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De Danann + Lá Lugh + Mairtin O’Connor + Ceolbeg + Brian McNeill + Kolinda + Bisserova Sisters + Orient Express – “De Avalon À Terra Das Águias” (críticas / céltica / vários)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 18.03.1992


DE AVALON À TERRA DAS ÁGUIAS

“Jigs” e “reels” são termos já familiares no léxico das danças irlandesas. Juntem-se-lhes, em diversas variantes, os “airs”, “hornpipes” e “strathspeys”. Ou as valsas, marchas, polcas e mazurkas, adaptadas à veia nacional. Sem esquecer as baladas vocais. Dá para ter uma ideia da riqueza e variedade da música tradicional da “Ilha de esmeralda”. Provam-no também a nova remessa de títulos acabados de chegar ao nosso mercado discográfico.



“A Jacket of Batteries” de monstra até que ponto os De Danann não têm contemplações: nada escapa ao delírio instrumental desta banda lendária que, com os Bothy Band e os Planxty, ajudou a traçar os fundamentos de toda uma nova e excitante contextualização para a música tradicional do seu país. Do tradicionalismo mais ortodoxo das suites de danças ou do clássico “Carrickfergus” não hesitam em lançar-se num “Mandela” de ressonâncias africanas, nos floreados de uma pauta de Bach ou numa deliciosa adaptação “tradicionalizada” de “Eleanor Rigby”. Frankie Gavin (rabeca, flauta, piano) e Alec Finn (bouzouki, guitarra, teclados), os dois únicos sobreviventes da formação original, encarregam-se de demonstrar todo o seu humor e virtuosismo, bem secundados pelos restantes instrumentistas, Colm Murphy (bodhran), Adele O’Dwyer (violoncelo) e Aidan Coffey (acordeão). Nas baladas em que é chamada a emprestar a sua voz, Eleanor Shanley não faz esquecer a “deusa” Dolores Keane, omnipresente em álbuns como “De Danann”, “Anthem” ou “Ballroom”. “Defeito” menor num disco de uma banda veterana que insiste em desbravar novos caminhos. Distribuídos pela Megamúsica.
Gerry O’Connor (rabeca) e Eithne Ni Uallacháin (voz, flauta, tin whistle) constituem os Lá Lugh, que estiveram recentemente em Portugal numa mini digressão pelo Norte do país. Baladas da tradição gaélica interpretadas de forma sublime pela vocalista e instrumentais onde, além das prestações de Gerry O’Connor, pontifica o acordeão de Mairtin O’Connor, formam um todo que sem fugir aos cânones tradicionais atinge, recorrendo a uma panóplia instrumental reduzida, uma razoável complexidade e um bom gosto notáveis ao nível dos arranjos. Distribuição VGM. Também disponível um CD do anterior projecto da dupla: Skylark, com “All of it”, na editora Green Linnet, distribuída pela Megamúsica.
Se o acordeão de Mairtin O’Connor é peça fundamental nos Lá Lugh que dizer do seu álbum a solo “Perpetual Motion” (Claddagh, distribuição VGM)? Literalmente assombroso. Mairtin O’Connor é um maníaco da perfeição, chegando ao ponto de mandar construir os seus próprios modelos, de maneira a tirar todo o partido de um instrumento que, no passado, Seán Ó Riada considerou ter sido “inventado por estrangeiros para uso de camponeses sem tempo, inclinação nem aplicação para outro mais meritório” e ao qual Ambrose Bierce, no seu “Dicionário do diabo” chamou “um instrumento em harmonia com os sentimentos de um assassino”. Em “Perpetual Motion” Mairtin O’Connor desfaz todos os preconceitos. Num álbum de interpretações magistrais que inclui música de todos os géneros e de várias regiões: um fandango basco, um “rag” americano, um “Carnaval veneziano”, uma polca ucraniana, “blues”, “cajun”, uma valsa francesa e jigas da Bulgária. Viagens vertiginosas num acordeão de sete foles.

