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Maria João – “Maria João Apresenta ‘Convidadas’ Em Lisboa – A Música Suspensa Do Corpo”

Secção Cultura Segunda-Feira, 02.12.1991


Maria João Apresenta “Convidadas” Em Lisboa
A Música Suspensa Do Corpo


A cantora Maria João actua hoje à noite no Teatro S. Luiz em Lisboa. Com a presença de “convidadas” ligadas a outras áreas musicais: Lena D’ Água, Teresa Salgueiro (Madredeus), Anabela Duarte (ex-Mler Ife Dada) e Xana (Rádio Macau). Adivinham-se surpresas. Maria João prefere guardar segredo.



Em princípio, tudo pode acontecer. Acompanhada pelos habituais Mário Laginha, piano, Carlos Bica, contrabaixo, José Peixoto, guitarra e José Salgueiro, bateria, Maria João, uma vez mais, preferiu o prazer inesperado, o confronto com a novidade – “a ideia é justamente pegar em pessoas que não fazem o mesmo que eu, construir qualquer coisa com elas e ver a que é que isso soa. Isto é que é divertido e estimulante”. “Uma ideia deliciosa” – nas suas próprias palavras.
Quem quiser pormenores, o melhor que tem a fazer é deslocar-se logo às 22h00, ao Teatro S. Luiz, e ouvir para crer. Que vai acontecer qualquer coisa diferente, é garantido, mas o quê? “Isso é surpresa” – a cantora fecha-se em copas e apenas adianta que “como de costume, vai haver lugar para a improvisação”. Trata-se, para Maria João, de uma necessidade vital de movimento, de constante mudança: “Seria extremamente aborrecido se fosse uma coisa fixa. Gosto muito de mudar as coisas. Até ao último minuto.”
A solo, sabe-se que cantará temas do seu mais recente álbum, “Sol”, gravado na Alemanha com o selo Enja e os mesmos músicos do espectáculo de hoje à noite. Além de “outras pequenas coisas que não estão lá, e as convidadas, claro”. Claro. Logo à noite se verá qual o segredo que permite juntar, no mesmo palco, a pureza ascética de Teresa Salgueiro, o jovial cançonetismo de Lena d’ Água, a excentricidade de Anabela Duarte e a energia rock de Xana, com o discurso libertário de Maria João

Entrega Total

A ideia de recrutar outras cantoras, aquelas de que “mais gosta”, surgiu a partir de um projecto que desde há algum tempo vem mantendo no estrangeiro, um trio vocal feminino do qual fazem parte ela e duas americanas, a experimentalista Laura Newton e a cantora de ópera, residente da Filarmónica de Berlim, Catherine Geyer. Refira-se a propósito que Maria João ainda tem tempo para se integrar num quarteto “com um programa especial”, ao lado de Mário Laginha, a já citada Lauren Newton e o guitarrista alemão Thomas Hortsmann. Já para não falar das aventuras em duo com a pianista japonesa Aki Takase, das quais resultaram o magnífico “Looking for Love”, e em trio, com Takase e o contrabaixista dinamarquês Niels-Hanning Orsted Pedersen, no álbum “Alice”.
Seja qual for o contexto, o que mais impressiona nesta cantora que, de uma maneira quase sôfrega, não para de evoluir, é a paixão com que se entrega de corpo inteiro à música, numa relação que tem muito de sexual. Tinham razão John Coltrane e John McLaughlin quando defendiam que fazer música é deixar-se possuir e tocar por ela e que ao intérprete se exija que seja o seu instrumento afinado. Afinação que exige uma total transparência e a máxima tensão / atenção. Fazer música é saber ouvir a voz que vem de dentro, o movimento cósmico que em cada indivíduo se manifesta e traduz numa forma particular. No caso de Maria João essa capacidade passa pela dimensão física, pela sensualidade dos gestos, pelo desnudar interior. Seria isto o jazz se “isto” não fosse mais qualquer coisa.

Jazz Ou Algo Mais?

