Harmonia – DeLuxe (conj.)

12.09.1997
Krautrock
Do Fundo Da Cornucópia
No seu “romance” pessoal sobre o “krautrock” dos anos 70, “Krautrocksampler”, Julian Cope passou ao largo de grande parte da produção discográfica dos grupos germâncios dessa época, cingindo-se aos nomes que fizeram história, dos Faust aos Amon Düül II, dos Kraftwerk aos Neu!, dos Popol Vuh aos Tangerine Dream. Mas essa história foi feita por muitos mais. Em Portugal está-se a desenterrar os tesouros esquecidos.

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A viagem começa, precisamente, por uma das bandas referidas por Cope no seu livro, os Harmonia, confluência dos Cluster, de Dieter Moebius e Joachim Roedelius, com Michael Rother, dos Neu!, e pelo seu segundo álbum, “DeLuxe”, de 1975, que contou ainda com a participação do baterista dos Guru Guru Mani Neumeier. Obra fundamental do “krautrock”, mais acessível do que a estreia “Musik Von Harmonia”, nela a batida metronómica funciona como pista para o expresionismo electrónico de trio, bem ilustrado no kratwerkiano tema de abertura, com os Harmonia rolando na sua própria “autobahn”. “DeLuxe” é um disco fundamental para se compreender a transição da fase inicial, mais cósmica, do “krautrock” para o niilismo mecanicista (exemplificado no vertiginoso andamento do tema “Monza”) que infectaria a alma das grandes metrópoles teutónicas, anunciando o “punk” e o radicalismo de atitude de uma banda posterior, os La Düsseldorf, pilotados pela outra metade dos Neu!, Klaus Dinger. (Brain, import. Torpedo, 9.)
Seguindo o rasto, encontramos precisamente os La Düsseldorf, também no seu segundo álbum, “Viva”, de 1978, ou seja, no auge do “punk. Numa altura em que, em Inglaterra, os jovens de alfinetes queimavam os sintetizadores, os irmãos Klaus e Thomas Dinger equacionavam o seu uso num contexto derivado do pioneirismo dos Kraftwerk, pondo em ligação a estética do grito “bávaro”, como Cope lhe chama, com os circuitos integrados das máquinas, transformadas em monstros de metal. Também desta banda volta a estar disponível o seu álbum de estreia, “La Düsseldorf”, igualmente na versão japonesa, da qual, como se pode ler no aviso da capa, foi copiada a anterior edição pirata com o “selo” Germanofon. (Captain Tripi, import. Torpedo, 7.)
Avancemos para outro disco clássico, este já sem a chancela de Julian Cope: “Osmose”, com data de edição original de 1970, na Ohr, dos Annexus Quam, outra banda com origem em Düsseldorf. Representativo de uma área explorada, de forma mais sofisticada, por bandas como os Kraan ou Release Music Orchestra, “Osmose” entrelaça, por vezes de forma anárquica, as tendências jazzísticas que viriam a ser sistematicamente desenvolveidas no álbum posterior, “beziehungen”, com a mesma costela cosmico-percussiva de “Atem”, dos Tangerine Dream. (Spalax, import. Torpedo, 7.)
Ash Ra Tempel e Guru Guru são duas das bandas mais representativas do “krautrock”. “Ash Ra Tempel”, a estreia, em 1971, do colectivo liderado pelo guitarrista e sintetista Manuel Göttsching, foi a primeira de muitas “acid jams” que culminariam no encontro, patrocinado pelo esquizoguru da “Kosmische Muzik”, Rolf-Ulrich Kaiser, com o guru do LSD, Timothy Leary, em “Seven Up” e que apenas parecem fazer sentido para uma cabeça igualmente encharcada em ácido lisérgico. Como a de Cope, que inclui este álbum na sua lista de preferências. (Spalax, import. Torpedo, 6.)
Já “Tango Fango”, álbum de 1976 dos Guru Guru, constitui uma amostra pouco representativa do poder implosivo que caracteriza os dois primeiros álbuns desta banda, desde sempre impulsionada pelo barerista Mani Neumeier, “UFO” e “Hinten”. Em “Tango Fango” mistura-se o jazz-rock trazido pelo novo recruta Roland Schaeffer, nos sopros, com tangos, música de variedades, marchas folclóricas, anedotas absurdas e canto “yodelling”. Interessante mas demasiado derivativo. (EFA, import. Torpedo, 6.)
Lado a lado com os grupos cujo som era declaradamente “kraut” (leia-se “cósmico”, “libertário”, “exploratório”, “tripante”…) coexistiram, na Alemanha, muitos outros, apostados em fazer música com menos conotações regionais, que cantavam em inglês e, em geral, cometiam o pecado de dominar tecnicamente os instrumentos que tocavam. Os Grobschnitt incluíam-se nesta categoria. Entre 1972 e 1989, gravaram 13 álbuns, chegando a alcançar níveis elevados depopularidade, no seu país de origem. “Ballerman”, de 1974, um duplo álbum na versão original, em vinil, á marcado por influências díspares e por uma veia “progressiva” bem assimilada, onde avulta a longa “suite” “Solar Music”, com os seus 33 minutos de experimentações variadas em torno de sequenciações electrónicas, psicadelismo tardio e efeitos de produção. Este mesmo tema seria ampliado para mais de 50 minutos numa posterior versão garavada ao vivo e editada em 1978, com o título “Solar Music – Live”.