Ventos Da Escócia E Gargantas Do Leste

Os Ceolbeg e Brian McNeill não são irlandeses, mas escoceses. A proximidade geográfica e uma origem comum justificam contudo a sua inclusão neste lote. “Seeds to the Wind”, dos Ceolbeg, constitui a estreia discográfica desta banda que confirma a inesgotabilidade de propostas renovadoras no seio da música de raiz celta. À semelhança de outras formações que não limitam o seu reportório à matriz natal, os Ceolbeg incluem no seu programa tradicionais franceses e da Galiza. Nas canções originais do grupo, as vocalizações de Davy Steele lembram por vezes os Horslips de suspeita memória (a excepção é “The Táin”). Instrumentalmente, “Seeds to the Wind” está repleto de surpresas e boas ideias. Não deixa de ser estimulante, por exemplo, escutar a concepção muito especial que os britânicos têm da extroversão solar dos seus irmãos galegos.
Brian McNeill é conhecido sobretudo como violinista dos Battlefield Band, que desempenham na Escócia o mesmo papel que os Chieftains na Irlanda, de embaixadores da música tradicional no mundo. “The Back o’ the North Wind” (Greentrax, distri. VGM) posterior a “Unstrung Hero” e “The Busker and the Devil’s only Daughter”, ambos disponíveis em Portugal, trata do velho tema da emigração para o continente americano. Brian McNeill refere-se a um vento que “ao longo dos séculos tem funcionado como uma força perpétua” que empurra o seu povo para o exterior. Dá nomes a essa força: “pobreza”, “perseguição”, mas também “aperfeiçoamento”, “desassossego” e um “desejo de conhecer o que se esconde por detrás da montanha, ou do lado de lá do oceano”. Nisto são parecidos connosco. A totalidade das composições inspira-se no filão tradicional, com arranjos do músico, numa prática semelhante à seguida pelos Battlefield Band. Brian McNeill toca neste disco rabeca, guitarra, bouzouki, mandocello, sanfona, concertina e baixo. Guitarra sintetizada, teclados, acordeão, trombone, gaita-de-foles, tin whistle e saxofone soprano completam a lista de instrumentos utilizados por um lote de convidados onde se destaca a presença de Dick Gaughan e o gaiteiro dos Battlefield, Dougie Pincock.
Da Hungria, os Kolinda, apadrinhados pela editora francesa Hexagone nos tempos áureos do álbum de estreia “Kolinda” e da obra-prima “1514”. Ao fim de 16 anos de existência atribulada e sucessivas alterações na formação, a banda húngara liderada por Péter Dabasi dá mostras de um certo cansaço e saturação de ideias. Se no intuito de misturar o folk magiar, na sua vertente sombria, com o jogo da música clássica, interpretada em instrumentos tradicionais húngaros a par de electrónicos, resultou, neste nos álbuns atrás mencionados, a insistência na mesma tecla acabou por se tornar em “clichés” e no academismo que em “Kolinda 6” roça a monotonia e em “Transit”, talvez por ser gravado ao vivo, consegue trazer um mínimo de entusiasmo mesmo se as vocalizações (feminina e masculina) continuam a evidenciar sintomas de anemia…
Bem mais estimulantes são os exemplares de um catálogo recém-chegado aos nossos distribuidores, no caso ainda a VGM: a P… Records, com sede na Holanda. Mais do que estimulante, “Voices from the La.. the Eagles” dos russos …va, especialistas naquele estilo vocal que consiste em fazer sair dois sons distintos de uma única garganta, à maneira de certos cânticos tibetanos. O que David Hykes que é um norte-americano e a viver em Nova-Iorque. Como o álbum é gravado ao vivo, fica-se com a certeza de que não é truque. Musicalmente é das coisas mais estranhas que é possível ouvir, Residents e baleis incluídos. São afinações de outra galáxia. Berimbaus em delírio. Violinos que soam a sanfonas. Instrumentos de sonorização ainda mais estranha que as designações. C… hipnóticas. U… sussurros. Tudo aquilo que o comunismo sempre escondeu e você sempre quis conhecer. Inolvidável.
Para acabar: “Traditional Arranged Dronningens Livsty” versão dinamarquesa dos Fairport Convention, mesmo que na Escandinávia nem tudo é gelo. Depois “M from the pirin M tains” das Bisserova Sisters, búlgaras capazes de provar que há mais do que uma maneira de falar com Deus e “Alon… dos Holandeses e turcos Orient Express numa girândola ferroviária pelos folclores da Bulgária, Turquia, País Basco, Grécia e Itália.
Se juntarmos a estes discos a reedição da quase totalidade das discografias dos Chieftains, Steeleye Span e Planxty, chega-se mesmo à conclusão que vai haver quem não tenha mãos nem ouvidos a medir.

