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José Peixoto – Entrevista – “Um ‘Artigo Para O Espírito'”

Pop Rock

19 Fevereiro 1997

José Peixoto lança, a solo, “As Vozes dos Passos”

UM “ARTIGO PARA O ESPÍRITO”

Ao cabo de três anos de viagem constante com os Madredeus, José Peixoto encontrou o espírito da paz. Em “As Vozes dos Passos”, o seu novo álbum, há uma guitarra acústica, um som solitário e uma procura. A voz dos passos é a voz do silêncio.


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José Peixoto, guitarrista dos Madredeus, é um nómada da música. Um espírito livre, em trânsito entre o redemoinho das digressões com o grupo e as longas praias do seu Sul. Parou no intervalo desse percurso para falar ao PÚBLICO.
PÚBLICO – “As Vozes dos Passos” refere-se mais do que uma vez ao tempo e à viagem. Quando e onde se processou a sua gestação?
José Peixoto – A ideia foi concebida ao longo da série de viagens que integraram a última digressão dos Madredeus, três anos, desde que entrei no grupo, de viagem permanente.
P. – É um disco de depuração máxima. Uma guitarra acústica e uma solidão.
R. – É capaz de ser a expressão mais íntima. Ter um instrumento só, capaz de veicular todas as ideias num universo monotímbrico.
P. – O risco não é maior?
R. – Em termos comerciais, é mais arriscado. Só que nunca coloquei, em relação à música que faço, o problema nesses termos. Não vivo nem nunca dependi da música que faço. Assim, sinto que gozo de toda a liberdade para explorar o que me apetecer. Sem quaisquer pressões.
P. – O álbum pode ser um escape à rotina dos Madredeus?
R. – Sim, é verdade. A viagem deu-me o tempo e o isolamento necessários. Durante a viagem, em que se não é o aeroporto é o hotel, ou o carro, ou o camarim, estabelece-se uma rotina que, se não é combatida com uma postura criativa permanente, pode levar a uma cristalização. Andar de um sítio para o outro sem aproveitar, sem viver o tempo.
P. – Esse isolamento é um refúgio?
R. – Sobretudo é haver tempo para poder estar comigo mesmo. São viagens de 500, 600 quilómetros sentado num autocarro, durante os quais se pode ler ou ouvir música, ou, pura e simplesmente, penar, ir aprofundando certas ideias.
P. – Anotava essas ideias, tocava, como é que fazia?
R. – Sobretudo quando podia estar num sítio sentado, para poder tocar. As viagens em si, em autocarros ou aviões, podem definir certos estados mentais que posteriormente, sozinho, posso materializar, dar-lhes uma expressão sonora. Não quer dizer que ande a escrever as partituras nos autocarros ou nos aviões…
P. – Há alguma razão especial para ter dividido o disco em duas partes distintas?
R. – Os “Apontamentos de Viagem” foram feitos mesmo nesse período de viagem. O segundo capítulo, “Das Vozes”, é música cujo miolo já estava definido, embora a arte final também fosse feita em viagem.
P. – O epílogo tem um título enigmático, “A espera”. Espera de quê?
R. – A espera em si. A espera, não como uma atitude passiva, mas como uma atitude expectante.
P. – Já falou em viagens exteriores. E a interior?
R. – É uma viagem interior permanente. Se partirmos do princípio que a vida pode ser encarada com um processo de auto-consciência, da pessoa se ir encontrando, essa procura de uma voz interior, é uma procura permanente. Vivida segundo a segundo. Tento aproveitar o mais possível o privilégio de estar vivo.
P. – Orienta-se por um Sul espiritual?
R. – O Sul é onde me sinto em casa. Tem a ver com luz, temperatura, com uma certa vibração das pessoas e da Natureza.
P. – Não receia que este disco possa ser ouvido um pouco pela superfície, como música de fundo, embrulhado na seda da “new age”?
R. – É algo que já me escapa. O disco já não me pertence. O que lhe vai acontecer escapa-me. Preocupa-me mais a intemporalidade do que a modernidade, no sentido de estar na vanguarda. É mais importante que esta música possa ser ouvida com a mesma validade daqui a 50 ou 100 anos, sem estar sujeita ás modas.
P. – Não conseguiu encontrar o espírito da paz nos Madredeus?
R. – Isto é a minha música, que já existia antes dos Madredeus. O grupo tem outras referências, é formado por outras pessoas, é uma cabeça colectiva. Nunca poderia estar cem por cento satisfeito, no sentido de não ter que fazer esta música. “A Voz dos Passos” é um artigo para o espírito.
P. – “As Vozes dos Passos” demora-se em que ponto da viagem?
R. – Um disco é sempre um ponto de partida, funcionando como o registo no tempo de uma determinada fase ou de um determinado estado de espírito. Nunca é um ponto final, mas uma vírgula. Agora, que surpresas é que vou ter de mim mesmo, no futuro, isso não sei. Não sei se será uma orquestra, se irá ser um disco de silêncios. A porta está aberta.



