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Amon Tobin – Supermodified

19.05.2000
Transmutações
Amon Tobin
Supermodified (9/10)
Ninja Tune, distri. MVM
Faultline
Closer Colder (8/10)
The Leaf, distri. Ananana


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pwd: nova-express

Se o álbum anterior deste músico brasileiro, “Permutation”, descobria soluções sónicas de mágico no seio do que era ainda um conjunto de ideias manietadas por fórmulas musicais circunscritas, nomeadamente o drum ‘n’ bass e o trip hop, o novo “Supermodified” molda e transforma o passado recente de forma radical. Decididamente, o laboratório de “bricolage” de Tobin foi assolado por uma tempestade que derrubou retortas, incendiou materiais, enlouqueceu os circuitos eléctricos e, acima de tudo, obrigou a repensar e a reescrever os manuais recentes de arquitectura da música de dança. Neste particular, o tema de abertura, “Get your snack on” consegue ser uma combinação prodigiosa de “swing” fractal e jazz inebriante, com uma pulsão arrancada às entranhas do corpo mas que não deixa de ser um hino de louvor à massa cinzenta. “Slowly”, ainda que não dispensando os estalidos dos velhos discos de vinil, projecta o trip hop para os domínios da sensualidade pura. A melodia que traz escondida no ventre faz deste tema um dos momentos mais altos da nova música electrónica. A passagem de um cometa pela feira que os Tuxedo Moon ergueram em “Desire”. Ouve-se vezes sem conta, vê-se como um filme, sente-se como uma carícia. “Deo” retoma as guitarras acústicas dos Faust para come elas erguer uma parede de espelhos. “Precursor” é o futuro do drum ‘n’ bass. Com “Supermodified” (nunca um título de um álbum foi tão revelador), Amon Tobin assume-se como um artista barroco, um criador sem fronteiras, alquimista/demiurgo dos fragmentos perdidos da música de um mundo em desagregação. De cada um destes fragmentos, o brasileiro faz uma obra de arte. Qual máquina de combate, “Supermodified”, esmaga a concorrência para no final depositar dois beijos, um de despedida metálica da bossa nova, em “Keepin’ it stell”, e outro, “Natureland”, um brinde easy listening aos tempos gloriosos de velhos filmes que faziam sonhar.
Considerado por uma quantidade de revistas estrangeiras como um dos melhores álbuns editados no ano passado, definido por alguns como um cruzamento de Miles Davis com Aphex Twin, por outros como parente próximo de Alec Empire, “Close Colder” dos Faultline, aliás David Kosten, só agora chegado ao circuito nacional, constitui o complemento ideal de “Supermodified”. É um álbum deslumbrante, de uma dimensão cinematográfica, em formato de ecrã gigante e som sensorround, que preenche e alimenta cada recanto da imaginação. Umas vezes “sinfónico”, outras jazzístico (anote-se a participação do velho trompetista Ian Carr, antigo elemento dos Nucleus, formação dos anos 70, “rival” dos Soft Machine, e o facto de o próprio Kosten ter integrado, na sua juventude, a National Youth Jazz Orchestra), sempre mergulahdo nas vagas de uma electrónica tão complexa como sensorialmente apetecível, “Closer Colder” define alguns dos vectores estéticos do que já foi catalogado como “pós-dance music”, À imagem, aliás, de “Supermodified” ou, numa linha de funk industrial mais negro, dos mais recentes trabalhos dos Funkstörung (“Appetite for Destruction”) ou Speedy J (“A Shocking Hobby”). Aqui o “drum ‘n’ bass” já faz parte do passado e o conceito de “música de dança” alicerça-se num terreno de ritmos abstractos, e no tracejar de um gráfico multidimensional que são, afinal, a correspondência sonora das reestruturações cognoscitivas que o cérebro tem estado a operar, no sentido de adaptação a novas percepções do ritmo e à crescente pulverização das coordenadas musicais lançadas pela música electrónica neste final do milénio.