Eis-nos chegados ao pomo da discórdia, para os que estão do lado de fora. Maria João é uma cantora de jazz ou não é uma cantora de jazz? Ela não se importa nada com isso, desde que as pessoas a ouçam e gostem do que ouvem. O termo “jazz”, há quem o jure a pés juntos, é uma derivação fonética do verbo francês “jaser” – “tagarelar, conversar animadamente e um pouco à toa sobre diversos assuntos”, segundo a “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira” (ilustrada com cerca de 15 mil gravuras), que era a que estava mais à mão.
À primeira vista poderá parecer ao auditor médio português, habituado a ouvir Phul Collins e Madonna, que Maria João canta “à toa”, isto é, “como uma maluca” a vociferar “coisas sem sentido”, frequentemente “sem letra”, em suma, “esquisitas”. Mesmo quando essas “coisas” são um tema de música tradicional portuguesa ou um “standard” de Billie Holiday. É neste sentido que Maria João pode ser comparada, na atitude e na maneira como vive e dramatiza a vibração musical, a Bobby McFerrin. Em ambos existe o amor pela liberdade e uma fé. Ou a consciência, no caso feminino quase táctil, de um acto mágico que só o verdadeiro músico vive e compreende, no qual a ordem dos sons, a Harmonia como que se organiza por si própria, cabendo ao Intérprete, com “I” grande, centrar-se, coincidir, dizer e dizer-se, dançar e dançar-se, e às vezes consumir-se, nesse fogo que dizemos vir de “cima”, ou de “dentro”, quando queremos significar a transcendência.
Diz-se por outro lado, muito por força do hábito, que o jazz é “música de negros”. A “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira” (ilustrada com cerca de 15 mil gravuras) faz mesmo questão de acentuar a “natural disposição dos negros para a arte musical”. É verdade. Em Maria João corre, do lado materno, sangue africano. É o pólo energético complementar: a natural apetência pelo ritmo, a assunção das forças da terra que sobem dos pés até ao cérebro e os põem a dançar. É ainda a sensualidade e, se levada ao extremo, a dor, alegria insana dessa entrega. E no limite do humano, a loucura.
Talvez por isso Maria João (como Meredith Monk ou Shelley Hirsch) saiba a exigência do método (o “haikido” – não, não é porrada – que praticou, ajuda muito), da justa medida, a necessidade de equidistância entre o oceano e o raio. Decerto que sabe.

Vários – “Música Portuguesa – Grandes Expectativas”

Pop-Rock 16.01.1991


MÚSICA PORTUGUESA grandes expectativas

Se 1990 foi o ano das confirmações dos grandes nomes, mas também o da inexistência de um circuito alternativo que pudesse prometer a continuação do cenário, já há muita gente a tentar reagir contra isso. Pelo menos há uma grande esperança em relação ao aparecimento de projectos novos, que ainda assim pouco se vislumbram. Será 1991 um ano de grande explosão de vias alternativas impostas pela aparente estagnação do meio?
Algumas pistas parecem apontar nessa direcção, senão atente-se na qualidade de nomes consagrados dispostos a arriscar em projectos fora do habitual. Uma dessas pistas passa mesmo pela grande vontade de altar as fronteiras e mostrar no estrangeiro o que se vai passando por cá. Serão tudo promessas de ano novo?

ANTÓNIO M. RIBEIRO
Nova editora discográfica, discos a solo e com os UHF, tornée intensiva



