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Manuel Freire, Pedro Barroso e Francisco Fanhais – “Freire, Barroso e Fanhais No S. Luiz – Vozes Na Luta Não Chegam Ao Céu”

Cultura >> Sábado, 05.12.1992

Freire, Barroso e Fanhais No S. Luiz
Vozes Na Luta Não Chegam Ao Céu

CANÇÕES de luta fazem sentido quando a primeira força vem da música, do gesto criativo. Manuel Freire, Pedro Barroso e Francisco Fanhais, três amigos que na quinta e sexta-feira marcaram encontro em Lisboa, no Teatro S. Luiz, foram baladeiros da era “Zip-Zip”, armados de guitarras e de palavras de poetas, que lutaram contra o regime político anterior ao 25 de Abril de 74. Hoje são exactamente o que eram há vinte ou trinta anos, com a diferença de que agora as mesmas canções não passam de exercícios de nostalgia destinados a recordar aos mais velhos (que compunham maioritariamente a plateia do S. Luiz) os bons velhos tempos da resistência antifascista.
Comparemos, por exemplo, este encontro com outro semelhante realizado no mesmo local há uns meses, que reuniu António Victorino de Almeida, José Mário Branco e Carlos do Carmo, qualquer deles, por vias diferentes, também detentor legítimo do estatuto de “resistente”. Passados os anos, instituída a democracia, continuam a fazer música que vale por si, indepentemente de qualquer carga intervencionista. Por isso, o seu concerto fez sentido, foi actual, mereceu a pena.
Freire, Barroso e Fanhais, pelo contrário, fizeram pena. As canções (eles não dizem “canções”, dizem “cantigas”, não têm “mulheres” têm “companheiras”), antigas, remetem quase todas para o passado. Manuel Freire e Pedro Barroso têm boas vozes, escolhem poetas (nalguns casos mais fabricantes de versos), viram o disco e tocam o mesmo. Freire é Paris e variações infinitas da “Pedra Filosofal”, Barroso toma-se por Brel quando eleva a voz e acelera à procura da “Valse a mille temps”. Quanto a Fanhais, não tem voz nem sabe cantar mas, curiosamente, é dos três o mais inventivo e original ao nível de composição. Pertenceu-lhe um dosmomentos mais latos da noite numa péssima interpretação de uma “cantiga” pungente sobre “Velhas solteiras”. O outro foi “A vida” cantada em tom de tragédia por Manuel Freire.
O resto foram piadas forçadas e privadas (Pedro Barroso, a propósito de nada, sobre Fanhais: “Foi um truque que aprendeu no seminário”. Resposta do ex-padre: “Eh pá, essa é mais velha que a Sé de Braga”, seguida de um “não renego um só segundo do meu passado” dito em tom de quem renega. O mesmo Fanhais, na apresentação de um tradicional beirão: “É como um regresso ao útero, eh pá esta é um bocado forte, o Pedro diria antes ‘à mãe-terra’”), o diálogo em tom coloquial a sugerir cumplicidades partilhadas, umas habilidades (“agora Pedro Barroso vai tocar gaita e piano ao mesmo tempo”) e algum cheiro a naftalina.
Salvaram-se os três acompanhantes – Jorge Gonçalves (acordeão, baixo e piano), Pedro Fragoso (cordas dedilhadas e teclados) e Luís Sá-Pessoa (violoncelo) – encarregados de põr música nas recordações. Escusado será dizer que toda a gente cantou em coro a “Pedra Filosofal” naquela parte que diz “O lá lá lá rá lá lá rá”. Vozes na luta não chegam ao céu.