Vários – “III Edição Do Festival Intercéltico Arranca Em Abril No Porto – Celtas Em Manobras” (feltivais / céltica)

Cultura >> Quarta-Feira, 11.03.1992


III Edição Do Festival Intercéltico Arranca Em Abril No Porto
Celtas Em Manobras


Galiza, Astúrias, Bretanha, Inglaterra e Irlanda são as regiões contempladas pelo programa do terceiro Festival Intercéltico, a realizar entre 2 e 5 de Abril na cidade do Porto. De Danann e Maddy Prior são os nomes de cartaz. Portugueses e galegos juntam-se sob a batuta de Manuel Tentúgal numa “Bailia de Frores” que se prevê festiva. O Porto volta a erguer o ceptro celta.



A pouco menos de um mês do seu início, o “Intercéltico” caminha para a consagração. Uma programação criteriosa e o cuidado, da parte da organização, em enquadrar os concertos num contexto cultural mais lato, garantem à partida o êxito da iniciativa. Mário Correia, do “Mundo da Canção”, Júlio Moreira, do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal do Porto e o músico Manuel Tentúgal revelaram ao PÚBLICO, em primeira mão, pormenores do que vai acontecer.
P. – Chegada à 3ª edição, o Intercéltico está em vias de se institucionalizar. Que garantias e apoios há nesse sentido?
MÁRIO CORREIA – Já na edição do ano passado a Câmara do Porto manifestara a intenção de assegurar, por todos os meios que estivessem ao seu alcance, essa institucionalização. É evidente que a Câmara só por si não tem meios para o fazer. Para tal torna-se necessária a conjugação de esforços e de apoios de outras entidades.
JÚLIO MOREIRA – Para o ano continuaremos a ter o apoio do Instituto Francês que se comprometeu a trazer todos os anos um grupo da Bretanha indicado pela organização. O ano passado tivemos a colaboração da Junta da Galiza. Este ano coube a vez do Principado das Astúrias que colabora na deslocação dos Llan de Cubel. Há também um acordo com a Câmara e com uma empresa de Vigo, aos quais se deve a vinda dos Matt Congrio. O festival é, como se vê, um bocado feito em termos de apoios externos dos países e das regiões celtas.
P. – Não há então por enquanto autonomia absoluta em termos organizativos?
J.M. – O Festival não tem de facto ainda autonomia. Para já não nos podemos comparar, por exemplo, ao Fantasporto que é organizado por uma associação própria. Recorde-se que o primeiro Festival Intercéltico foi organizado pelo Instituto Francês, no âmbito das suas actividades. O ano passado tudo surgiu na sequência da Semana da Bretanha. Neste momento, a Câmara é o principal financiador do Festival Intercéltico, no quadro de um programa de animação cultural e turística da cidade. Sem esquecer a própria revitalização do teatro ‘Rivoli’ [local onde decorrerão todos os espectáculos]. Quanto ao futuro, a Câmara comprometeu-se já a apoiar o festival do próximo ano. Depois é a incógnita levantada pelo período de eleições…
P. – Podemos depreender que tudo se continua a dever ainda ao esforço de um grupo de vontades isoladas, não havendo qualquer protocolo oficial que garanta a tal institucionalização do Festival?
J.M. – Acho que a questão é mais profunda do que isso, prendendo-se com uma política e um plano de actividades estabelecido pelo pelouro da Cultura e Animação da cidade, que dá prioridade às actividades culturais. O Festival Intercéltico faz parte desse plano, está lá consignado. Inflexões políticas à parte, como é evidente…
P. – Será possível levar parte dos espectáculos do “Intercéltico” ao Sul, e à capital, como acontece, por exemplo, com o Fantasporto?
J.M. – Este ano foi feita uma proposta à Câmara de Lisboa nesse sentido. Isso acabou por não ir para a frente porque o pelouro da Cultura da Câmara de Lisboa não parece ter grande vocação neste momento para organizar directamente espectáculos. Seria uma questão de encontrarmos outros interlocutores…
P. – O êxito das anteriores edições do festival deve-se me grande parte às chamadas “actividades paralelas”. O que está programado a este nível?
M.C. – Destaco, por exemplo, um “workshop” – um curso de aproximação À gaita galega, com a duração de cinco dias, proposto pelo grupo de teatro “Arte e Imagem” e orientado por um professor galego, Jesus Olimpio Geraldes Ryo. Haverá um diaporama sobre vários aspectos das nações célticas, e um videorama com música e imagens dos artistas intervenientes no festival. Tudo no Rivoli. Estão também agendadas uma exposição de instrumentos musicais populares do Norte de Portugal e da Galiza, nas instalações do Centro Regional de Artes Tradicionais (CRAT), ligada ao curso atrás referido e que documentará as várias fases de construção da gaita-de-foles, e outra, cedida pelo Arquivo Histórico do Porto, sobre o barco rabelo. Não faltarão, claro, as tendas de discos e de artesanato celtas.
P. – Ao contrário do ano passado – em que a escolha recaiu em artistas consagrados que, na prática, desiludiram, casos de Alan Stivell e dos Gwendal -, o programa deste ano parece mais seguro nesse aspecto, apesar de alguns nomes serem praticamente desconhecidos…
M.C. – A Câmara do Porto fez um grande investimento e acabou por dispor de um orçamento considerável. Foi feita uma série de contactos que, em certos países, obrigaram a uma selecção, como aconteceu com a Irlanda em que depois das hipóteses Four Men & A Dog e Ron Kavana, acabou por se optar por trazer os De Danann. Em relação à Bretanha aconteceu a mesma coisa com os Bleizi Ruz, escolhidos de um lote de seis grupos.
P. – A escolha de Maddy Prior não implicará um risco, depois do fracasso da sua apresentação no “Folk Tejo”?
M.C. – É quase um acto de vingança. A Maddy Prior é uma das grandes vozes da folk britânica e é preciso vingar a ausência de público a que foi votada no “Folk Tejo”.
P. – Existe alguma ligação temática entre os vários espectáculos?
R. – Este ano, pela primeira vez, essa ligação existe, sendo dado o privilégio à gaita-de-foles. Na próxima edição poderá ser a vez da guitarra portuguesa e do “bouzouki”, em destaque quer ao nível de actos musicais quer a nível de cursos, “workshops”, palestras, etc. A ideia será pôr músicos portugueses a dialogar com músicos estrangeiros.