Como sempre, os UHF têm uma agenda recheada para o ano em curso. Concertos não faltam e parece que discos também não. António Manuel Ribeiro, mentor e porta-voz habitual do grupo, é organizado e prepara com antecedência todas as suas actividades, isto é, não brinca em serviço. É peremptório: “Este ano, os UHF vão realizar uma série de concertos, já assinados, que farão parte da pré-temporada em relação ao Verão, que será muito intenso.” Quanto a discos, há projectos muito concretos: edição de single antes da época estival, “que será como que um aperitivo do álbum de originais a editar depois do Verão”. Mais bombástica é a intenção da banda de Almada criar a sua própria editora, destinada a editar e promover novos valores e, muito provavelmente, os próprios UHF, o que deixa antever uma rotura definitiva com a Edisom, à qual ainda se encontram ligados.
1991 vai ser o ano do lançamento a solo de António Manuel Ribeiro. Depois de uma primeira apresentação no Teatro Tivoli, integrada na campanha do MASP e que foi “até certo ponto uma brincadeira, embora tivesse sido minimamente preparada” (a apresentação, não a a campanha como é evidente…), tenciona continuar a trabalhar com os mesmos músicos que o acompanharam nessa ocasião e publicar o seu primeiro disco a solo ainda antes das férias grandes.
António Manuel Ribeiro anda no meio musical há muito tempo e conhece-o como poucos. Não tem pejo em criticar uma situação que julga cada vez mais deteriorada: “Em relação ao mercado discográfico, as coisas estão cada vez pior.” A editora que pensa criar pretende lutar contra tal situação: “Acho que nos devemos meter um bocado ao barulho. Ao fim destes anos todos de críticas constantes ao sistema, o que temos de fazer neste momento é apresentar-nos dentro desse próprio sistema e produzir, ao fim e ao cabo, novos grupos, novos artistas e novas ideias.”
O líder dos UHF não poupa as editoras: “A Europa e o confronto com 1992 deixou-as num deserto de ideias.” E diz ainda: “Toda a gente se queixa, desde os artistas aos próprios chefes das editoras, mas o que é um facto é que os disparates continuam semanalmente a ser os mesmos.” Refere-se a disparates como “gastar dinheiro mal gasto, de que são exemplo os melhores de contos perdidos em estúdio, em projectos sem pernas para andar” e adianta soluções: “A música portuguesa precisa sobretudo de descobrir novos valores, mas também de segurança e garantias de viabilidade financeira, sob riscos de [as editoras] se tornarem meros financiadores discográficos.” Acusa novamente: “Mas nada tem sido feito para que isso aconteça e as editoras são talvez as principais culpadas do insucesso prático que se verifica. O público não é parvo. As pessoas não compram os discos só porque são lançados cá para fora com grandes parangonas de promoção, mas que depois resultam em fracasso.” Excepções a estas estratégias mal orientadas, encontra-as António Manuel Ribeiro nos dois extremos do leque editorial: um dos casos é um dos “grandes” selos nacionais, o outro um pequeno, independente, e, segundo o cantor, “cada qual com um projecto viável para a música portuguesa”. De resto, 1991 será mais uma ano do “deixa andar”.

JOÃO PESTE
Regresso dos Pop Dell’Arte em várias frentes, reactivação da Ama Romanta, perspectiva internacional



João Peste é uma das poucas personagens que conseguiram alcançar estatuto de vedeta pop apenas com trabalho a nível alternativo. Membro fundamental dos Pop Dell’Arte e grande catalisador das ideias do grupo, não parou por aí e decidiu fundar a Ama Romanta, a primeira das editoras independentes a apostar na música nova. João Peste e o Acidoxibordel foi também um dos projectos, algo efémero, que entretanto erigiu. Os Pop Dell’Arte, que após alguns anos de actividade decidiram “fazer um intervalo” de carreira, vão agora regressar com um grande pacote de promessas, já para o início deste ano: a reedição de “Free Pop”, único longa duração do grupo até à data, e a edição da colectânea “Arriba! Avanti! Pop Dell’Arte”, que irá conter todo material editado pelo grupo e não incluído no álbum “Free Pop”. Estão também preparados concertos de reintrodução do projecto, inclusive no estrangeiro, havendo bastante optimismo em relação a essa perspectiva internacional e está em curso a realização de um vídeo sobre o tema “Illogik Plastik”.
A Ama Romanta vai voltar à actividade, esperando-se a edição de um disco de originais dos Pop Dell’Arte lá mais para a frente, além da edição do projecto “Alix na Ilha dos Sonhos”, elaborado a meias com Nuno Rebelo. A reactivação poderá também agitar o meio com a edição de outras bandas, o que será um ponto positivo a favor da renovação do circuito alternativo da música urbana, que João Peste considera ter estado por baixo no ano que passou. Ele acredita também em trabalhos de outras bandas que não a sua, esperando que nomes como Mão Morta, Rádio Macau, Santa Maria, Gasolina Em Teu Ventre!, Vítor Rua e More República Msónica possam de alguma forma assinar bons trabalhos em 1991.
Jorge Dias

PEDRO AYRES MAGALHÃES

Luís Maio

MIGUEL ÂNGELO

Luís Maio

RUI REININHO
GNR em estúdio, Gala anti-sida em Lisboa, cumplicidade Alexandre Soares