Manuel Freire, Francisco Fanhais e Pedro Barroso – “Freire, Fanhais e Barroso No S. Luiz – Encontro De Amigos” (concerto / s. luiz)

Cultura >> Quinta-Feira, 03.12.1992


Freire, Fanhais e Barroso No S. Luiz
Encontro De Amigos


AMIGOS, AMIGOS, negócios à parte, costuma-se dizer. Não é nem vai ser o caso de Manuel Freire, Francisco Fanhais e Pedro Barroso, amigos de longas lutas contra o antigo regime, em forma de canções. Ainda há quem se lembre que houve Abril, um certo Abril, e que antes era difícil dizer o que havia a dizer. Três amigos voltam a encontrar-se, a relembrar lutas passadas, a inventar, talvez, lutas futuras. Manuel Freire, Francisco Fanhais e Pedro Barroso, num “Encontro de Amigos” a realizar hoje e amanhã, em Lisboa, no Teatro Municipal S. Luiz, às 21h30, e dia 10 no Porto, no Teatro Rivoli, à mesma hora.
Acompanham os três cantores, em palco, Jorge Gonçalves (acordeão, baixo e piano), Pedro Fragoso (guitarra, cavaquinho, piano, guitarra portuguesa, sintetizador, viola campaniça e braguesa) e Luís Sá-Pessoa (violoncelo). O espectáculo inclui textos e música dos próprios, de António Gedeão, Manuel Alegre, Viniciius de Morais, Rebordão Navarro, José Fanha, Martinho Marques, José Afonso, António Cabral, Sophia de Mello Breyner, Sebastião da Gama, Reinaldo Ferrreira, Adriano Correia de Oliveira, Rosália de Castro, José Niza e António Portugal. Apoiam o “encontro”, as Câmaras Municipais de Lisboa e Porto, a RTC – Radiotelevisão Comercial e RDP – Antena 1, em colaboração com a MC – Mundo da Canção.
Francisco Fanhais abandonou a batina e o seminário para se dedicar às baladas de intervenção. Ainda na qualidade de padre e baladeiro actuou no mítico “Zip Zip”, em 1969, fazendo na altura parte de um grupo de cantores que usavam “a poesia, a voz e a viola para dinamizar inúmeras e acidentadas sessões de resistência ao Estado Novo”. Em 1971 foi com José Afonso para Paris, para a “resistência”. Cinco dias depois da revolução dos cravos regressou a Portugal onde, desde então, tem tocado “um pouco por todo o lado”. Mas os tempos não estão para revoluções. O ex-padre resume a sua vida nos seguintes termos: “Dois filhos, dois discos, muitas árvores, muitos amigos”.
“Não há machado que corte a raiz ao pensamento porque é livre como o vento…”. Quem nunca, numa ou noutra ocasião, deu por si a cantarolar estes versos? Cantou-os Manuel Freire, outro lutador, para quem a música sempre foi indissociável da crítica intervencionista. Foi ele quem disse uma vez: “Eu canto textos de poetas especialmente porque me sinto um poeta frustrado”. Esteve, como os outros, em Paris (ah, Paris, Paris, que bem lá se estava, longe dos fascistas, nos boulevards e nas tertúlias do Quartier Latin…), onde conheceu Luís Cília (grande músico) e José Mário Branco. Também foi ao “Zip Zip”, claro, e cantou a “Pedra Filosofal”. Enfim, o percurso habitual, problemas com a censura, o 25 de Abril surgido um pouco a despropósito, a obrigar outros sons e outras palavras.
A mensagem de Pedro Barroso é a mais hiperbólica: “… Se me perguntarem hoje onde estou, para onde vou e de que me alimento, a resposta surge – ‘longe daqui’. E tenho de ir buscar diariamente à nossa história a alma vertical para poder continuar. E ao sonho impossível da doce e laboriosa utopia do São Nunca”. Parece ser uma boa mensagem, sobretudo no que diz respeito à alimentação, a julgar pelo bom e nutrido aspecto que o cantor aparenta. “Zip Zip”, “baladas a desempenharem importante papel de consciencialização e mobilização”, actor numa peça de Mishima e campanhas de dinamização cultural do Movimento das Forças Armadas fazem parte do seu currículo. Nele o mais interessante é o recurso à música tradicional, às chulas, corridinhos e malhões, embora depois diga coisas do estilo “Tenho a estrada suficiente para emitir opinião do ponto de vista étnico-social: o cantor da eira aparece, nos recitais, cruzado com devaneios intimistas que falam de mim”. Que falam dele. É um andarilho que evoca nas suas canções os seus temas de sempre – “a mulher, o mar, a natureza dos tipos humanos, a solidariedade, o amor e a portucalidade”.
São três amigos e vão fazer de conta que nada mudou.