se apenas àquilo que entendo como conhecimento. É óbvio que a escola, mas não necessariamente ela, desempenha outras funções importantes.
A autora reúne neste livro muitas das crónicas que publicou ao longo dos tempos na imprensa e que se debruçam sobre temas da educação. Com formação em História e Sociologia, Maria Filomena Mónica tem ainda um passado recheado de episódios ligados à sua vida como professora que exerceu durante períodos mais ou menos longos na universidade portuguesa.

Autor: Maria Filomena Mónica
Título: “Vale a Pena Mandar os Filhos à Escola?”
Editora: Relógio D’Água
Data de Edição: Outubro de 2008
Nº de Páginas: 146
ISBN: 978-989-641-048-3

Na esmagadora maioria dos artigos ela coloca o dedo na ferida e mostra claramente quão nu vai o rei no reino da educação em Portugal.
Embora se trate de uma personalidade polémica e por vezes emproada, no alto da sua sapiência vergando com os seus argumentos os seus opositores da “ralé”, há uma característica que ninguém lhe pode negar: a sua independência, qualidade tão rara hoje em dia nas figuras públicas.
Isto para além de uma acutilância e inteligência coadjuvada por anos de experiência no meio classificam MFM como uma das opinadoras mais incisivas do panorama da imprensa portuguesa.
Não é minha intenção analisar o livro, mas a leitura deste livro de crónicas, para quem pertence ou se interessa pelo mundo do sistema educativo português, é assaz recompensadora.
Juntando o útil “agradável”, e já que a avaliação dos professores está na ordem do dia, bem assim como o dogmatismo e a obssessão pela avaliação em geral, limito-me a transcrever (de depois comentar) um dos curtos artigos do livro (os sublinhados são meus):
“Como Avaliar os Professores”
Anreontem, a ministra da Educação declarou no Parlamento que na Universidade de Harvard os alunos avaliam os professores, dando a entender ser esta uma boa prática. além de perigosa, a afirmação é parola. Nem tudo o que se pratica naquela universidade, certamente uma das melhores do mundo, é positivo, porque o ensino dos EUA está infectado pelo «politicamente correcto».
Se há alguém que não pode nem deve avaliar os professores são os alunos: nem os das universidades, nem, muito menos, os do ensino básico ou secundário. Porque tal prática destrói o cerne da relação pedagógica, a qual se baseia no facto de o docente saber mais do que o estudante e de, por isso, ter obrigação de, no final, lhe dar uma nota. Tudo o resto são cedências às ideologias que dominam as Ciências da Educação. Há ainda um pormenor não despiciendo: Harvard é uma universidade privada e o que lá se passa apenas diz respeito ao seu conselho escolar. Ora, o que está em discussão em Portugal é um plano a ser aplicado no ensino público, ou seja, nas escolas pagas com o nosso dinheiro.
O desastroso estado do sistema educativo português tem muitas causas, mas não será através deste esquema de avaliação, provavelmente inspirado nas grelhas de avaliação para os alunos que o nefando secretário de Estado Valter Lemos apresentou no seu livro O Critério de Sucesso, que aquele melhorará. Mesmo que se pudesse instalar uma câmara de vídeo – o que espero não venha a suceder – em cada sala de aula, não haveria maneira de se determinar quem ensina bem ou mal. Os alunos sentem-no, os colegas sabem-no e os próprios terão uma noção das suas competências, mas basta ler a peça de teatro The History Boys, do premiado Alan Bennett, para se ver quão arbitrária pode ser a avaliação de um docente. Às vezes, só tarde na vida, ao recordar o professor que nos aterrorizou, nos apercebemos que foi este, e não o doce «setôr», que nos fez crescer em Sabedoria.
Que eu saiba, é para isto que as escolas servem.
Meia-Hora, 22.02.2008
E agora?
1. Qualquer avaliação dos professores é arbitrária. Isso é evidente para quem tem dois dedos de testa. Mas insiste-se em avaliar um trabalho tão específico com as regras de um cortador de peças de tecido;
2. Como a avaliação dos docentes é, por natureza, totalmente subjectiva, tenta-se objectivá-la com uma profusão de grelhas. Tal não é só inválido como prejudica apenas o acto de ensinar (o verdadeiro trabalho do professor); É como a exigência de “grelhar” tudo o que se faz nas aulas e o que os alunos (20 e tal por turma) fazem nas aulas. Tarefa impossível, mesmo que não se faça mais nada. O bom senso do avaliador no final de uma unidade ou período escolar é, sempre, repito sempre, mais adequado do que o registo exaustivo.
3. O politicamente correcto obriga todos a dizerem que querem ser avaliados. O problema é que esta avaliação não conduz a nada de útil.
Finalmente, será que a equipa governamental do Ministério da Educação pensa mesmo que as escolas servem para fazer crescer em Sabedoria? Duvido.

Dezembro 12, 2008   Não há comentários