Este ano, os GNR entrarão em estúdio “quando lhes apetecer”, de preferência a partir de Março, que é, para Rui Reininho, “um bom mês, primaveril”, ideal para se gravar, sobretudo se for em Carcavelos. São capazes de apostar no estrangeiro: “deve ser fácil, cá é tão difícil, há tanta má vontade, que lá fora não pode ser pior.” São capazes de ter razão.
Grandes concertos parece que não vai haver. A não ser em Fevereiro, numa gala em Lisboa, uma intervenção “pequenina”, mas decerto que empenhada. Tem de ser, pois trata-se de “uma daquelas coisas de solidariedade, com uma recolha de fundos e apoios para a investigação da sida, com a participação de pessoas muito caridosas”. Para os GNR é importante “essa história do vírus”.
Já Rui Reininho, em particular, parece voltado para outro lado: Vai trabalhar de novo com o seu antigo companheiro nos GNR, Alexandre Soares, na feitura musical de uma peça de Sam Shepard.
Para 1991, o vocalista da banda portuense acredita nas virtudes das organizações camarárias, que podem desempenhar um papel importante na divulgação da música portuguesa, caso do espectáculo que deram o ano passado na Alameda, mas “com um bocadinho menos de romaria”. Falta organização, mas é capaz de “não haver estruturas para isso”.
Como na Alameda, que foi o que se sabe. Fazer coisas dessas sem segurança pode ser perigoso, só nós, que somos malucos. Se tivesse sido, por exemplo, em Milão, tinha havido gente ferida, esfaqueada, confrontos.” Mesmo assim “sentem” os apoios das câmaras, embora sejam “um bocado eleitoralistas”. 1991 vai ser ainda um ano de proibições, com as bandas proibidas de tocar em bares, “por causa dos horários, barulho, essas coisas todas. Apenas vai continuar aquela pressão das pessoas beberem copos”. Também não parecem acreditar muito nas editoras e ouviram falar de “recessão”. Enfim “é a guerra” – diz Reininho. “Acho que vai haver guerra!”

RUI VELOSO

Jorge Dias

RODRIGO LEÃO
Composição nos Sétima Legião, digressão nos Madredeus, projecto a solo



Rodrigo toca baixo e é um dos membros fundadores dos Sétima Legião. Depois iniciou, de parceria com Pedro Ayres Magalhães, o projecto Madredeus, onde se ocupa das teclas. É um dos personagens mais determinantes e influentes da nova música portuguesa, embora não seja muito vistoso nem vocacionado para afirmações sensacionalistas. Em 1991, dividirá a sua actividade entre as duas formações que integra. Quanto aos Sétima Legião têm poucas actuações agendadas, sendo duas delas no estrangeiro (Bélgica e Canadá). O objectivo desta formação não é, de resto, actuar ao vivo, antes estão mais preocupados em começar a compor e tocar material para um novo trabalho de estúdio, sucessor do triunfante “De Um Tempo Ausente”, lançado no Natal de 1989. É um trabalho mais a médio prazo e não é provável que seja editado antes dos finais deste ano/princípio do próximo. Diametralmente oposta é a ideia dos Madredeus, cuja digressão é para já a sua grande prioridade.
Para além das duas coisas, Rodrigo planeia também desenvolver este ano o seu projecto a solo que define como um trabalho de sintetizadores com computadores e surge na sequência da encomenda para a banda sonora do filme de estreia de Manuel Mozos. O artista encontra-se em negociações para a publicação do disco resultante com uma editora local. Com tanta coisa que fazer, Rodrigo está naturalmente um pouco à margem do trabalho alheio. “Tenho estado um bocado afastado do panorama local. As coisas que tenho ouvido… Acho é que há uma série de grupos que têm conseguido sobreviver.”

SÉRGIO GODINHO
Curtas metragens, programas de televisão, concertos em Goa e Macau