Destaque:
Noite Galaico-Portuguesa Com “Bailia De Frores”
“Bailia De Frores”, espectáculo marcado para dia 3 de Abril no teatro Rivoli, é mais um projecto de Manuel Tentúgal, mentor do grupo Vai de Roda, que desta feita vai mais longe, compondo uma encenação musical que junta as heranças tradicionais galega e portuguesa. “Bailia de Frores”, assim mesmo, em galaico-português, seguirá um guião cuja temática gira, segundo Manuel Tentúgal, “à volta dos quatro elementos que relacionam Portugal com a Galiza: a terra, o mar, a saudade e a língua”.
Em palco vão estar músicos ligados ou não à música tradicional. “O objectivo é tentar contrariar a ausência de colaboração entre os músicos”, explica Tentúgal para quem é importante “despoletar esse confronto, por exemplo, entre violoncelistas e violinistas clássicos e um gaiteiro e coros tradicionais”.
Nos corredores e “foyers” do Rivoli, recriar-se-á o ambiente de uma feira medieval: “haverá máscaras, a participação dos “Bugios”, palhaços, cantadeiras, pauliteiros”. Depois, “tudo passará para o palco”, para um final em conjunto de todos os músicos envolvidos: a cantora galega Uxia, dois gaiteiros, um do Centro Cultural da Galiza e Paulo Marinho, dos Sétima Legião, as cantadeiras do Neiva, os pauliteiros do Orfeão Universidade do Porto, quatro sanfonineiros (Carlos Guerreiro, Fernando Meireles, Amadeu e o próprio Tentúgal) e membros dos Vai de Roda. Para o autor de “Terreiro das Bruxas”, “daqui poderá sair o germe de futuros supergrupos de música tradicional.