José Peixoto – “Taifa”

POP ROCK

9 MARÇO 1994

José Peixoto
Taifa

Playon, distri. MVM


taifa

Com “El Fad”, o seu álbum anterior, José Peixoto, actualmente elemento dos Madredeus, deu-se a conhecer como um bom executante de guitarra acústica, com um estilo personalizado que não escondia o gosto pelos ritmos e fraseados da música árabe. “Taifa” volta a mostrar o lado tecnicista, embora partilhado com um segundo guitarrista, Mário Delgado, e o apoio firme e discreto, de José Salgueiro, nas percussões. Mas falta algo a estes por vezes excessivos longos conciliábulos de guitarras que se debruçam sobre o próprio umbigo, cada qual no seu canal de estéreo, e se esquecem da emoção. Se há quem possa achar geladas certas produções da ECM, o que não diriam da frieza, por vezes árctica, de “Taifa”, que, ironicamente, deveria reter e reflectir o calor das músicas do Mediterrâneo. A introspecção, quando exposta à audição e interpretação de um público reflector, implica vontade de comunicação. É esta ausência de vontade de partilha que marca “Taifa” pela negativa. Mesmo que o autor dedique o disco “àqueles que são de parte nenhuma, aos espectadores do tempo, aos nómadas da vida”. Certo! Mas mesmo esses talvez gostassem de algo mais substancial. (6)



MPP: A Geração Dos Supercondutores – artigo

Pop Rock

9 MARÇO 1994

MPP: A GERAÇÃO DOS SUPERCONDUTORES


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Pedro Barroso, Ganhões de Castro Verde, José Peixoto e Romanças editaram ou vão editar novos discos cujo denominador comum é a música de raiz tradicional. As cantigas de amigo da Idade Média, o “cante” alentejano, a influência árabe e o folclore português adaptados, recriados ou apresentados na sua pureza primitiva. Numa altura em que a Ronda dos Quatro Caminhos cometeu a proeza de ser o primeiro grupo de música tradicional portuguesa a entrar no “top” nacional de venda de álbuns, com “Uma Noite de Música Tradicional”, é forçoso concluir que se está na presença de um movimento com força e pernas para andar. Não só em termos estéticos, mas também comerciais. Há quem veja na música tradicional uma das músicas do futuro. Em Portugal, cada vez mais pessoas começam a perceber isso. Os artistas rock e pop procuram nas raízes a fonte de inspiração. Uns vão ao fado, outros aos arquivos, outros ainda procuram nos lugares geográficos as palavras e os sons que hão-de dar corpo aos seus projectos. Um número crescente de músicos nacionais compreende que a sua evolução será tanto mais segura quanto mais eles forem capazes de aprender e conduzir a tradição. 1994 promete ser um ano diferente para a música portuguesa.