“Escritor de Canções”, Sérgio Godinho parece este ano apostado em explorar outros tipos de linguagem: vídeo e cinema. Já tem gravados dois dos seis programas que tenciona apresentar na televisão sob o genérico de “Luz na Sombra”, série que explora algumas das principais funções inerentes à produção musical – como recentemente explicou, em entrevista concedida ao PÚBLICO. Além disso, tenciona realizar e produzir quatro filmes, quatro curtas metragens, no fundo “extensões de trabalhos de ficção que habitualmente faz em canção”. “Anda tudo ligado”, como ele próprio diz. Discos, este ano, só se estes projectos falharem. Quanto ao espectáculo “Escritor de Canções”, que alcançou grande sucesso enquanto esteve em cena no Instituto Franco-Portugais, tenciona levá-lo a Goa e Macau já em Fevereiro.
Para o ano em curso, espera da música portuguesa que surjam coisas novas, mas que não sejam “indigestas”. É de opinião, no entanto, que adiantar mais qualquer coisa, seria como “fazer previsões sobre a guerra no Golfo”. Assim, acha que “todas as hipóteses estão em aberto”. Segundo ele, “criatividade é o que não falta e em Portugal é uma coisa estimulante”. Infelizmente parece que o que falta mesmo é “um mercado, mesmo para os consagrados. O consumo não é tão extenso como isso e o que há são casos esporádicos, como o Rui Veloso, de facto um fenómeno, mas que não faz a Primavera”. De resto, o costume: “A nível de estruturas organizadas para ‘tournées’ e espectáculos ao vivo, a coisa não tem evoluído muito positivamente.”
Em relação ao tal apoio ou não das câmaras municipais, lamenta que o panorama esteja “um bocado em recessão”. O rock é ainda assim quem menos razões tem para se queixar: “As câmaras acham que a juventude quer sobretudo rock e é como se lhe desse um brinde. Depois, há aquela facção adepta das canções tipo Marco Paulo e tudo é encaminhado para í.” Na questão de concertos, “devia dar-se prioridade a ‘tournées’ comerciais, inclusive com patrocínios, mas que sejam viáveis”, aponta. É que da maneira como as coisas estão, criaram-se, segundo ele, certos “vícios”, quer no público quer nos organizadores, com espectáculos gratuitos, mas sem qualquer espécie de condições. “É importante que as câmaras promovam a cultura, mas com o entendimento das estruturas necessárias para o fazer.”

XANA
Novo álbum dos Rádio Macau e investimento num circuito alternativo



A Xana é uma das poucas faces femininas que conseguiu vencer no meio rock nacional. Rádio Macau foi o grupo que a popularizou, mas, como outros nomes consagrados, já começou a participar noutras aventuras. O Johnny Guitar foi a primeira – uma aposta de peso na música moderna portuguesa. A Xana também intervém nela, agenciando grupos e fazendo relações públicas. Uma forma dos elementos da velha guarda patrocinarem as novas gerações e motivarem a renovação do meio. A vocalista dos Rádio Macau acredita no desenvolvimento que entretanto foi conseguido na música moderna portuguesa, nestes últimos dez anos, a nível de produções de espectáculos, de feitura de discos e de condições de trabalho a nível geral, mas constata facilmente a inexistência de um movimento paralelo de bandas novas. O velho problema que ela pretende contrariar sempre que puder. Previsões não arrisca, “porque até nunca foi muito boa nisso”. No entanto acredita que, se não existir uma renovação do meio e um constante aperfeiçoamento das condições, tudo pode morrer, porque estas coisas nunca estão seguras. Apetência do público já existe e bandas também, falta agora dar-lhe condições.
Os Rádio Macau, mediante um trabalho constante, já ultrapassaram o problema e prevêem alinhar um novo disco, a terminar em Novembro de 1991. Será diferente como têm sido os discos anteriores do grupo, mas ainda não está definido. O Luís Sampayo, o baterista que entrou recentemente para a formação e também pertence aos Pop Dell’Arte será um bom motivo gerador de novas influências. Outros projectos também estão na calha, mas como o segredo é a alma do negócio, “não se adianta nada, porque, por enquanto, não há certeza deles”.
Jorge Dias

ZÉ PEDRO

Jorge Dias

Xana – Manual de Sobrevivência (conj.)

06.03.1998
Portugueses
Náufragos Do Tempo
Rock, fado e tradição. Entre gestos de sobrevivência e remexidas no baú, descobrem-se caminhos e becos, experiências e perplexidades. Passando ou não ao lado da inovação. A música portuguesa desarrumada entre o passado e o presente.