Programa
Dia 2:
Matt Congrio (Galiza)
Maddy Prior Band (Inglaterra)
Dia 3:
Llan de Cubel (Astúrias)
“Bailia de Frores” (Portugal)
Dia 4:
Bleizi Ruz (Bretanha)
De Danann (Irlanda)
Todos os espectáculos no Teatro Rivoli, no Porto

Vários – “De Avalon À Terra Das Águias”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 18.03.1992


DE AVALON À TERRA DAS ÁGUIAS

“Jigs” e “reels” são termos já familiares no léxico das danças irlandesas. Juntem-se-lhes, em diversas variantes, os “airs”, “hornpipes” e “strathspeys”. Ou as valsas, marchas, polcas e mazurkas, adaptadas à veia nacional. Sem esquecer as baladas vocais. Dá para ter uma ideia da riqueza e variedade da música tradicional da “Ilha de esmeralda”. Provam-no também a nova remessa de títulos acabados de chegar ao nosso mercado discográfico.



“A Jacket of Batteries” de monstra até que ponto os De Danann não têm contemplações: nada escapa ao delírio instrumental desta banda lendária que, com os Bothy Band e os Planxty, ajudou a traçar os fundamentos de toda uma nova e excitante contextualização para a música tradicional do seu país. Do tradicionalismo mais ortodoxo das suites de danças ou do clássico “Carrickfergus” não hesitam em lançar-se num “Mandela” de ressonâncias africanas, nos floreados de uma pauta de Bach ou numa deliciosa adaptação “tradicionalizada” de “Eleanor Rigby”. Frankie Gavin (rabeca, flauta, piano) e Alec Finn (bouzouki, guitarra, teclados), os dois únicos sobreviventes da formação original, encarregam-se de demonstrar todo o seu humor e virtuosismo, bem secundados pelos restantes instrumentistas, Colm Murphy (bodhran), Adele O’Dwyer (violoncelo) e Aidan Coffey (acordeão). Nas baladas em que é chamada a emprestar a sua voz, Eleanor Shanley não faz esquecer a “deusa” Dolores Keane, omnipresente em álbuns como “De Danann”, “Anthem” ou “Ballroom”. “Defeito” menor num disco de uma banda veterana que insiste em desbravar novos caminhos. Distribuídos pela Megamúsica.
Gerry O’Connor (rabeca) e Eithne Ni Uallacháin (voz, flauta, tin whistle) constituem os Lá Lugh, que estiveram recentemente em Portugal numa mini digressão pelo Norte do país. Baladas da tradição gaélica interpretadas de forma sublime pela vocalista e instrumentais onde, além das prestações de Gerry O’Connor, pontifica o acordeão de Mairtin O’Connor, formam um todo que sem fugir aos cânones tradicionais atinge, recorrendo a uma panóplia instrumental reduzida, uma razoável complexidade e um bom gosto notáveis ao nível dos arranjos. Distribuição VGM. Também disponível um CD do anterior projecto da dupla: Skylark, com “All of it”, na editora Green Linnet, distribuída pela Megamúsica.
Se o acordeão de Mairtin O’Connor é peça fundamental nos Lá Lugh que dizer do seu álbum a solo “Perpetual Motion” (Claddagh, distribuição VGM)? Literalmente assombroso. Mairtin O’Connor é um maníaco da perfeição, chegando ao ponto de mandar construir os seus próprios modelos, de maneira a tirar todo o partido de um instrumento que, no passado, Seán Ó Riada considerou ter sido “inventado por estrangeiros para uso de camponeses sem tempo, inclinação nem aplicação para outro mais meritório” e ao qual Ambrose Bierce, no seu “Dicionário do diabo” chamou “um instrumento em harmonia com os sentimentos de um assassino”. Em “Perpetual Motion” Mairtin O’Connor desfaz todos os preconceitos. Num álbum de interpretações magistrais que inclui música de todos os géneros e de várias regiões: um fandango basco, um “rag” americano, um “Carnaval veneziano”, uma polca ucraniana, “blues”, “cajun”, uma valsa francesa e jigas da Bulgária. Viagens vertiginosas num acordeão de sete foles.

