Arquivo de etiquetas: Neil Young

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #31 – “neil young (mariolopes)”

#31 – “neil young (mariolopes)”

Fernando Magalhães
25.10.2001 160415

O Neil Young ainda hoje continua a dar cartas, então quando entra na grande “trip” eléctrica, é o fim (se ouvires alguns álbuns recentes dele, percebes o que quero dizer…).
Pessoalmente, prefiro o seu lado mais acústico, sobretudo os os clássicos “After the Goldrush” e “Harvest”. Este último foi retomado já na década de 90, num belíssimo trabalho intitulado “Harvest Moon”. Todos estes CDs são fáceis de encontrar, inclusive em saldo.

FM

Neil Young – “A Discoteca” (dossier | artigo de opinião)

QUARTA-FEIRA, 7 MARÇO 1990 VIDEODISCOS
Pop


A DISCOTECA

NEIL YOUNG


Apelidaram-no de “looser”, mas no fundo é um vencedor. Ou um sobrevivente. Já passou por tudo e escapou ileso, ou quase. Melhor ou pior cicatrizadas, as feridas sempre serviram de pretexto para cantar novas e sofridas histórias. Com “Freedom”, o seu álbum mais recente, Neil Young regressa em força com um punhado de canções onde o pesadelo americano se confunde com as suas próprias fantasias.



Histórias da América, mil e uma aventuras na terra de todos e ninguém. Viagem pela paranoia urbana e pelos grandes espaços abertos de uma nação paradoxal. Dramas e alegrias, a morte de amigos, a queda quase fatídica nas drogas pesadas, tudo isto este canadiano viveu, traduzindo para palavras e música todas estas experiências. Consoante a época e a disposição, utilizou-se dos géneros musicais mais díspares para melhor contar todas as peripécias. Das raízes “country” ao “rock ‘n’ roll” mais pesado, passando pelo rockabilly, os “rhythm and blues” e as experimentações eletrónicas, deixou bem impressas as marcas da atitude ímpar e pessoalíssima.
Neil Young é o marginal por excelência, de guitarra e mochila às costas, percorrendo as estradas e o lado mais negro da alma americana. A força da personalidade e da música contrastam com a aparente fragilidade da voz. Seja nas baladas acústicas ou na batida rock mais saturada de eletricidade, é sempre a voz que, ironicamente, se destaca. E assim, aos poucos e a pulso, se foi construindo o mito, que este “Freedom” se encarrega de reforçar.
Começou nos Buffalo Springfield (se descontarmos os três anos que passou no Canadá com os Squires, tocando no circuito “folk”), ao lado de Stephen Stills, com os quais gravou alguns álbuns. “Neil Young”, de 68, é o seu primeiro disco a solo, mas nem mesmo a presença de Jack Nietzsche e Ry Cooder conseguiram evitar o fiasco em termos de vendas. Já com a sua banda de apoio, os Crazy Horse, grava “Everybody Knows this is Nowhere”, de 69, que, ao contrário do disco anterior, entra no top de vendas e é disco de ouro. Depois é o clássico “After the Goldrush”, do ano seguinte, com temas famosos como “Only Love Can Break your Heart” ou “Southern Man”. Predominavam nestes discos as influências folk, ainda determinantes no álbum seguinte, “Harvest”, um dos seus discos mais vendidos, mas caindo por vezes no tom bonitinho pela inclusão nalguns temas da London Symphony Orchestra. “Heart of Gold” (“top one” nos E.U.) e o magnífico “The Needle and the Damage Done”, a clássica canção anti-droga, são os temas mais conhecidos. “After the Goldrush” chega ao número oito na lista americana e é sétimo no Reino Unido. “Harvest” alcança o primeiro lugar em ambos os “Tops”.
“Journey Through the Past” (72) é um duplo com a banda sonora do filme do mesmo nome e inclui temas repescados dos Buffalo Springfield e do quarteto com David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash. Seguem-se “Time Fades Away” (ao vivo de 73), “On the Beach” (74) e, logo a seguir, “Tonight’s the Night”, gravado “ao vivo” em estúdio, o álbum mais negro e desesperado de toda a sua discografia, povoado de referências à “drug-culture” e dedicado ao músico dos Crazy Horse, Danny Whitten, morto de overdose. “Zuma” (75) contém o longo “Cortez the Killer” com um show de guitarra pontuando a narração das prepotências imperialistas levadas a cabo na América do Sul. Em 76 grava “Long May You Run” de parceria com Stephen Stills e, no ano seguinte, “American Stars ‘n’ Bars” tendo como vocalistas convidadas Linda Ronstadt e Emmylou Harris. “Comes a Time” (78) é um álbum à base de guitarra acústica e “Rust Never Sleeps” (79) assinala o regresso dos Crazy Horse. Os passos seguintes são mais um registo ao vivo no duplo “Live Rust” (79), o retorno ao “country” com “Hawks and Doves” (80) e o capricho eletrónico de “Trans”, misturando os sintetizadores e as caixas de ritmo, o rock dos Crazy Horse e a guitarra de Lofgren. A revista “Village Voice” considera Neil Young “artista da década”.
“Everybody’s Rockin’” (83) é puro “rockabilly” interpretado pelos Neil & The Shoeking Pinks e “Old Ways” (85) o “Country” revisitado. “Landing on Water” (86) dá origem a um vídeo de longa duração. “Decade” é um triplo de compilação de alguns dos seus melhores temas (com a subjetividade que tal classificação sempre comporta). Entretanto, Neil cede às pressões do “business”, gravando os menos interessantes “Life” (87) e “This Note’s for You” (89).
Finalmente a pérola mais recente, “Freedom”, que é já um clássico e dos álbuns mais fortes da carreira do músico, a guitarra de Neil soando mais cáustica do que nunca em temas como “60 to Zero”, “Eldorado”, “Brodway” ou a versão elétrica do ironicamente intitulado “Rockin’ in the Free World”.