“Rockpommel’s Land”, de 1977, é um álbum conceptual, mais sereno e inspirado nos Genesis, onde se conta a odisseia do pequeno Ernie, entre a sátira e a preocupação de emular na perfeição os mestres ingleses. Um álbum de pormenores e subtilezas que “trepa” a cada audição. (Brain, import. Planeta Rock, 6 e 7).
Eroc, de seu nome verdadeiro Joachim H. Ehrig, era o percussionista dos Grobschnitt. Mas os álbuns que gravou a solo (onde estende os seus talentos de executante aos teclados, acordeão, vibrafone e percussões várias) não tinham rigorosamente nada a ver com a música do grupo. “Wolkenreise” é uma colectânea de temas gravados entre 1975 e 1982, que vão do “easy listening” alpino, seja lá o que isso for, a neuroses ambientalistas, entre a paródia aos românticos e delírios electrónicos de sintetizadores perdidos nos seus próprios devaneios. Saliência para “Des zauberers traum”, de “Eroc”, uma dos mais estranhos álbun gravados por esta personalidade, arrumada entre Manuel Göttsching e Michael Rother. (Brain, import. Planeta Rock, 6)
Para os Novalis não se punham dúvidas quanto aoa estilo a seguir. Eram românticos declarados, como os Wallenstein, Hoelderlin ou Parzival, não escondendo a sua paixão pelos sons dos progressivos do outro lado da Mancha. “Banished Bridge” (agora em versão remasterizada), com a qual se estrearam em 1973 na Brain, denota a influência descarada dos Pink Floyd, da fase “A Saucerful of Secrets” e “Ummagumma”, no tema conceptual de 17 minutos que dá título ao álbum, com base no “mellotron” e restantes teclados de Lutz Rahn. Apesar disso, desprende-se dele magia e um ambiente de estranheza que cativa. Os restantes três são mais exibicionistas, oscilando entre a pirotecnia dos Emerson, Lake & Palmer e o barroco insuflado dos Procol Harum (Brain/Repertoire, import. Torpedo, 7.).
Guardámos para o fim a maior surpresa. “Full Horn”, dos Cornucopia, é uma pérola que poucos conheceriam. É o único álbum gravado por este septeto – auxiliado ainda por Jochen Petersen, saxofonista e flautista do grupo de Achim Reichel – que teve contra si o facto de estar demasiado avançado no tempo. Na altura ninguém quis saber deles e os Cornucopia não tiveram outra alternativa senão desistir. Mas “Full Horn”, de 1973, faz justiça ao título, mostrando ser uma verdadeira cornucópia de onde jorram a cada instante renovados prazeres. Antes e mais, a banda era constituída por executantes de excepção. Mas ao contrário do que era frequente acontecer, punham as suas capacidades ao serviço de uma música inclassificável, com uma complexidade talvez apenas comparável aos Gentle Giant e um gosto pelo bizarro que, nalguns momentos, traz à memória Frank Zappa. Os 19 minutos de “Day of a Daydream Believer” evoluem de forma imprevisível através de vocalizações arrevesadas, na linha dos Amon Düül II, e constantes mudanças de ritmo e ambiente. “Morning Sun – Version 127 (for the charts)” evoca a subtileza da escola de Canterbury enquanto “And the Madness” mergulha no mesmo universo de alienação iluminada dos Gentle Giant de “In A Glass House” ou dos Gracious. “Spots on You, Kids” faria boa figura num catálogo seleccionado da Recommended. Um clássico. (Brain/Repertoire, import. Torpedo, 8.)
Na Planeta Rock encontram-se ainda disponíveis álbuns dos Faust (“The Faust Tapes”, “71 Minutes of Faust” e o novo “You Know FaUSt”), Jane (“Here We Are”, “Jane III”, “Lady” e “Fire, Water, Earth & Air”), Grobschnitt (“Solar Music – Live”, “Illegal” e “Last Party – Live”) e Nektar, que eram ingleses mas fizeram carreira na Alemanha, acabando por ser adoptados pela grande família do “krautrock” (“Journey to the Center of the Eye”, “A Tab in the Ocean” e “Remember the Future”. Na Torpedo pode encontrar os Agitation Free (“Last”), os Cluster (“Cluster III”), Guru Guru (“UFO e “Hinten”), Faust (“Rien”), Harmonia (“Musik von Harmonia”), La! Neu? (“Düsseldorf”) e Moebius & Plank (Rastakraut/Material”)

Nota: Os Harmonia voltaram ao activo. Ao trio Moebius, Roedelius e Rother juntou-se um quarto elemento, nada mais nada menos do que Brian Eno, que, de resto, já gravara com a dupla dos Cluster os álbuns “Cluster & Eno” e “After the Heat”. O novo álbum dos Harmonia, a sair em breve, tem como título “Tracks & Traces”.

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