Ventos Da Escócia E Gargantas Do Leste

Os Ceolbeg e Brian McNeill não são irlandeses, mas escoceses. A proximidade geográfica e uma origem comum justificam contudo a sua inclusão neste lote. “Seeds to the Wind”, dos Ceolbeg, constitui a estreia discográfica desta banda que confirma a inesgotabilidade de propostas renovadoras no seio da música de raiz celta. À semelhança de outras formações que não limitam o seu reportório à matriz natal, os Ceolbeg incluem no seu programa tradicionais franceses e da Galiza. Nas canções originais do grupo, as vocalizações de Davy Steele lembram por vezes os Horslips de suspeita memória (a excepção é “The Táin”). Instrumentalmente, “Seeds to the Wind” está repleto de surpresas e boas ideias. Não deixa de ser estimulante, por exemplo, escutar a concepção muito especial que os britânicos têm da extroversão solar dos seus irmãos galegos.
Brian McNeill é conhecido sobretudo como violinista dos Battlefield Band, que desempenham na Escócia o mesmo papel que os Chieftains na Irlanda, de embaixadores da música tradicional no mundo. “The Back o’ the North Wind” (Greentrax, distri. VGM) posterior a “Unstrung Hero” e “The Busker and the Devil’s only Daughter”, ambos disponíveis em Portugal, trata do velho tema da emigração para o continente americano. Brian McNeill refere-se a um vento que “ao longo dos séculos tem funcionado como uma força perpétua” que empurra o seu povo para o exterior. Dá nomes a essa força: “pobreza”, “perseguição”, mas também “aperfeiçoamento”, “desassossego” e um “desejo de conhecer o que se esconde por detrás da montanha, ou do lado de lá do oceano”. Nisto são parecidos connosco. A totalidade das composições inspira-se no filão tradicional, com arranjos do músico, numa prática semelhante à seguida pelos Battlefield Band. Brian McNeill toca neste disco rabeca, guitarra, bouzouki, mandocello, sanfona, concertina e baixo. Guitarra sintetizada, teclados, acordeão, trombone, gaita-de-foles, tin whistle e saxofone soprano completam a lista de instrumentos utilizados por um lote de convidados onde se destaca a presença de Dick Gaughan e o gaiteiro dos Battlefield, Dougie Pincock.
Da Hungria, os Kolinda, apadrinhados pela editora francesa Hexagone nos tempos áureos do álbum de estreia “Kolinda” e da obra-prima “1514”. Ao fim de 16 anos de existência atribulada e sucessivas alterações na formação, a banda húngara liderada por Péter Dabasi dá mostras de um certo cansaço e saturação de ideias. Se no intuito de misturar o folk magiar, na sua vertente sombria, com o jogo da música clássica, interpretada em instrumentos tradicionais húngaros a par de electrónicos, resultou, neste nos álbuns atrás mencionados, a insistência na mesma tecla acabou por se tornar em “clichés” e no academismo que em “Kolinda 6” roça a monotonia e em “Transit”, talvez por ser gravado ao vivo, consegue trazer um mínimo de entusiasmo mesmo se as vocalizações (feminina e masculina) continuam a evidenciar sintomas de anemia…
Bem mais estimulantes são os exemplares de um catálogo recém-chegado aos nossos distribuidores, no caso ainda a VGM: a P… Records, com sede na Holanda. Mais do que estimulante, “Voices from the La.. the Eagles” dos russos …va, especialistas naquele estilo vocal que consiste em fazer sair dois sons distintos de uma única garganta, à maneira de certos cânticos tibetanos. O que David Hykes que é um norte-americano e a viver em Nova-Iorque. Como o álbum é gravado ao vivo, fica-se com a certeza de que não é truque. Musicalmente é das coisas mais estranhas que é possível ouvir, Residents e baleis incluídos. São afinações de outra galáxia. Berimbaus em delírio. Violinos que soam a sanfonas. Instrumentos de sonorização ainda mais estranha que as designações. C… hipnóticas. U… sussurros. Tudo aquilo que o comunismo sempre escondeu e você sempre quis conhecer. Inolvidável.
Para acabar: “Traditional Arranged Dronningens Livsty” versão dinamarquesa dos Fairport Convention, mesmo que na Escandinávia nem tudo é gelo. Depois “M from the pirin M tains” das Bisserova Sisters, búlgaras capazes de provar que há mais do que uma maneira de falar com Deus e “Alon… dos Holandeses e turcos Orient Express numa girândola ferroviária pelos folclores da Bulgária, Turquia, País Basco, Grécia e Itália.
Se juntarmos a estes discos a reedição da quase totalidade das discografias dos Chieftains, Steeleye Span e Planxty, chega-se mesmo à conclusão que vai haver quem não tenha mãos nem ouvidos a medir.