Neil Young – “On The Beach” + “American Stars ‘n Bars” + “Hawks And Doves” + “Re.ac.tor”

(público >> y >> pop/rock >> crítica de discos)
1 Agosto 2003


neil young
um reator na praia

NEIL YOUNG
On the Beach
9|10
American Stars ‘n Bars
8|10
Hawks and Doves
7|10
Re.ac.tor
7|10
Reprise, distri. Warner Music



Quatro álbuns que permaneciam até agora sem prensagem em CD estão finalmente disponíveis em versões remasterizadas. De audição obrigatória para quem quiser conhecer o mosaico completo da obra de um dos grandes compositores americanos dos nossos dias. “On the Beach”, de 1974, é de abocanhar imediatamente. A par de “After the Goldrush”, “Tonight’s the Night” e “Zuma”, é um dos clássicos do “singer songwriter” canadiano. Um daqueles álbuns que nos faz ter fé no rock‘n’roll. Nele Neil Young volta-se do avesso, expõe-se, morde e lambe as feridas, indo direito ao coração latejante dos “blues”. É aqui que a sua alma se revolve e a sua dor se sublima. Ou, como lhe chamou a revista Rolling Stone, “um dos álbuns mais desesperados da década”. Quando qualquer meia-leca cambaleante agarrado a uma garrafa de whisky e a uma guitarra meio desafinada no barracão da “alternative country” passa por herói, é bom recordar “the real thing” e dar o prémio a quem palmilhou durante décadas as estradas e o pó de uma existência sem lar. “See the sky above the rain”, “Revolution blues”, a transplantação de medula das origens do rock para assegurar a nossa sobrevivência interior que é “For the turnstilles”, “Vampire blues” e a sua bebedeira de sangue e a caminhada solitária sobre o fio da navalha “Ambulance blues”, um épico do genuíno “country” ou “folk alternativo” para adultos, infiltram-se como chuva na roupa, fazem-nos os olhos vítreos, tornando-nos incapazes de qualquer reação que não seja a rendição total. Faz um ataque aos críticos, faz um ataque aos homens. A praia está deserta e Neil Young está voltado de frente para o mar.
“American Stars ‘n Bars”, de 1977, é declaradamente “country”, a cavalo nas “slide guitars” e em melodias que refletem a amargura e os dramas da América profunda. Valsas de celeiro, “barrel rock”, uma maneira de contar e de balançar as histórias que pode sugerir o filme desse outro americano em carne viva chamado Stan Ridgway. E se “Hey babe” não esconde ser a enésima variação da típica “melodia frágil” do autor, “Bite the bullet” é dos melhores momentos de raiva rock que o canadiano já nos ofereceu. Os colecionadores de clássicos saberão reconhecer “Like a hurricane”, com os seus ecos e efeitos atmosféricos, harmonias vocais psicadélicas, um vibrafone e a elegância sonhadora dos Crosby, Stills, Nash & Young.
“The old homestead”, “Lost in space” (os Byrds não encontrariam um título melhor) e “Captain Kennedy”, arrancado da espinha dorsal da folk, são algumas das melodias encantatórias de “Hawks & Doves”, álbum de 1980 pouco mencionado na discografia do autor que sucede ao luciferino “Rust never sleeps” e, talvez por isso, não ferve em tão pouca água. Sem grandes explosões de catarse, contém canções de uma beleza aérea e “country folk” com o violino de Rufus Thibodeaux em destaque, servida em formato mais adequado às pretensões da rádio FM, incluindo o Dyloniano “Union man”.
“Re.ac.tor” (a reação do ator?), de 1981, com os Crazy Horse, liga-se à corrente do “rhythm‘n’blues” (“Get back on it”, curiosamente tão “laidback” como “Get back” dos Beatles…), tem compassos e palmas “new wave” (“Southern pacific” mostra tudo o que dá vida a um tema dos Talking Heads), harmonias vocais e guitarras a fazerem lembrar o “Station to Station”, de Bowie, numa série de automatismos rítmicos que preparavam o terreno para a inesperada incursão nos terrenos da pop eletrónica que daria origem, dois anos mais tarde, a “Trans”. Para arrasar, “Re.ac.tor” ainda arranja forças para o rock bélico de “Shots”, com tiros e explosões e, uma vez mais, batida cem por cento Talking Heads. Sem defesa possível.