LUA NA POUSADA

O novo disco dos Romanças, que sucede a “Monte da Lua”, chama-se “Azuldesejo” e deverá ser editado com o selo Luminária no próximo mês de Abril. Traz a particularidade de ter sido gravado numa pousada situada na Serra de Sintra (afinal, o monte da Lua), perto de Santa Eufémia – uma ideia que começou por ter a ver com custos mais baixos de produção e acabou por ser determinante no próprio som do disco. “Neste disco, decidimos experimentar muitas coisas”, diz Pedro D’ Orey, que, pela primeira vez, introduz o som da harpa na música dos Romanças – “Queríamos ter tempo e disponibilidade para isso. Ora, num estúdio a quinze contos a hora, não se tem propriamente disponibilidade para andar a experimentar sozinhos…” Experiências que passam também pela não utilização da bateria, substituída pelas percussões (percussões industriais no tema “Auto da criação”…) de Fernando Molina, João Luís Lobo e do convidado José Salgueiro, que, juntamente com Pedro D’ Orey, produz “Azuldesejo”, pela contribuição na voz feminina de Filomena Pereira e por uma canção cantada em japonês. “São salas vivas, salas reais”, continua Pedro D’ Orey, referindo-se ao local de gravação, “nas quais gravámos de manhã, de tarde e à noite durante um mês, sem fins-de-semana… Por exemplo, as gaitas-de-foles [dos convidados Paulo Marinho e Rui Vaz] foram gravadas da sala de jantar e não têm um pingo de reverberação artificial”. Quanto ao projecto da banda, no essencial, permanece fiel ao original: “Fazer interpretações de uma forma não ‘tradicional’, como se faia no século passado, ou seja, utilizando uma linguagem moderna” de composições que, todavia, se baseiam em temas tradicionais. “Não queremos que nos considerem um grupo de música tradicional”, diz Fernando Pereira (não confundir com o imitador), vocalista e guitarrista dos Romanças, “embora no disco haja quatro ou cinco temas cantados de maneira tradicional, pois não queríamos que houvesse um corte abrupto”.
A provar que os Romanças deixaram boas recordações com o anterior “Monte da Lua” está o facto de já terem vendido dez mil exemplares do novo disco, cinco mil comprados pela entidade patrocinadora da gravação e a restante metade em pedidos antecipados, o que faz com que “Azuldesejo”, mesmo antes de ser lançado no mercado, já seja disco de prata. As composições que integram o álbum são “As vozes do mundo”, “Mineta”, “Galicia”, “Candeia”, “Janeiradas”, “Oceanos”, “Soredemo”, “Carolina”, “Fim do dia”, “Vindima”, “Auto da Criação” e uma versão instrumental de “Mulher da erva”, de José Afonso.

O “CANTE” NÃO ENTRA NO CAFÉ


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António Eduardo Revez tem 57 anos de idade, duas filhas e é taxista de profissão. É também um dos elementos solistas do grupo de cante alentejano Ganhões de Castro Verde, onde desempenha as funções de “alto”. “Nascido e criado na Alentejo”, António Revez perde “horas do serviço profissional” para se dedicar ao canto. Actividade vital – como a respiração, o trabalho ou o lazer –, o canto alentejano vive do colectivo. Canta-se na taberna, na eira, na rua, ao luar. “Modas”, estreia em disco do grupo, foi gravado num auditório. Sucederam-se os “takes” entre a boa disposição e, por vezes, alguma impaciência. “Eu não diria que foi mais difícil”, diz António Revez referindo-se ao local de gravações. “É, talvez, a questão psicológica das pessoas que pode provocar algum nervosismo. O alentejano é assim: quando tem um copo de vinho, a alegria chega mais depressa.” De resto, está a perder-se aos poucos a tradição de cantar nas tabernas, em parte porque este tipo de estabelecimento e local de convívio tende a desaparecer, substituído pelo café. “A mocidade de hoje só procura os cafés. Os jovens deixaram de ir às tabernas onde se juntavam antigamente as pessoas, que eram mais modestas na questão monetária.” As filhas de António Revez acham a actividade artística do pai “engraçada” e dizem que ele “ainda vai no uso antigo”. Os jovens afastam-se: “É triste, não conseguem aprovar o património que nós tínhamos, o sistema cultural, a nossa música, os nossos cantares. Agora é tudo mais moderno, as pessoas estão voltadas para os rocks e isto e aquilo.” No que diz respeito aos Ganhões de Castro Verde, mantêm-se fiéis à voz do sangue e da terra que lhes deu origem.