Arquivo de etiquetas: Gerry Hemingway

Gold Sparkle Trio – “Thunder Reminded Me” + Gerry Hemingway Quartet – “Devils Paradise” + Kevin Norton’s Metaphor Quartet – “Not Only In That Golden Tree…” + Ethan Winogrand – “Made In Brooklyn”

(público >> mil-folhas >> jazz >> crítica de discos)
sábado, 07 Junho 2003


Alimentação a baterias

GOLD SPARKLE TRIO
Thunder Reminded me
8 | 10



O som é cru, direto, musculado. O som dos Goldsparkle Trio: Andrew Barker (bateria), Adam Roberts (contrabaixo) e Charles Waters (saxofone alto e clarinete). Gravado ao vivo em 2001 numa antiga sala de escritório da Knitting Factory, “Thunder Reminded Me” está entre o free jazz e o free rock, a “downtown” e Ornette Coleman. Barker bate forte e feio. O seu solo em “For Billy Higgins”, homenagem a este baterista que integrou os quartetos de Ornette Coleman entre 1959 e 1961, é para castigar. Waters é magnífico no sax alto. Rude e altivo. Ornettiano, pois. Como no título-tema. A tirar melodias do vórtice para logo as despedaçar numa angústia que é também afirmação de vida. No mesmo tema, Roberts dá boa conta de si, num solo com a clareza e o “punch” de um William Parker. E se o mote do grupo passa pela “reconciliação de visões de um ‘jazz future past’”, então “Coronation blues for the Memory Theatre West Coast”, périplo com origem nos “blues”, e “Williamsburg Concerto #1.2”, uma piada ao Concerto de Brandemburgo de Bach, justificam-no plenamente. Ou como eles dizem: “Não fazemos prisioneiros!”

GERRY HEMINGWAY QUARTET
Devils Paradise
9 | 10


Conhecido pela sua participação, nos anos 80 e 90, no quarteto de Anthony Braxton, o baterista Gerry Hemingway formou em 1997 o atual quarteto com Ray Anderson (trombone), Ellery Eskelin (saxofone tenor) e Mark Dresser (bateria). Coloca-se a dúvida: Como pode o diabo habitar no paraíso? Encare-se a questão do seguinte modo: O que Hemingway e os seus companheiros fazem é simultaneamente uma revolta e uma libertação das linguagens tradicionais do jazz, através de uma reconversão que devolve o prazer sob novas formas. Improvisador nato, o baterista mantém latente um estado de tensão que Eskelin estica até aos limites e Ray Anderson, pelo contrário, contraria, distendendo e embalando a música com um gozo infantil, de marchas, “gospel” e “Dixieland”. Entre as várias paisagens diabolicamente paradisíacas, retenha-se, para bem dos nossos pecados, sobretudo o da luxúria auditiva, o diálogo entre o trombone e o sax tenor em “Back again some time” e o extraordinário “swing” que dele emana.


KEVIN NORTON’S METAPHOR QUARTET
Not only in that Golden Tree…
8 | 10



Formado no Inverno de 2000, o grupo Metaphor integra, além de Kevin Norton (bateria, parceiro musical de Braxton, Dresser, Fred Frith e Eugene Chadbourne, entre outros), Masahiko Kono (trombone e eletrónica), Hitomi Tono’oka (vibrafone) e Wilber Morris (contrabaixo). Juntar a revolta de um Cecil Taylor com o lirismo de um Paul Bley, como se diz algures, é uma pista ténue para permitir a navegação num mar de margens bem mais largas. Os dezanove minutos de “Missed you in Coutances, babe” e os dezoito de “It must be” (de novo com o trombone a funcionar como turbina e um vibrafone com sapatilhas de dança e punhais – lembrámo-nos de Stomu Yamashta – num quadro geral que sugere os Spring Heel Jack sem ficha de ligação à terra), tal como os restantes temas, gravados sem ensaios em na Knitting Factory, aconselham ao ouvinte o uso de bússola e lanterna. “Free free music”, delírios eletro-acústicos e uma fúria criativa que parece desprender-se das paredes da Knitting Factory para se colar aos músicos, que finalmente nos deixam, como diz o título de um dos temas, “not drunk, but stunned”, não bêbedos, mas perplexos.

ETHAN WINOGRAND
Made in Brooklyn
7 | 10



Por aqui anda-se mais a direito, sem receio de esbarrar numa esquina traiçoeira ou de tombar num poço dissimulado. “Made in Brooklyn” dança-se de ouvido, ao ritmo de um jazz jovial e do recorrente traço “downtown”, presente principalmente nos saxofones tenor e soprano de Donny McCaslin. Já agora, os outros músicos são o líder Ethan (outra vez um baterista!), Ross Bonadonna (guitarra, baixo, saxofone barítono, piano e sons) e Eric Mingus (contrabaixo elétrico). “Downtown” que, feita neste caso em Brooklyn, tanto pode passar pelo “fake jazz” dos Lounge Lizards (“Skip to my blues”, “Which Congo way”) como pelo conceptualismo de Bobby Previte ou pela eletrónica desfocada de Wayne Horvitz (a influência destes dois mistura-se num tema como “Pepper and thing”). O jazz jorra, certamente, mas por leitos já abertos e um pouco gastos.

Todos Clean Feed, distri. Trem Azul