Brian Eno – “The Shutov Assembly”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 25.11.1992

O PINTOR DA ETERNIDADE


BRIAN ENO
The Shutov Assembly
LP, CD Opal, distri. Warner Music




Espaço e tempo são as duas grandes coordenadas da realidade manifestada. A pintura recria, a duas dimensões, a tridimensionalidade do espaço. A música, num sentio unidirecional, reinventa o tempo. A pintura é uma unidade, síntese de formas / instantes que se condensam numa imagem. Os sentidos podem abarca-la na totalidade. Na música existe um drama. Sendo uma arte que vive do e sobre o tempo, torna-se impossível aos sentidos captar imediatamente a obra na sua completude. Ou seja, ao contrário da pintura, a música depende da duração. A imagem é esculpida. O som, uma escultura de silêncio.
Brian Eno tem consciência deste dilema. Toda a sua música dita ambiental procura inventar um método que, pelo menos parcialmente, consiga transcender esta situação. Não por acaso o autor procura pôr em paralelo a sua música com a pintura, através da criação de painéis sónicos de acontecimentos por onde o auditor possa “passear” sem se prender a nenhum em particular. A procura de uma simultaneidade (im)possível dos sons. A música igual a um quadro. “The Shutov Assembly”, passado o ataque de nervos de “Nerve Net”, é o capítulo mais recente nesta busca incessante de uma “música paisagística” – arquitectura de sons onde os sentidos, mais do que “aprenderem”, possam instalar-se, como num “lugar” – depois de “Discreet Music”, “Music For Films”, “Music For Airports”, “On Land”, “Apollo Atmospheres & Soundtracks” e “Thursday Afternoon”. É o próprio Eno que, no folheto promocional, diz o seguinte: “Penso nos sons em termos de qualidades como brilho, calor, aspereza, claridade, escuridão, iridiscência, angularidade, rugosidade, nebulosidade, nivelamento [tudo qualidades aferíveis à pintura]. Pretendo fazer música como se pintasse um quadro – criar um lugar [e sublinha o substantivo] possível e credível, pleno de vida – com concordâncias e tensões, com uma teia de pontos focais sem nenhuma hierarquia entre si.” Palavras de um pintor que procura dar a ver e a habitar a eternidade.
Composto por dez peças com títulos de nove letras e ressonências bizarras e italianizantes – “Triennale”, “Lanzarote”, “Francisco”, “Innocenti”, “Cavallino” – “The Shutov Assembly” reúne temas compostos desde 1985 para quadros do pintor russo Sergei Shutov, que Eno conheceu em Moscovo, retomando deste modo um convívio, nunca abandonado, com artistas plásticos, numa colaboração efectiva cujos resultados mais conhecidos se encontram na parceria com o malogrado Peter Schmidt, nas capas de “Another Green World” e “Evening Star” (com Robert Fripp” e na colecção de aguarelas que acompanhavam a edição original de “Before and After Science”.
Temas atemporais, sons de cristal, pulsares iluminando vagas de escuridão, fluem à deriva no silêncio, negro ou branco, consoante o fundo for visto como o espaço sideral (aquele onde o tempo conquista a sua dimensão de relatividade. Recorde-se, a propósito, o sentido e a importância capital de “Apollo Atmospheres” em que a imagem da imponderabilidade e do vazio funcionam como metáforas da vitória sobre a temporalidade) ou uma tela, virgem de formas e texturas. Em “The Shutov Assembly” reúne-se a assembleia de todos os possíveis, de sons / luzes / cores em interconexão sinestésica. Enquanto o fim dos tempos não vier revelar a simultaneidade e a cruz de passado, presente e futuro, num instante – o “aleph” vislumbrado por Jorge Luís Borges -, Brian Eno terá que se contentar com a solução intermédia, de compromisso, que é o vídeo, formato que tem sustentado os seus mais recentes trabalhos, simulacro da impossível e definitiva unidade em que num momento de instantânea contemplação se possa perceber o mundo e a obra de arte libertos do espartilho de Cronos. Quando formos capazes de olhar além do cérebro, esse artífice de ilusões. (8)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.