“Manual de Sobrevivência”, segundo trabalho a solo da antiga vocalista dos Rádio Macau, é um álbum interessante mas que não esconde as suas limitações. Xana procura aqui a diferença que possa impor um estilo, a questão está em que a sua maneira e cantar, sem dúvida característica, demonstra enormes dificuldades em se libertar de um registo demasiado repetitivo. Como se cada capítulo deste manual fosse uma variação de uma única canção, ensaiada em velocidades, estados emocionais e arranjos diferentes. Assim, a monotonia acba por se instalar, dando ideia de que este manual poderia ter sido limitado a um folheto de isntruções básicas de salvação. Procure-se esta redenção na colaboração recente da cantora no álbum de Flak… (Nortesul, 6)

Camané vive o fado como poucos, contando de novo, neste seu segundo registo depois de “Uma Noite De Fados”, com a presença tutelar de José Mário Branco. E se a sua abordagem ao fado se insere na linhagem dos clássicos, tal não impede que um dos temas mais interessantes de “Na Linha da Vida” seja “Sopram ventos adversos”, de Manuela de Freitas e José Mário Branco, em que a atmosfera se abre a uma contemplação mais luminosa e o fado se desdobra “numa praia de sentimentos dispersos”. Uma via de confluência entre o fado-canção de Carlos do Carmo e o golpe de vista de Paulo Bragança que poderá projectar Camané para uma visão mais abrangente da tradição e de um espírito de fatalidade que parece marcar a sua música. (EMI-VC, 6)

José Barros, mentor do projecto Navegante, navega no seu segundo trabalho, de genérico “Cantigas Partindo-se”, em águas bem menos poluídas que as do disco de estreia. Ainda sem conseguir furtar-se totalmente à lama do popularucho, embora aqui na sua vertente menos ofensiva, de temas como “Serventês” e “Tão longe da vida” (verdadeiramente folk pimba) e incorrendo em inutilidades como a enésima versão de “Milho Verde”, o grupo revela-se capaz de encontrar alguns oásis de frescura e alguma originalidade. Estão neste caso a versão de um “São João” em tonalidades arabizantes, a força céltica de “Penha Garcia” e um par de baladas originais que não deixam de fazer lembrar os Romanças, como “Cascata”, “Saudades da Lua” e “Cantigas Partindo-se”, sobressaindo ainda o instrumental “Em Barca”, composto pelo violinista Jorge Cruz, onde é visível uma atenção a alguns dos rumos recentes seguidos pela “world music”. A este elevar da fasquia não serão alheias as participações de músicos como Rui Júnior e Pedro D’Orey (ex-Romanças), mencionados como elementos permanentes do grupo, Rui Vaz (dos Gaiteiros de Lisboa), Artur Fernandes (Danças Ocultas) e Pedro Jóia. (Ovação, 6)

No capítulo das reedições, o destaque vai por inteiro para “Cantigas do Sete-Estrelo”, álbum de 1985 da Ronda dos Quatro Caminhos que permance como um dos instantes iluminados da música portuguesa de raiz tradicional. Graças à magia criada por um colectivo que, alheio ainda a guerras que no futuro se viriam a declarar de forma violenta, apenas se preocupava então com a dignificação de uma música habituada a todo o tipo de maus tratos. Simples e directas, porque simples e directas são as raízes, sentem-se nestas “Cantigas” o trabalho e a dedicação profundos. Depois, a Europa e uma leitura da folk mais sofisticada impõem-se em monumentos de beleza como “Cantiga de Fiadeiro”, “Batuque” e “Quedos, quedos, cavaleiros!” (onde se percebe como a Ronda poderia ter sido o equivalente nacional dos franceses Malicorne…). O aparecimento de outras técnicas e abordagens de estilo, mais actuais, terão tornado algumas destas aproximações à tradição algo datadas, mas nada lhes poderá tirar a verdade do batimento de um coração. (Movieplay, 8)

Igualmente relevante é a reedição de “Pelo Toque da Viola”, álbum de 1981 dos Terra a Terra, ou seja, um dos exemplares mais antigos da segunda geração de grupos nacionais de raiz tradicional. Mais ortodoxos que a Ronda e valorizando sobretudo os arranjos vocais, os Terra a Terra propunham uma viagem pelas várias províncias do continente à boleia da voz, mas também das omnipresentes cordas e percussões. Algumas debilidades técnicas, como uma gaita-de-foles constipada, impedem voos mais altos num álbum marcado pela dança e pela presença de AnaFaria, antes de se dedicar à confeitura dos queijinhos frescos… (Movieplay, 6)