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Julee Cruise – “The Voice Of Love”

pop rock >> quarta-feira, 20.10.1993
NOVOS LANÇAMENTOS POP ROCK


O AMOR DORMENTE

JULEE CRUISE
The Voice Of Love
Warner Bros, distri. Warner Music



Julee Cruise é a cantora da perversão. Aparece na capa queimada de vermelhos, imagem de paixão, mãos postas para cima, em louvor aolado de baixo. Mas reparem: lá estão os nomes de David Lynch, autor dos textos, e Angelo Badalamenti, autor das músicas, afinal os verdadeiros mestres da perversão. Julee, como já acontecera no seu álbum de estreia, “Floating into the Night”, e nas suas participações como actora / cantora em Twin Peaks e nesse objecto cinematográfico / circense / musical, simultaneamente belo e aberrante, que é “Industrial Symphony”, faz de boneca animada nas mãos daqueles dois manipuladores.
“The Voice of Love” é um álbum em que a palavra “amor” quer dizer “perdição”. Não se perder no outro, mas na ausência e no vazio. O “amor”, para Lynch e Badalamenti, é uma bebedeira de clorofórmio que faz ver a realidade filtrada através do torpor dos sentidos À deriva num útero apodrecido. Julee volta a ser a cantora do “cabaret” dos pesadelos, figura franzina, olhos desamparados que fingem inocência, uma voz que desfalece, em canções que escorrem devagar, hipnóticas, com a textura do veludo que desta feita não é azul mas vermelho.
Tudo decorre como se cada canção fosse desacelerada até cair em ponto morto, aí se instalando como lugar de sedução, de coisas lentas, mornas e viscosas. Do “reggae” quase estático de “This is our night”, ao momento mais perturbante do disco, “Up in flames” (“my head’s full of smoke, my heart’s full of pain”), em que uma sirene longínqua (“I know those sirens scream my name, I know my oove’s gone”) jamais trará consigo o refrigério para a dor mais insuportável que existe: a dor da perda. “You should’ve shot me, baby, shot me with a gun.” O inferno é que o tiro nunca chegará a ser disparado – “Until the end of the world”, como diz o tema, aqui incluído, que Wim Wenders aproveitou para o seu filme.
Nada melhor, para perceber o que se esconde por detrás desta aparente efusão de sentimentos, do que recordar a cena inicial de “Blue Velvet”, em que a câmara mergulha do azul do céu para as profundezas putrefacatas da terra e a escuridão interior de uma orelha mutilada. Julee Cruise é a cantora escondida no interior de um aquecedor de sala, que canta “In Heaven” (pois a perversão, ao mais alto grau, é a inversão…), enquanto esmaga vermes com os pés, alucinação no interior da alucinação, de “Eraserhead”, estreia cinematográfica de David Lynch. “The voice of love” é ainda o mesmo amor venusiano e luciferino que Isabella Rosselini canta em “Blue Velvet”. Algures, Laura Palmer sorri… (7)