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Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #27 – “Einstürzende Neubauten”

#27 – “Einstürzende Neubauten”

Fernando Magalhães
18.10.2001 150300

Fantástico, o “Strategies Against Architecture III – A Comedy of Errors”, dos EN. Crítica amanhã no SONS (8/10), juntamente com o novo TARWATER (7/10) e a estreia de KUBIQUE – “Oblik Musik”, de Victorik Afonsik.

Ainda os EN: Violência e canções. Ruído e melodia. Música concreta e electrónica doente. Rituais percussivos e hinos apocalípticos. Dos 4 temas ao vivo incluídos neste duplo CD, destaque para o espantoso e esquizofrénico (ouça-se a vocalização de Blixa Bargeld!) “Redukt”.
Um dos álbuns do ano.

FM

Mário Z.
18.10.2001 150307

Já vi o disco dos EN por aí à venda, mas ainda não comprei… Uma dúvida se coloca: sendo o álbum uma compilação, deverá direito a ser incluído numa hipotética lista de melhores do ano?

Saudações em tom sério

Mário

Fernando Magalhães
18.10.2001 150312

Não se trata bem de uma compilação, uma vez que a totalidade do duplo é constituída por versões alternativas, inéditos, temas ao vivo e temas “obscuros” (a indicação é do próprio grupo) que incluem, por ex., composições para a companhia de bailado La La La Human Steps.
Logo, não choca incluí-lo nos melhores do ano.

FM

Einstürzende Neubauten – “Einstürzende Neubauten ‘Arrasam’ Voz Do Operário – Orgasmo De Metal” (concerto)

cultura >> segunda-feira, 13.09.1993


Einstürzende Neubauten “Arrasam” Voz Do Operário
Orgasmo De Metal


Saltaram as hormonas e as líbidos despedaçaram-se em estilhas de metal. Música, ou antimúsica, a prestação dos Einstürzende Neubauten em Lisboa foi qualquer coisa de esmagador e, para muitos, ensurdecedor. Mistura de êxtase e de medo. Orgia de ruído, de corpos em sintonia convulsiva com o inferno.

Há compadrios com Nietzsche, Wilhelm Reich, Foucault e Lautréaumont na estética desta banda berlinense que liberta cargas monstruosas de energia sexual. Em batimentos no metal, na electricidade em fúria, no grito orgástico do corpo enleado em maquinismos infernais. Os Einstürzende Neubauten praticam o culto do disforme, da brutalidade sonora, envolta numa aura de incompreensibilidade que a utilização da língua alemã torna em absoluto impenetrável. Mas se os cérebros não compreenderam, os corpos captaram a mensagem, e de que maneira! Só lhes restando aceitar ou repelir, com intensidade equivalente à da música, o ritual de horror que lhes foi proposto.
Os portugueses Lucretia Divina prepararam o cenário de pesadelo, na noite de sábado, no alto do salão-sótão da Voz do Operário, em Lisboa, pejado de um público maioritariamente vestido de negro que antecipava já o gozo das torturas que lhes seriam infligidas pelos alemães.
Teclados electrónicos e uma batida hipnótica, dois vocalistas – ele em tronco nu e calças de napa à Iggy Pop, ela de bruxa. Ele em frequente agonia rojando-se pelo chão, ela soltando risadas demoníacas – mostraram uma música provocatória onde cabem influências tão díspares como a teatralidade de um Marc Almond, danças tradicionais irlandesas, marteladas industriais, lenga-lengas de embalar infantis, culminando com uma versão do clássico-chique-decadentista “Lili Marlene”.
Depois deles veio o caos. Os Neubauten começaram devagar, passando em revista, numa questão de segundos, a violência pioneira dos Velvet Underground e o lirismo dilacerado de Nick Cave, para partirem em seguida numa cavalgada em direcção às profundezas. Impressionante a figura do colosso N. U. Unruh, exibindo o tronco nu de ogre, a percutir com ferocidade uma variedade de objectos de metal, como Thor, quando fazia soltar raios da bigorna.
A “performance” dos Neubauten, arrancada sobretudo dos álbuns “Hause de Luege” e “Tabula Rasa”, funcionou à maneira de um acumulador de energia sexual que periodicamente era ejectada em orgasmos de metal incandescente. Uma orgia báquica de ruído, domado com mão de ferro pelos cinco manipuladores, que convocou o instinto, as pulsações do corpo, fazendo-o estremecer, batendo-lhe sem dó nem piedade até o fazer gritar de dor – ou de prazer. Blixa Bargeld berrou como um danado, F. M. Einheit arrancou dos sintetizadores frequências sonoras no limite do suportável. De clímax em clímax o espectáculo evoluiu até ao transe. Os músicos resolveram lançar-se, desamparados, para o meio das primeiras filas da plateia em delírio, membros da assistência subiram por sua vez ao palco para mergulhar no mar humano. Uma rapariga, de longo vestido, ousou mesmo um salto mortal, iluminada pelos holofotes, boneca de trapos animada por forças Às quais não conseguiu resistir. O “show” (não era disso que se tratava?…) passou a ser total, impossível saber quem era quem, entre o magma humano, de corpos anónimos que se atiravam ao ar, à carne, à vertigem.
Sucederam-se os batuques – fábricas em plena laboração -, pontuados por uivos que se transformavam em hinos em louvor a divindades pagãs. No final, já em “encore” furiosamente exigido pela assistência, os cinco Neubauten edificaram o templo invertido, banhados por uma luz verde intensa, de algas. A Voz do Operário transformou-se em santuário do mal.

Einstürzende Neubauten – “Silence is Sexy”

14 de Abril 2000
POP ROCK – DISCOS


Einstürzende Neubauten
Silence is Sexy (8/10)
2xCD Zomba, distri. Música Alternativa



Existem duas maneiras para se destruir o equilíbrio psicológico de uma pessoa. Uma, mais directa, é fazer detonar uma carga de dinamite junto ao tímpano do sujeito da experiência. Efeito garantido. Outra é segredar-lhe, com suavidade, ao ouvido, alguma verdade terrível que o faça empalidecer e perder de uma só vez todas as certezas que supunha ter. Os berlinenses Einstürzende Neubauten começaram por usar a primeira estratégia mas, aos poucos, foram passando para a segunda. “Silence is Sexy” é um palimpsesto. Camada sob camada e à medida que aumenta o grau de investimento psicológico do auditor, o álbum sugere temíveis realidades ocultas, como uma novela de H. P. Lovecraft. A macroestrutura de ruídos industriais que prevaleceu na obra dos Neubauten até “Tabula Rasa” foi substituída por um microcosmo de ruídos por vezes quase inaudíveis como o do “fumo do cigarro” do título-tema, inspirado na composição “4.33” de John Cage. Ou seja, em vez da cacofonia, o silêncio ocupa agora o lugar central na estética de transmutação do grupo alemão, pois é disso que trata a sua música e a sua filosofia. A substituição de uma realidade e das formas de percepção da mesma por outras diferentes. À superfície um álbum de canções, “Silence is Sexy” investe, sem dúvida, nas palavras e no seu potencial de manipulação, mas é no tema que ocupa separadamente todo o segundo CD, “Pelicanol”, que o aspecto sensorial e mnemónico desde sempre cultivado pelo grupo (a cola com este nome, o seu cheiro) se confunde a aprofunda no símbolo alquímico do pelicano, numa operação de desmantelamento semântico e sonoro que culmina nos gritos de uma criança mutante, matéria já de um outro estado de existência, como o do “homem-mosca-máquina” de Cronenberg.